quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Desumanização do comércio

Você tem e-mail? Provavelmente sim.

Se tem, já deve ter recebido milhares deles.

Sabe quantos foram realmente enviados por pessoas de carne e osso e quantos foram enviados por softwares, programas automáticos de vendas ou robots comerciais e de mala direta on-line?

Não, eu não estou falando do fenômeno do spam.

Spam é mensagem não solicitada. Essas são também recebidas aos milhares, e em geral também são de origem automática, mas não é bem sobre elas que quero chamar sua atenção.

O que quero que perceba é que há um processo de desumanização das relações comerciais. 

Você compra de uma empresa que não tem pessoas te atendendo do outro lado de um balcão, de uma linha telefônica ou de um site. Você faz transações financeiras com máquinas virtuais, quando não com máquinas reais.

Um caixa eletrônico de banco é uma espécie de robot fixo em um ponto qualquer pronto a expelir ou engolir dinheiro real, além de registrar e transmitir dinheiro virtual dele para sabe-se lá onde.

Uma máquina vende ursinhos de pelúcia, se você conseguir pegá-los com uma garra complicada e imprecisa. Outra máquina vende refrigerante. E outra ainda vende flores frescas mediante o recebimento de algumas notas não tão frescas. Por fim, uma máquina abre e fecha uma cancela na entrada de um shopping center qualquer, lhe dá boas-vindas na sua chegada e recomenda que use cinto de segurança quando vai embora.

As máquinas estão se preocupando conosco!

Quantas ligações a call centers são de fato atendidas por gente de verdade e não por gravações mecanizadas?

É espantosa a expansão deste método de se fazer negócios.

Mas, há um paradoxo nisso.

Preferimos então o atendimento humano personalizado e caloroso?

Mas, onde há este tipo de atendimento hoje em dia?

Não aqui, no nosso confuso Brasil de 2014.

Em geral, somos pessimamente atendidos em quase todos os lugares. Pessoas realmente atenciosas e educadas não são facilmente encontradas em pontos comerciais comuns. Parece que o comércio só consegue contratar jovens mal educados que não sabem sequer para quem trabalham, nem o que vendem, nem onde estão, nem que somos nós, compradores, consumidores, que pagamos seus salários mínimos. Raros são os atendentes que são realmente profissionais naquilo que são contratados para fazer. 

Então, fica o paradoxo. O que você prefere: um e-mail com redação impecável enviado por um software, com um aviso de "não responder: esta é uma mensagem automática", ou um e-mail redigido por um humano, mas deselegante, cheio de erros de português, incompleto, inconclusivo e incongruente?

Quer saber?

Não prefiro nem um nem outro.

Mas, não decido nada, e como não temos muitas opções de escolha, parece que as máquinas vencerão!

Mas relaxe por enquanto: este meu texto ainda é artesanal, e tão autêntico quanto um pastel de carne, exceto que você não pode sentir cheiro algum e nem saber com quanta atenção e prazer eu o redijo e o ponho à sua disposição para que leia e tire as suas próprias conclusões.

E melhor: de graça!

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Trabalho: a vida cronometrada

Nós, humanos, não somos amigos dos relógios.

Você pode gostar da aparência deles, pode pagar milhares de dólares por um Rolex ou outra marca famosa qualquer, mas certamente não o faz porque gosta de olhar as horas, os minutos ou segundos. Você, no máximo, gosta de objetos duráveis, bem feitos e que proporcionam status, mas não creio realmente que goste de ter sua vida controlada por um simples relógio, ainda que muito bonito e caro.

Não, nós não amamos os relógios.

Eu não os amo, definitivamente.

Mas a vida nos impõe obrigações, e precisamos dos relógios. De parede, de pulso, no celular, na barra de tarefas da tela do computador, nos painéis das praças e avenidas, no topo dos arranha-céus, em todos os lugares. 

Relógios são onipresentes.

Mas, há um tipo de relógio ainda mais maligno.

É o cronômetro.

Mas, quem precisa de um cronômetro, afinal?

Não eu, certo? Não nós, simples mortais trabalhadores. Nós nos contentamos com os relógios comuns. Alguns deles até têm funções de cronômetro, mas quase não as usamos. Não somos atletas, maratonistas, velocistas, nem procuramos ganhar alguma olimpíada contra nossos colegas de trabalho, certo?

Mas, ainda que eu nunca tenha sido muito amigo dos relógios, a vida foi ficando tão complexa ao longo dos anos que em determinado momento eu percebi que precisava de algum controle do tempo, alguma organização dos meus horários. Precisava primeiro de um calendário para anotar compromissos para os próximos dias, próximos meses. Sim, eles, os compromissos, entraram de vez na minha vida. Imposto de renda, manutenção do carro, troca de óleo, exames de saúde periódicos e outros afazeres mais demandaram um mínimo de organização. Afinal, quem já atrasou uma entrega de declaração de imposto de renda ou perdeu um prazo importante qualquer por esquecimento sabe do que estou falando. É melhor ter um calendário do que não ter.

Eu passei a usar um calendário no Outlook, no computador. Era uma maneira simples de manter-me atualizado com meus compromissos, e vez ou outra, eu recebia um aviso na tela do computador lembrando-me do aniversário de uma pessoa querida, ou lembrando-me de que precisava retornar ao dentista para uma revisão geral.

Mas, mais que isso, eu passei a usar o Outlook para distribuir coisas a fazer, tarefas em geral, ao longo do tempo. Eu deveria fazer o item A primeiro que o B, depois o item C e assim por diante. O item A seria demorado, de maneira que eu o faria em duas ou três etapas, mas entremeio a uma etapa e outra, faria os itens B e C.

O item A deveria começar no dia X por volta das Y horas.

Eu registrava tudo no Outlook e ele enviava-me um aviso na hora de começar A, B ou C.

Essa é a vida cronometrada.

Parece exagero, mas não é. Um dia desses eu vi o calendário de uma pessoa bastante atarefada no trabalho cuja dependência do calendário do Outlook é absoluta. Tire o Outlook dele e sua rotina de trabalho entra em colapso. E ele está longe de ser o único usuário que conheço que é dependente deste modo de trabalhar.

Algumas pessoas são mais organizadas que outras. Uns gostam de maior controle que outros. Há aqueles que são simplesmente mais atarefados que outros. E há ainda aqueles que simplesmente possuem um tipo de trabalho cujas ações são simplesmente descontínuas, fragmentadas, e que não podem trabalhar longas horas, longos dias nas mesmas coisas, na mesma rotina, sem idas e vindas a outros assuntos. Trabalho fragmentado requer um esforço de memória que seria desgastante sem o apoio de agendas e computadores. Essas ferramentas estão aí exatamente para isso. Afinal, temos que nos ocupar com coisas realmente importantes, e não podemos nos dar ao luxo de esquecer tarefas que não podem ser esquecidas. Esta é a realidade e não há muito o que se fazer contra.

Mas, um dia, eu percebi que podemos ter hora para começarmos uma tarefa, e dispomos de um aviso para isso. Vários avisos. Mas, é quanto à hora de pararmos?

Falarei mais sobre esta hora, mas não agora.

Agora, falarei sobre cronômetros.

O Outlook não nos diz a hora de parar. Não há nele, nem em nenhum outro relógio, nem mesmo naquele que fica em toda barra de tarefas de todo computador, uma forma de aviso que diga que um determinado tempo já tenha se passado. Quer dizer: ninguém se importou em avisar sobre o fim de um período de tempo. 

Eu estou falando de cronômetros.

Coloque um relógio qualquer para tocar em uma determinada hora. Essa hora será a hora de se iniciar um trabalho qualquer. Comece este trabalho qualquer, uma atividade qualquer, e apenas imagine que irá parar dentro de meia hora. Quem o avisará quando esta meia hora terminar?

Um relógio comum não o avisará. Um cronômetro, sim.

Então pensei comigo mesmo: em um mundo tão cheio de ideias e programas de computador, será que haveria um cronômetro em forma de software?

Pesquisei e descobri vários. Um deles é o 1Time.

Comece um determinado trabalho e programe o 1Time para avisá-lo em meia hora. Dispare a contagem regressiva dele e inicie o trabalho. Meia hora depois, ele aparece na tela e o avisa: pare! Sua meia hora de trabalho acabou!

Eu gostei desta ideia.

Comprei um cronômetro digital de verdade, um reloginho de plástico amarrado a um colar. 

Tire uma hora para fazer quatro tarefinhas diferentes a cada 15 minutos. Ajuste a contagem regressiva para quinze minutos e deixe o cronômetro interromper a primeira tarefinha para que você possa partir para a segunda tarefinha. Recomece a contagem regressiva com o cronômetro. E assim por diante.

Quanta bobagem, você deve estar pensando.

Sim, uma bobagem.

Mas, houve dias em que me embrenhei em estudos de maneira tão intensa e séria que precisei de um esquema desses para distribuir o tempo entre uma matéria e outra, para poder atingir meus objetivos, que eram ambiciosos e difíceis.

Esse período de vida cronometrada foi doloroso, mas funcionou.

Mas nós, brasileiros, não somos muito acostumados a esse tipo de proceder. É coisa de americanos isso, esse tal de trabalho duro.

A vida cronometrada não é um modo necessário, mas para certos objetivos, é a única vida.

A vida cronometrada, no final, compensa.