quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Como ser uma pessoa disciplinada?

Tendo falado sobre a importância da disciplina em meu último post, abordo agora a trigésima oitava pergunta, da série que fiz em 2001, e para a qual venho tentando dar respostas satisfatórias, para satisfazer minha própria curiosidade intelectual.

Admitindo que livros de autoajuda são manuais disfarçados de literatura, e que só surtem efeito se forem seguidos com disciplina, e tendo ainda admitido que disciplina é então fundamental no processo de se aplicar recomendações dos livros de autoajuda, faço o seguinte questionamento:

"Como ser uma pessoa disciplinada?"

A razão desta pergunta é que há a percepção de minha parte de que ainda que a disciplina seja fundamental, ela é relativamente rara, quer dizer, a disciplina não é um dom natural com o qual as pessoas nascem e que se desenvolve sem maiores esforços, como uma orelha ou um pulmão. A minha percepção é a de que a disciplina é um atributo que requer esforço consciente de um indivíduo para que venha a se estabelecer. Não acredito que as pessoas nasçam naturalmente disciplinadas, nem que passem a ser disciplinadas sem esforço ou treinamento. Assim, se a disciplina é uma habilidade que se aprende, tal qual uma língua ou a capacidade de ler ou andar de bicicleta, então, o que uma pessoa precisa fazer ou saber para se tornar disciplinada?

Não conhecia, quando da pergunta, nenhum método eficaz que servisse para incutir disciplina como um hábito no comportamento de uma pessoa. Hoje, talvez eu disponha de mais conhecimento sobre o assunto, mas este conhecimento é limitado. Afinal o assunto é polêmico e não dispõe de respostas definitivas nem mesmo entre os especialistas. Bem, esta pergunta então, sou forçado a admitir, não possui uma resposta completa.

Na verdade, o tema da disciplina tomará grande tempo e esforço de minha parte ao longo dos anos, depois de feita esta pergunta, em 2001. Como este post é forçosamente limitado à circundar a pergunta original em si, creio que não há muito o que dizer mais, além do que o já dito. Disciplina é importante, sabemos todos, mas não sabemos como tornar as pessoas disciplinadas.

Esse conhecimento é buscado por diferentes pessoas, grupos e ciências, por diferentes motivos, com diferentes objetivos. Assim, o campo é rico em possibilidades. Na medida em que formos avançando com este blog, mais e mais veremos o assunto ser abordado, em um grau cada vez mais profundo, e mais e mais perceberemos as razões de ser um tema tão interessante e discutido.

Por ora, é bom que saibamos que a busca por fórmulas capazes de tornar as pessoas disciplinadas é um daqueles tipos de alvos que significam o desenvolvimento potencial de toda uma indústria, e cuja solução implicaria riqueza, poder, sucesso, fama e grandiosidade tal que rivalizaria, sem exageros, aos louros colhidos pelo descobrimento da energia atômica, ou do DNA, ou ainda o da pedra filosofal, se esta existisse. Creio que este julgamento da importância que atribuo ao poder de controle da capacidade da disciplina não é exagerado porque a História assim me autoriza. Evidentemente, a história é riquíssima em exemplos de lutas pelo poder, embora não seja de modo algum óbvio em um primeiro relance conseguir vislumbrar o elo entre esses exemplos e a conquista da disciplina propriamente dita. Mas quando passamos a vê-la como um instrumento de controle social, como uma habilidade que não precisa ser necessariamente adquirida voluntariamente, então podemos pensar em tentativas de controle social por métodos não psicológicos, nem voluntários, e motivados por objetivos pouco pessoais ou altruístas, e então a disciplina passa a ser vista como uma ferramenta política, ganhando uma dimensão que vai muito além daquela que comumente lhe atribuímos, uma dimensão que não tem quase nenhuma relação com força de vontade ou motivação pessoal. Mas então, já estamos indo longe demais com o tema, e devemos caminhar por meio de passos seguros, para não nos confundirmos com a complexidade do assunto.

Portanto, ser uma pessoa disciplinada é, mais do que um desejo pessoal, um poder social que transcende o indivíduo. Por transcender o indivíduo, ganha o interesse de grupos e ramos científicos que passam então a estudar o tema de maneira ampla e variada. Esses estudos são por demais complexos para serem tratados em um único post, mas precisam ser tratados, de uma forma ou de outra, por este blog, porque assim o determina a curiosidade pessoal do autor.

É o que faremos, mas não agora.

Agora, no próximo post, trataremos da trigésima nona pergunta. Caminhemos com mais dúvidas...

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

A importância da disciplina

A trigésima sétima pergunta da série que discuto atualmente neste blog tem conexão direta com a pergunta respondida nas duas últimas postagens

Eu conclui a última postagem afirmando minha dúvida quanto à veracidade da concepção de que todo aquele que compra um livro de autoajuda o lê de fato e tenta aplicar aquilo que lhe é sugerido como uma ação que pode ajudar a conseguir o que quer com a compra do livro.

Afirmei que um leitor tem sucesso com um livro de autoajuda na medida em que disciplina-se a lê-lo e a seguir o que o autor recomenda que siga. Mas, será assim tão simples?

A minha trigésima sétima pergunta é:

"Qual a importância da disciplina?"

A resposta para esta pergunta parece-me das mais fáceis. A importância da disciplina é fundamental, e não somente para aquele que pretende ler livros de autoajuda e obter algum benefício pessoal no processo. Ela, a disciplina, é importante em qualquer processo de aprendizado que envolva alguma complexidade e que demande algum tempo de esforço continuado e progressivo. Não se aprende tudo de uma única vez. E não se aprende pela metade. O que quer que se queira aprender de fato, é preciso que seja aprendido em sua completude. 

Evidentemente, há diferentes graus de profundidade e um determinado ramo de conhecimento ou de habilidade pode ser aprendido, ou melhor, estudado, mais ou menos intensamente e cada pessoa deve saber por si só o quanto desta profundidade lhe interessa. Uma pessoa pode se contentar com noções elementares, outra, com um grau avançado de profundidade, e há ainda umas poucas cuja satisfação está justamente em estudar um assunto tão a fundo que lhe alarga as fronteiras, e são em geral pioneiras em avanços que depois são compartilhados com o resto da humanidade, em um processo de desenvolvimento e aprendizagem sem fim.

Assim, dentro de seu espectro de necessidades, um indivíduo pode saber tanto quando queira. A menos que queira saber rudimentos, e para isto dedicar apenas algumas horas de estudo na vida, precisará se esforçar para atingir o nível que lhe pareça adequado. Evidentemente que a maioria dos compradores de livros de autoajuda se enquadram na categoria dos que querem apenas aprender rudimentos, e para tanto, dedicam apenas o tempo necessário para uma leitura parcial de uma determinada obra. Mas, para os que querem ir além, é preciso mais.

Um livro médio, nem muito grosso, nem muito fino, demanda várias horas de leitura atenta e contínua. Não é comum que se leia um livro desses em apenas um ou dois dias de esforço concentrado. E se alguém assim o fizer, não obterá tanto proveito quanto outro que ler um livro compassadamente, em dias sucessivos, sem grandes intervalos, sem grandes excessos, e que tenha o tempo necessário para meditar sobre aquilo que lê a cada dia, em um processo de assimilação calma e amadurecida, e não por meio de uma leitura sonolenta, longa, cansativa ou muito rápida.

Ora, ler requer disciplina. O hábito de leitura é extremamente prazeroso, mas não muito comum hoje em dia. Evidentemente, há milhões de leitores vorazes no mundo moderno, mas são poucos comparados ao número de outros tipos de consumidores de informações, tais como os que formam as audiências de televisão, cinema, internet, jogos eletrônicos ou qualquer outro tipo de lazer tão comum no dia-a-dia. Ler é demorado, requer atenção, calma, local adequado, silêncio, tempo. 

Mas livros de autoajuda, como já disse em outras postagens anteriores, são na verdade manuais.

Manuais são ainda mais difíceis de serem lidos. Eles demandam mais leituras que um simples romance. Eles demandam anotações, rascunhos, exercícios, planos, projetos, tabelas. Eles não foram escritos para serem lidos como meras fontes de entretenimento e lazer. É certo que não são escritos como livros técnicos, para não parecerem muito difíceis de serem seguidos, mas eles são tão técnicos quanto livros de engenharia, administração ou economia. Apenas são escritos em linguagem popular, usam exemplos do dia-a-dia e parecem serem fáceis de serem seguidos, mas não são.

Disciplina para ler já é um atributo difícil. Já disciplina para um estudo sério de um livro com vistas à sua aplicação prática é ainda mais difícil. Ter disciplina é um atributo que é pré-condição para que um leitor possa tirar um mínimo de proveito de um livro de autoajuda. Sem esta disciplina, não há a menor possibilidade de sucesso nesta empreitada, que sequer será vista como uma empreitada. Ler pelo mero prazer de ler não produz resultado real algum na vida de quem quer que seja quando falamos de autoajuda. Não é uma questão de mera mentalização, ou força de vontade, ou o caso de se descobrir e tomar posse de algum segredo por meio de uma mera leitura, como se livros de autoajuda fossem manuais de bruxaria ou esoterismo, cheios de segredos e palavras mágicas que, uma vez conhecidas por meio de um simples correr de olhos, já seriam capazes de dar àquele que as lesse todo o poder contido nelas, como chaves mágicas para cofres secretos recheados de tesouros ocultos. Não, não há mapas de tesouros enterrados em livros de autoajuda, e não há palavras mágicas esperando para serem aprendidas, nem exercícios mentais simples e fáceis que darão àquele que os colocar em prática o poder de atrair riqueza e sucesso como um imã humano. Qualquer livro que sugira ou prometa algo desta natureza estará mais para charlatanismo do que para autoajuda genuína, e merece, se não o descrédito imediato, pelo menos uma forte dose de desconfiança e ceticismo, para dizer o mínimo.

Então, se não há mágicas, a mágica está na disciplina. Mas, se a disciplina é tão importante, por que ela é tão rara? Mas já estamos indo longe demais. A pergunta se limita a questionar a importância ou não da disciplina no sucesso com a leitura de livros de autoajuda. A resposta é a de que a disciplina é fundamental, a menos que estejamos lendo livros mágicos. Caso contrário, teremos então manuais disfarçados de romances, mas tão difíceis quanto um livro de matemática.

Ora, a constatação é a de que a disciplina, ainda que fundamental, aparenta ser um atributo raro. Daí, diante desta constatação óbvia, dei como respondida a questão deste post e fiz minha próxima pergunta, a qual tratarei no post seguinte.

Agora, não falamos mais de mágicas. Agora, o assunto toca em nossas forças (e fraquezas) pessoais.

Aos poucos, eu me aproximava daquilo que viria a me tomar a atenção por um longo tempo: o fascinante mundo do comportamento humano.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Autoajuda funciona? - parte II

Dando continuidade ao post anterior, tento responder a seguinte pergunta:

"Por que os leitores de Dale Carnegie e Og Mandino não são milionários e felizes?"

Teci uma série de comentários na primeira parte de minha tentativa de resposta com o objetivo de preparar o terreno para a resposta em si, que não é, ao meu ver, uma resposta simples e conclusiva.

Quando começamos a ler um livro de autoajuda, em geral temos duas maneiras de chegarmos a ele: ou nos deparamos com o livro por acaso, sem nunca ter visto ou ouvido falar nele, ou somos apresentados ao livro por alguém, um amigo, um colega, um psicólogo, uma propaganda, uma matéria em uma revista, ou uma recomendação em um site.

No primeiro caso, quando nos deparamos com livros por acaso, somos levados a escolher comprá-lo, ou emprestá-lo, e lê-lo depois de uma breve análise do tipo: esse assunto me interessa? Eu tenho este tipo de problema? Eu posso ter um problema e não saber que tenho? Existe algum segredo neste livro que eu precise saber?

Daí, para sabermos se o livro é bom ou não, as editoras colocam nas capas o número das vendas do livro. Dois milhões de leitores mundo afora. Primeiro lugar na lista do jornal X ou Y. Recomendações de dúzias de autoridades.

Por outro lado, no segundo caso, nem precisamos muito de saber ou se importar em saber quantas pessoas já compraram o livro antes. Se ele teve uma recomendação de alguém cuja opinião julgamos confiável, então se essa recomendação nos interessa, chegamos ao livro já predispostos a aceitar que deve ser um livro bom, porque ninguém nos recomendaria um produto ruim.

Então, livros de autoajuda costumam ter boas vendagens, e as editoras exploram essa vantagem, e por um certo tempo, tem-se um ciclo de sucesso em torno de um tema ou de um autor específico. É o caso de Dale Carnegie e Og Mandino, além de centenas de outros autores.

Mas, se esses livros são tão vendidos e tão recomendados, é porque eles trazem alguns benefícios aos seus leitores, correto? Do contrário, por que comprá-los, e por que recomendá-los?

Mas, se eles prometem sucesso, saúde mental, riqueza, ou seja lá o que for, por que toda essa massa de leitores não demonstram estar usufruindo dos benefícios que os livros prometem?

Temos então algo como um livro que promete a riqueza fácil, temos o leitor A que o compra, o lê, não fica rico, mas ainda assim recomenda o livro para o leitor B, que o compra, ainda que saiba que B não ficou rico lendo o livro, numa prova clara de sua ineficácia.

Como isso é possível?

Então, tentarei responder esta questão lembrando que a mente humana possui uma lógica que não é necessariamente racional.

Se a pessoa A tem uma doença e um médico lhe receita o medicamento X, e esta pessoa A se cura usando X, quando A encontra uma pessoa B que tem a mesma doença, ela recomenda o uso do medicamento X. Mas se o medicamento X não tivesse curado a pessoa A, ela jamais recomendaria o mesmo para a pessoa B. Se é assim, por que as pessoas recomendam coisas que funcionam e ao mesmo tempo, recomendam coisas que não funcionam?

Mas não são somente livros de autoajuda que não funcionam. Há um caso ainda mais interessante de produto que promete algo, mas não cumpre aquilo que promete, e ainda assim, é consumido desenfreadamente: são os jogos de azar.

Tomemos o caso de um jogo de loteria. Sorteia-se bolas, tem-se uma combinação de números e quem acertou esses números ganha uma fortuna. As probabilidades de se ganhar em uma loteria são infinitamente pequenas, mas as pessoas continuam jogando, porque o investimento é pequeno, as chances são pequenas, mas se vierem a ganhar, tudo será compensado. Assim, podemos inferir que livros de autoajuda são como jogos de loterias?

A resposta é: sim. Livros de autoajuda estão mais para jogos de loteria do que para remédios para doenças em geral.

Há uma explicação para a percepção humana de que jogos e livros de autoajuda são ganhos fáceis, e doenças são perdas inaceitáveis. Podemos correr o risco de não ficarmos ricos com loterias e autoajuda, porque já vivemos confortavelmente bem hoje, sem a ajuda deles. Apenas racionalizamos nossa tentativa de melhora dizendo a nós mesmos que não custa muito tentar melhorar nossa vida investindo uns trocados em algo que pode nos proporcionar retornos assombrosos. Afinal, temos pouco a perder e muito a ganhar, apesar de não estarmos tão ruins assim hoje. O risco é pequeno. Por que não tentar só um pouquinho? E se der certo?

Já um remédio é fundamental. Não se brinca com doenças. O risco é muito alto. Temos muito a perder. Temos, na verdade, tudo a perder. Ou investimos todos os nossos esforços e agimos eficiente e rapidamente para eliminar o risco, ou estamos em maus lençóis. Não vale a pena fazer experiências com nossa saúde, nossa segurança, nossas economias. Dentro de nosso estado de conforto, uma doença, um esporte arriscado, um carro sem um acessório de segurança, são coisas que podem nos levar a uma situação pior. São ameaças a nosso conforto. São fontes de aborrecimento que precisam de supressão imediata. Nosso conforto precisa ser mantido a todo custo. Não nos esforçamos muito para ficarmos ricos com base em um golpe de sorte ou um truque fácil, mas nos esforçamos muito para não descermos um degrau sequer na escada social, ou para não perdermos dinheiro, ou não termos nossa saúde abalada, ou para não termos nossa integridade física ameaçada.

Somos, enfim, seres que buscam a estabilidade.

Assim, milhões de pessoas compram livros de autoajuda, mas poucas ficam realmente ricas, espiritualmente bem, melhores em relacionamentos sociais, melhores comunicadores, melhores empregados, e assim por diante. Um livro de autoajuda é um bilhete de loteria. Apostamos alguma coisa lendo-os, mas o vemos apenas como um potencial caminho fácil, um atalho para um mundo melhor, e não o levamos muito a sério. Se as coisas forem fáceis, ótimo. Do contrário, não perdemos nada, ou quase nada. Afinal, o que são algumas dezenas de Reais e uma ou duas horas de leitura perdidas? Não é nada, se considerarmos que caso a coisa fosse fácil, poderíamos ter ficado ricos.

Mas, as estatísticas do  mercado editorial dizem mais. Caso queira saber mais sobre quando e porquê este tema estatístico entra na discussão, leia a postagem anterior, onde introduzo e explico o tema.

As estatísticas do mercado editorial afirmam que embora um livro possa ter números de vendas na casa dos milhões, para a comprovação da efetividade do mesmo para uma pessoa em particular que o lê isso pouco importa. Grosso modo, porque não pretendo agora me adentrar em números estatísticos e tabelas, podemos afirmar que um livro vendido não significa de modo algum um livro lido. E um livro lido não significa de modo algum um livro lido por inteiro. E ainda, mesmo um livro lido por inteiro não significa aprendizagem, estudo e aplicação eficaz daquilo que propõe o livro.

Milhões compram os livros de Dale Carnegie, apenas alguns milhares leem o livro do começo ao fim. Apenas algumas centenas o estudam sistematicamente. Apenas algumas dezenas de pessoas no mundo se dão ao trabalho de aplicar em suas vidas de maneira efetiva tudo aquilo que o autor sugere, sem permitir que se realize ações inócuas, ações contraditórias e ações prejudiciais.

Livros de autoajuda não são romances a serem lidos por deleite e prazer estético. Livros de autoajuda não são bilhetes de loteria que compramos e esperamos que o dinheiro jorre após a leitura de algumas páginas iniciais. Livros de autoajuda são como árduos, ásperos manuais de engenharia, destinados especificamente aos engenheiros, e que ensinam processos complexos, embora não exaustivamente comprovados. São como um manual que nos ensina a construir em casa um foguete que nos leve não à Lua, que já foi visitada, mas a Marte. Não adianta ler somente. É preciso mais, muito mais.

A resposta à pergunta, dita de maneira clara, sintética, pode ser expressa da seguinte maneira: os compradores dos livros de autoajuda não estão necessariamente ricos e felizes porque livros de autoajuda não foram escritos apenas para serem lidos descontraidamente. Eles foram escritos para serem aplicados na vida real, sem qualquer certificado de garantia de que teremos sucesso na aplicação de suas recomendações, porque não estamos lidando com coisas do mundo físico, tais como circuitos, metais, ligas, peças e parafusos, mas com modos de vida, hábitos, cérebro humano, finanças globais, relacionamento humano, química cerebral, história pessoal, interação social, aleatoriedade de eventos, subjetividade, incerteza, lapsos de conhecimento, imprecisão, enfim, estamos lidando com um mundo rodeado de caos.

Então, o problema está nos leitores?

Até prova em contrário, sim. 

Na verdade, o problema está justamente na falta de leitores. O problema está na falta de um método eficaz de leitura e estudo dessa categoria de livros.

O problema, em suma, está, ao menos em seu estágio inicial, em nossa incapacidade de saber lê-los. 

Não sabemos ler livros de autoajuda. Claro, os autores se esforçam para nos ensinar como usar seus livros, mas eles falham mesmo neste aspecto inicial, porque as pessoas não prestam atenção nem mesmo às recomendações elementares de seus autores.

Mas por que os leitores não conseguem ler corretamente livros de autoajuda? Eles não são escritos na mesma língua e na mesma linguagem da maioria dos livros normais que estamos acostumados a ler?

Sim, mas eles não são livros normais. Não se toma de um livro de um romancista qualquer esperando receber ordens para se fazer isto ou deixar de fazer aquilo. As pessoas não estão acostumadas a seguir instruções por meio de livros que parecem romances, mas não são. Para isto, é preciso uma nova forma de leitura, uma forma de leitura mais atenciosa, previamente pensada, um estado de espírito que precisa ser preparado antes de se começar a ler um livro desta categoria, para não se correr o risco de se ler e nada aprender.

A leitura de livros de autoajuda supõe uma leitura diferente. Um leitura que requer algo que podemos chamar de disciplina.

Anotemos esta palavra: disciplina.

Em torno dela teceremos maiores e mais profundas considerações nas próximas postagens.

Quando cheguei a este entendimento, em 2001, a respeito do porquê do fracasso dos livros de autoajuda, percebi que havia um componente envolvendo a disciplina.

Daí, não interrompi meu fluxo de dúvidas, e fiz uma nova pergunta, agora abordando esse novo aspecto da questão. Foi a minha trigésima sétima pergunta. 

Abordarei esta nova pergunta no próximo post. 

Se o assunto lhe interessa, continue lendo.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Autoajuda funciona?

A trigésima sexta pergunta que fiz dentre a série que abordo atualmente neste blog é uma pergunta cética que volta seu poder de fogo contra a literatura de autoajuda em geral.

Eu disse em meu post anterior o que são regras e manuais, que manuais são conjuntos de regras, que regras são fáceis de serem expressas, mas não necessariamente simples de serem seguidas, e que não há relação entre a expressão de regras e manuais e a dificuldade na execução dos mesmos.

Se livros de autoajuda são livros que contêm regras que pretensamente devemos seguir para alcançarmos os objetivos propostos pelo autor e que nos interessa alcançar, então eles são espécies de manuais, ou seja, coleções de regras. Se uma simples regra pode ser difícil de ser seguida, que garantia há de que seremos capazes de seguir dezenas, centenas delas, organizadas de forma tal que não temos sequer a mínima garantia de que não sejam inócuas, contraditórias entre si ou mesmo que os esforços em busca de atender algumas delas não anule os benefícios já alcançados com a observância de outras delas, em um processo de construção e destruição que não nos leva a lugar nenhum, embora nos encha de esperança e nos consuma tempo, esforço e dinheiro como qualquer outro projeto que realizamos em nossas vidas?

Esta visão cética fez-me registrar a seguinte pergunta:

"Por que os leitores de Dale Carnegie e Og Mandino não são milionários e felizes?"

Em outras palavras: autoajuda funciona?

A resposta a esta pergunta é muito difícil de ser dada. E a razão desta pergunta é o ceticismo em relação à capacidade destes manuais serem efetivos ou práticos para aqueles que os leem. 

Lendo os livros, nos deparamos com dezenas de casos de sucesso que os autores narram como exemplos de aplicação bem sucedida de certos princípios, ações ou estratégias. Esses exemplos objetivam nos convencer de que esses princípios funcionam, e podem vir a funcionar para nós, caso venhamos a aplicá-los.

Vamos considerar que nossas vidas sejam sistemas dinâmicos que buscam um estado de equilíbrio, mas que podem desestabilizar-se seja lá por que motivo for. Vamos considerar também que nossos corpos físicos sejam também sistemas dinâmicos que buscam um estado de equilíbrio, que podem desestabilizar-se seja lá por que motivo for. 

Quando nossos corpos físicos estão em desequilíbrio, percebemos este desequilíbrio fisicamente, seja em forma de dor, desconforto, má aparência ou por meio de qualquer outro indício. Em geral, chamamos esse desequilíbrio de doença. Para tratá-la, há toda uma indústria composta de profissionais, equipamentos, tecnologia, remédios e diagnósticos. Quando buscamos ajuda, somos monitorados, soluções nos são recomendadas e podemos aferir com bastante precisão nossa melhora, de forma que em determinado momento, somos considerados curados, na maioria dos casos menos graves. A medicina possui parâmetros bastante seguros para medir saúde e doença, e procedimentos efetivos são ministrados regularmente para diferentes tipos de problemas.

Quando nossa vida como um todo está em desequilíbrio, percebemos este desequilíbrio de formas diferentes. Por vezes, sequer percebemos que estamos em desequilíbrio. Nestes casos, vivemos como se tudo estivesse bem, e só percebemos que há um problema quando alguém aponta em nós este problema que precisa de atenção e solução. Assim, uma pessoa cuja vida é julgada normal por ela própria, depara-se um dia com um livro que lhe sugere que sua vida financeira, ou profissional, ou psicológica, ou sentimental, ou social, ou espiritual, pode não estar andando tão bem quanto ela imagina, e esta pessoa passa a questionar se tudo está mesmo bem ou não. Se julgar que não está bem, ela procura ajuda. Ajuda de quem? Não da medicina, e seus diagnósticos e procedimentos precisos. Em geral ela procura a ajuda daquele próprio sujeito que lhe apontou o problema. Ora, se alguém consegue perceber um problema em mim, ele pode também apontar uma possível solução. É o que fazem os livros de autoajuda. 

Há infinitas maneiras de se sugerir que algo não vai bem na vida de uma pessoa. Mas, por que fazê-lo? Qual a razão de se tomar como atividade profissional séria a tarefa ingrata de passar o tempo apontando defeitos nas vidas de outras pessoas? Se não se pode ajudá-las, qual o sentido em mostrar que não são perfeitas? Só uma mente malvada e sádica se contentaria em se empenhar no trabalho de apontar defeitos nas vidas de seus semelhantes. Não é este obviamente o intuito de autores de livros de autoajuda, nem de psicólogos, nem de gurus ou outros cuidadores de vidas e almas. Uma mente malvada obtém meramente um prazer psicológico no seu ato malvado. Este ganho, o mero prazer no sofrimento alheio, é algo que consideramos doentio e por fim, é esta mente malvada que é defeituosa, e não nossas vidas, ainda que estas sejam imperfeitas.

Não, autores de autoajuda não são mentes doentias. Eles genuinamente acreditam que o mundo é imperfeito, as pessoas têm problemas diversos, sofrem em decorrência desses problemas, mesmo sem saber que os têm, e como bons seres humanos, esses autores pesquisam meios de cura que podem diminuir o sofrimento do mundo, tal como um químico busca uma droga que possa curar uma doença que precisa de tratamento. Quando um autor de autoajuda aponta um defeito em nós, ele quer que deixemos de sofrer, e que tenhamos vidas mais ricas e felizes. E ele espera que seus conselhos e métodos sejam eficazes, e nos exorta a segui-los por meio de exemplos e estímulos que podem nos convencer a agir positivamente. 

Quando lemos livros de autoajuda, em geral nos empolgamos. Eles são manuais, mas não são como uma bula de remédio, ou uma receita médica, ou um manual de uma televisão de alta tecnologia. Eles são escritos de maneira tal que possamos lê-los de forma descontraída, por vezes divertida, em geral escritos de forma vibrante, empolgante, enérgica. 

Livros de autoajuda estão para a alma e a vida assim como caixas de comprimidos estão para a gripe e a pneumonia. São, no entanto, soluções diferentes, com embalagens diferentes, para problemas diferentes.

Não se toma de um livro e se lê um capítulo da mesma maneira que se toma de um copo d'água e se engole um comprimido, assim como não se detecta um erro de estratégia financeira pessoal da mesma maneira que se toma de um termômetro e se mede a existência ou não de uma febre.

No entanto, temos dados conflitantes sobre a indústria da saúde das vidas, enquanto temos dados bastante consistentes sobre a indústria da saúde física. Remédios químicos são testados, procedimentos médicos são avaliados, profissionais de saúde são treinados, doenças físicas são combatidas, algumas erradicadas, outras reduzidas em seus potenciais de letalidade, e medicamentos se consagram como eficazes no mercado farmacêutico. Já na saúde da vida, ainda imperam lemas de séculos a muito idos, regrinhas elementares de controle financeiro extraídos de contos de fada ou de fábulas milenares, e soluções místicas e pseudocientíficas grassam pela sociedade como grandes incêndios, passageiros, mas terríveis, e deixam rastros de destruição social que lembram graves epidemias, de onde muito pouco se pode tirar de útil e de proveitoso, e que são momentos lembrados cada vez mais tristemente à medida que as décadas avançam e os contemplamos com mais clareza e isenção.

A pergunta que fiz se deve a um fato que é óbvio, mas pouco observado. Há milhares de livros de autoajuda, e há vários deles que são verdadeiros best sellers. Alguns vendem milhões de exemplares, durante décadas. O que justifica esse sucesso editorial? O que sustenta essas vendas ao longo de tanto tempo?

Fosse um remédio qualquer lançado no mercado farmacêutico e se mostrasse pouco eficaz contra a doença a qual se propusera a curar, por que alguém haveria de promovê-lo ou divulgá-lo? Por que haveria alguém de recomendá-lo a um amigo, se não obtivesse benefício algum dele? Por que não há placebos sendo vendidos nas farmácias?

No entanto, somos livremente aptos a comprar soluções psicológicas em forma de livros de autoajuda sem que nada haja que nos alerte quanto à eficácia ou não daquilo que estamos comprando, a não ser uma possível tarja vermelha nas capas dos próprios livros nos lembrando de que milhares ou milhões de leitores já compraram antes o mesmo produto, a mesma solução, a mesma esperança. 

Estamos sendo enganados por um simples truque de marketing do mercado editorial?

Ora, não sabemos quantos leitores se beneficiaram das regras que os autores nos recomendam. Os exemplos de sucesso que temos em mãos são os mesmos que o autor elencou quando escreveu o livro, por vezes a dezenas de anos atrás, e que hoje talvez não façam sentido algum, ou não provem nada. Onde estão os métodos de aferição, que garantem a longevidade de um remédio em uma prateleira de um farmácia, que possam garantir a longevidade de um livro em uma prateleira de uma livraria?

A pergunta não é fácil de ser respondida.

Em 1996, em meu último ano de faculdade, escrevi uma monografia, exigida como parte de meu trabalho necessário para a conclusão de meu curso de Administração de Empresas. Como tenho especial paixão pelos livros e pelo conhecimento em geral, elaborei um pequeno estudo sobre marketing editorial. Havia outras razões para a escolha deste tema, mas não tratarei delas agora. De qualquer maneira, não era minha intenção na época tentar provar ou estudar qualquer coisa relacionada ao marketing ou à efetividade dos livros de autoajuda.

No entanto, tive acesso a dados estatísticos relacionados ao mundo editorial que me mostraram aspectos interessantes a respeito de leitores de livros em geral, que em 2001 viriam a ter papel importante quando da elaboração de minha pergunta cética a respeito dos livros de autoajuda.

O que os dados me mostravam em 1996, e que me despertou ceticismo em 2001, era que pessoas não lidam da mesma maneira quando falamos de livros e pílulas e comprimidos.

Claro, essa diferença de tratamento é óbvia sob muitos aspectos, e não seria preciso um estudo estatístico para provar o que qualquer pessoa pode ver: livros não são remédios.

Mas não é esta a questão que importa. Não é esta diferença óbvia que me interessa aqui.

O que me interessa aqui é: por que um remédio para gripe continuaria a ser bem vendido ano após ano, e apesar disto, seus consumidores continuariam a ter a gripe, como se a doença não pudesse ser curada, ou como se o remédio não surtisse efeito?

A verdade é que não sabemos  tanto quanto gostaríamos de saber sobre a relação entre consumo de remédios e cura de doenças no mundo real, assim como sabemos menos ainda a respeito de compra de livros de autoajuda e problemas pessoais que as pessoas enfrentam na condução de suas vidas.

Evidentemente, há pesquisas sobre remédios, mas não é esta a questão. Não sou especialista em hábitos de consumo e uso de medicamentos, e acredito que a indústria da saúde e a indústria farmacêutica, os maiores interessados no tema, possuem dados relevantes sobre os mesmos, mas o que me interessa são estudos semelhantes na área da literatura de autoajuda.

Será que temos informações seguras a respeito da efetividade dos livros de autoajuda, de psicologia, filosofia ou de qualquer outro ramo que vise nos ministrar soluções para problemas que não são físicos, mas são problemas tão sérios que por vezes precisam mais urgentemente de tratamento que a maioria das doenças físicas que tanta atenção recebe da indústria como um todo? Por que os problemas humanos que não são doenças físicas são tão mal compreendidos e tão pouco estudados? Por que se permite que mitos e enganos sociais se perpetuem no dia-a-dia da sociedade, como placebos, ou como emplastros, sangrias e outros métodos antiquados que provocam mais mal que bem sob o ponto de vista social?

Este post é sério, e portanto, longo. Encaminho o leitor para o post seguinte, se quiser acompanhar o desenrolar de meu raciocínio sobre o tema, e minha tentativa de responder a pergunta acima, porque preciso dizer mais sobre este assunto, e não pretendo fazê-lo neste único post.

Continuemos...

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Regras e manuais

Minha trigésima quinta pergunta da série que fiz em 2001 relaciona-se com a postagem anterior, que aborda as razões de regras e manuais não funcionarem.

A pergunta que fiz foi:

"Qual a diferença entre um manual e uma regra?"

Eu fiz a pergunta porque entendi que manuais e regras são palavras diferentes, mas, mais que isto, manuais e regras são coisas diferentes, embora se relacionem de alguma maneira.

A resposta que vejo como a correta é que um manual é um conjunto de regras, ou seja, regras são comandos simples, no sentido de que regras são comandos que são expressos por meio de um conjunto reduzido de palavras, de modo que podem resumir-se em frases ou sentenças simples. Já um manual é um complexo de regras, e em geral não são apresentados somente por meio de frases, mas de livros, com capítulos e partes que nos ajudam a organizar a complexidade daquilo que está sendo tratado.

Uma regra, ainda que simples do ponto de vista da maneira como é comunicada, não significa que seja simples de ser executada. Uma regra, ou um comando simples, tal como "dance!", se resume em uma simples palavra, mas dançar no mundo real em geral requer algum esforço, algum treinamento, e não se dança uma boa dança sem algum ensaio envolvendo passos em falso e erros desencontrados em geral.

Mas, não é deste tipo de comando que imagino quando trato de manuais e regras. O que tenho em mente são as regras de conduta de vida que aparecem em livros tais como os de autoajuda, psicologia, filosofia e administração, empreendedorismo em geral, que nos induz à ação prática, ação tal que pode teoricamente nos conduzir rumo a uma vida melhor e menos difícil.

Como exemplo, cito livros que nos recomendam cuidar da saúde, e nos dizem: "corra!".

Ora, sabemos que não é simples o ato de correr. É preciso um local adequado, roupas adequadas, tempo adequado e esforço físico tal que não há relação direta entre a simplicidade do comando e a complexidade da execução. Mandar é simples, e uma palavra é suficiente para expressar este comando. Já a execução demanda horas diárias de esforço, que deve ser repetido durante meses, anos seguidos com dedicação e perseverança.

Já um manual pode ser um complexo de comandos que tende a ser ainda mais difícil de ser seguido. Evidentemente, há manuais que não são tão complexos assim, tais como os manuais técnicos, como o que acompanha, por exemplo, um novo aparelho eletrônico, um controle remoto, um software. De imediato, a complexidade nos assusta, mas após algum tempo, executamos os comandos que aprendemos de maneira tão natural que mal percebemos o esforço despendido no processo de aprendizagem. Sentimos esse fenômeno quando dirigimos nossos carros no dia-a-dia. Dirigimos tão naturalmente que achamos engraçado quando vemos alguém com dificuldades nas suas primeiras aulas ao volante, e por vezes lembramos como nós mesmos estivemos em apuros em nossas primeiras aulas anos atrás, e então percebemos o quão poderoso é o processo de aprendizagem humana.

Mas, nossa vida não é tão simples de ser conduzida quanto um carro. Em geral, regras de vida que são simples de serem expressas podem se mostrar complexas ao serem executadas. Então, o que dizer, por exemplo, de um manual de orientação para toda uma vida?

Um manual de vida contém em geral comandos organizados dentro de uma ordem lógica para aquele que o edita, e um leitor encontrará comandos em série tais como "estude", "planeje seu futuro", "cuide de sua saúde", "faça uma rede de relacionamentos", "mantenha a sua saúde mental em dia", e assim por diante.

Não é fácil, temos que admitir.

Tanto não é fácil que a conclusão lógica a que somos forçados a chegar é a de que manuais de vida não funcionam. Regras até que podem ser seguidas a duras penas, mas os manuais são tão difíceis de serem seguidos que passam a ser vistos apenas como livros de leitura estimulante, mas impraticáveis, e portanto, desnecessários e descartáveis. Por que ler um livro árduo como qualquer um de Kant para no final se perceber que não há nada nele que possa ser usado de maneira prática que possa tornar-nos pessoas melhores e termos vidas menos difíceis e frustrantes? Podemos ler Kant por prazer, mas é só. Leríamos livros de orientação em geral mais como quem lê um romance ou um livro de história, cientes desde o primeiro minuto de que no final, ao fecharmos o livro depois de lermos a última página, teremos tido algumas horas de prazer estético, teremos aprendido coisas que não sabíamos, mas jamais esperaríamos nos tornar pessoas diferentes do que já éramos antes do início da leitura do livro.

Claro, somos seres maleáveis, mas raros são os livros que podem nos mudar pela sua simples força ou poder de convencimento, exceto se for escrito de tal forma que possa ser seguido sem muito esforço e dispêndio de tempo. Mas então, não estamos mudando nossas vidas assim de uma maneira tão séria e contundente que possa ser considerada importante. É como lermos quinhentas páginas de um livro sobre saúde para no fim chegarmos à conclusão de que não devemos esquecer de escovar os dentes todos os dias. Está certo, há um ganho nisto, mas este ganho por si só não faz nossas vidas serem radicalmente melhores do que a vida de alguém que escova os dentes sem o conhecimento que temos em função da leitura atenta que empreendemos do livro de saúde.

Isto significa que não devemos ler livros de autoajuda?

Essa posição é radical, mas o momento em que elaborei essa questão, e todas as outras mais que abordo aqui neste blog, era também um momento de radical importância, um momento para se colocar em dúvida toda e qualquer pré-concepção que eu pudesse ter sobre coisas que eu pensava e fazia, porque, afinal, minha vida não estava em um rumo certo, e era preciso questioná-la.

Daí, não me dei por satisfeito por ter questionado sobre a diferença entre regras e manuais, e fui adiante, fazendo a minha trigésima sexta pergunta, que é importantíssima, e da qual tratarei no meu próximo post desse singelo e discreto blog.

sábado, 9 de novembro de 2013

Por que os manuais e regras não funcionam?

A trigésima quarta questão da série à qual me dedico atualmente neste blog relaciona-se com regras e manuais.

Eu disse na última postagem que nem sempre uma regra de vida funciona da maneira que imaginamos, ou que aquele que as recomendou ou criou imagina que funcionem.

Em 2001, quando fiz uma série de questionamentos a respeito da vida, resolvi seguir um conselho simples recomendado pelo livro de Dale Carnegie, "Como evitar preocupações e começar a viver", em uma parte em que este cita Rudyard Kipling e um de seus poemas, que aborda seis perguntas, que podem nos ajudar a entender bastante sobre algo do qual queremos saber alguma coisa.

Resolvi colocar essas seis perguntas em ação, mas o método não me pareceu satisfatório.

Mais um método que não funciona. Ele é bacana, parece inteligente, mas não funciona.

Fiquei frustrado. Ora, como não ficar frustrado?

Mas a frustração era já uma sensação velha conhecida minha. Não sei se sou uma pessoa muito perfeccionista, ou muito ansiosa por ver as coisas acontecerem, mas o fato é que eu sempre fora muito crédulo, muito ingênuo com relação a regras. 

Nossa vida é sempre cheia delas. Começamos por obedecer nossos pais, depois nossos professores, depois nossos patrões, e depois os inúmeros gurus e mestres que surgem em diferentes momentos, seja por meio de livros, por meio de palestras e cursos, seja por meio de vídeos e apresentações, ou mesmo em revistas e jornais do dia-a-dia. Sempre tem alguém sugerindo algo para tudo.

Ensinam-nos a como dormir, como comer, o que comer ou não, como nos exercitar, como dirigir, que carro comprar, o que deveríamos ler para sermos mais espertos, o que devemos assistir na televisão, que filmes ver no cinema e quais deixar de lado, que roupas comprar e vestir, e como lavá-las e passá-las corretamente para durarem para sempre, e mais uma infinidade de outros conselhos, para tudo em nossa vida.

Não bastasse isso, temos leis que proíbem isto, permitem aquilo, e determinam exatamente como devemos nos conduzir ou comportar em diferentes aspectos de nossa vida.

Por fim, se não bastasse, há os conselheiros, psicólogos, coachs, treinadores, especialistas, psiquiatras, médicos da alma, pastores, padres, pregadores, doutrinadores, mestres, filósofos, pensadores, intelectuais e ideólogos que tentam cooptar nossas mentes.

Não vou falar dos marketeiros, os publicitários, os homens de negócios cujo único objetivo é nos convencer a comprar, a gastar nosso tempo e nosso dinheiro, e sermos fiéis a seus produtos, sejam esses um carro, um banco, um sabão em pó, um site, um aplicativo, um tablet, um sapato especial, um pacote de viagens ou uma cidade inteira.

Todos querem controlar todos.

Mas, se somos crédulos, e muitos o são, talvez devêssemos dar margem à oportunidade e permitir que aqueles que nos falam tenham seus espaços em nossas vidas. Está certo, eu concordo que é possível que minhas roupas estejam mesmo meio encardidas e que talvez a culpa seja dos sabões em pó baratos que ando comprando, e que talvez seja importante usar algo melhor. Está certo, o alho é bom para os nervos, e vou passar a colocar mais alho no arroz. E está igualmente certo o conselho de que as coisas só são difíceis porque não nos esforçamos muito, e que o sapinho surdo chegou mais alto que todos os outros sapos no concurso de subida de poste simplesmente porque era surdo e não deu ouvidos às vozes dos fracassados e medrosos. Vou, de ora em diante, fazer ouvidos de morto para aqueles que dizem que ficar rico é muito difícil, e vou me esforçar mais.

Só que as regras não funcionam. Elas simplesmente não funcionam.

Como, não funcionam?

Eu já tentei colocá-las em prática, todas?

Pois bem, minha trigésima terceira pergunta é a seguinte:

"Por que os manuais e regras não funcionam?"

Eu estou fazendo uma afirmação contundente aqui. Estou afirmando algo como se tivesse testado algo, como se tivesse comprado um produto qualquer em um supermercado e testado e chegado à conclusão de que não, não funciona como eu esperava que funcionasse.

Ora, há milhares de, retifico, milhões de pessoas trabalhando incansavelmente tentando convencer o resto da humanidade a fazer o que eles querem. Talvez não haja objetivo maior no planeta do que convencer outro ser humano a fazer o que queremos.

Há um aspecto interessante aqui, o da liberdade humana, e a percepção de que só há convencimento porque não se pode usar da força contra nossos semelhantes. Mas este aspecto ficará para depois, porque é um assunto complexo e perigoso.

Ficamos com o mero convencimento.

Não funcionam em que sentido? Como posso dizer de maneira tão generalizada que regras não funcionam? Como posso generalizar uma afirmação com base apenas na minha pequena experiência de usar as seis questões de Kipling, que não foi totalmente inútil, e daí admitir que as outras bilhões de regras não funcionam também?

É que somos pessoas crédulas. Esperamos que nossos professores nos ensinem fórmulas consagradamente eficientes, e não apenas meio eficientes, porque não gostamos de trabalho e frustração. Era assim que eu pensava quando ingressei em uma faculdade. Eu imaginava um corpo de professores e colegas de classe que fossem profundos, sérios, sábios e que os livros recomendados fossem fórmulas de sucesso financeiro seguras como as fórmulas químicas, e tão secretas, difíceis e inatingíveis quanto o segredo da Coca-Cola, e que só estariam à disposição daqueles que foram merecedores, os esforçados alunos que passaram no vestibular, e passaram nas disciplinas básicas ano após ano, e que agora estavam aptos a conhecer o segredo máximo, a fórmula da fortuna, como um conto de Harry Potter da vida real, o segredo para a fábrica de fazer dinheiro.

Ingenuidade, dirão. Verdade. Ingenuidade, minha e de muitos milhões de pobres estudantes que ano após ano se frustram com as falsas promessas dos sistemas educacionais. Falarei mais sobre isso no futuro, isso é certo.

Ora, a fórmula de Kipling falhou. Daí posso eu concluir que todas as demais fórmulas são falhas?

Observo que há, entre as bilhões de recomendações, muitas delas que são contraditórias entre si. Há o guru que diz que devemos comer nosso alho, e há o guru que nos recomendará a total abstinência do alho, que é a causa maior de nossos fracassos, e isso, essas contradições, precisam ser resolvidas em um momento qualquer do futuro neste blog também, mas não agora. Agora, admitimos que há regras contraditórias, as quais suponho sejam pouco conhecidas e não devidamente estudadas, mas é só. Continuemos com a questão da falibilidade das regras.

Não seria o caso de eu ter aplicado a regra de Kipling de maneira errada? Há um portão secreto que se abre com a palavra mágica, um Abre-te Sésamo, ou Abracadabra, mas que precisa ser dita de maneira perfeita. Diga a palavra errada, ou a palavra certa da maneira errada, e ficará para o lado de fora para sempre. A culpa não é do portão secreto. A culpa é de quem fala a palavra mágica.

Esse aspecto é sério.

Há uma escada bem construída que nos leva ao alto de um muro, mas o muro é o muro errado. Se estamos perdidos em um labirinto, uma escada é útil, mas de nada vale se não a colocarmos no muro certo. Kipling conhecia o muro certo? Ele nos deu uma escada, certo?

Fórmulas não funcionam de fato, ou elas funcionam, mas são de difícil aplicação? 

Ou, elas não são difíceis de serem aplicadas; apenas eu em particular é que não aprendi direito como usá-las e aplicá-las corretamente?

Leio a regras, mas não as entendo, ou leio as regras, entendo, mas não sei como aplicá-las?

O problema está nas regras ou em mim?

O problema em mim é de aprendizado ou aplicação?

É um problema de contexto? 

A regra em si é insuficiente e precisa de mais outras regras para fazer-se eficaz?

Essas dúvidas não foram respondidas ainda. Na época em que formulei a pergunta original, eu tinha uma noção de que o problema poderia ser tanto a regra quanto o meu entendimento e aplicação da mesma.

Eu tive noção também de que há regras simples, e há regras complexas. Há, nas regras, algo como há na culinária, com suas receitas, que são também regras, que é uma continuidade que parte do simples e vai para o complexo, de maneira que há como se aprender do simples fritar de um ovo ao mais complexo jantar que se serve a reis e presidentes em conclaves, cujos banquetes não são rivalizados com muita frequência. Ora, um banquete de reis não é como um fritar de ovos. Disso eu sabia em 2001.

Mas era só. Não respondi essa pergunta imediatamente, a do porquê de as regras falharem. Primeiro, era preciso dar atenção à complexidade das regras.

Daí que resolvi deixar a pergunta sem resposta e partir para uma nova pergunta, mais urgente e premente.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Quando as regras falham

A trigésima terceira pergunta da série a qual tenho abordado neste blog é uma continuação da anterior, e é uma tentativa de ser sistemático aplicando a sugestão de Kipling sobre o tema do questionar. Como, quando, por que, o que questionar, e assim por diante. Teoricamente, eu faria seis perguntas sobre um dado tema e teria as respostas que satisfariam minhas dúvidas e curiosidades. Era essa a ideia quando de meu questionamento em 2001.

A pergunta é simples:

"Onde questionar?"

Ela é simples, mas inócua. Fiz a pergunta mais como um exercício de disciplina na aplicação da sugestão de Kipling de que seis perguntas podem nos ensinar quase tudo aquilo que precisamos saber sobre algo do qual não sabemos quase nada.

Mas, decepcionei-me. Fizera já três perguntas, e elas pareceram interessantes, tanto que dei-me ao trabalho de respondê-las aqui, neste blog. Mas esta quarta pergunta, usando o "onde", fez romper minha credibilidade quanto à efetividade da sugestão de Kipling. Há perguntas coerentes, mas há perguntas que simplesmente não fazem muito sentido. Onde questionar? Ora, é relevante saber o local onde devo exercitar a prática de colocar meu cérebro para trabalhar em torno de perguntas e suas repostas, ainda mais quando o tema dos questionamentos é a própria insatisfação com a vida?

Alguém poderia dizer que sim, o local onde fisicamente nos encontramos para realizar esse exercício de questionamento é relevante e merece nossa atenção e cuidado. Eu responderia a esse ponto de vista observando que não procuro esse tipo de informação quando busco ajuda em livros, sejam eles de autoajuda ou não. Quando leio um livro, suponho que aquele que se aventurou a escrevê-lo julga ser possuidor de algum conhecimento, e quer compartilhar esse conhecimento com o mundo. Ainda mais, se o livro é publicado por uma editora reconhecida, é de se supor que mais gente acostumada com livros leu o trabalho desse autor e reconheceu a obra como realmente portadora de conhecimentos que merecem ser compartilhados com mais pessoas, e publicam o livro, disponibilizando-o para leitores em potencial. Um leitor, por sua vez, escolhe um livro na suposição de que há nele algum conhecimento que lhe possa ser útil, e que ele ainda não detém, e ao iniciar a leitura, supõe, e admite tacitamente, que o autor do livro sabe mais que ele sobre o assunto em questão. Do contrário, por que ler algo sobre o qual já se sabe tudo de antemão?

Pois bem, um livro de autoajuda pode versar sobre muitos aspectos de nossas vidas, mas há temas que não considero relevantes para minha vida. Como exemplo, cito livros que abordam assuntos que não são de forma alguma embasados em conhecimentos científicos, tais como misticismo, astrologia, filosofias alternativas, técnicas antigas e milenares adotadas por povos tradicionais oriundas de ancestrais e aperfeiçoadas pela experiência de gerações, como acupuntura, dentre outros. Outro desses temas que não creio ter muito a me oferecer do ponto de vista filosófico ou existencialista são as técnicas de arranjo de objetos, moradias e móveis, tal como o feng-shui. Não critico quem gosta do tema, embora ache que não há efetivamente nenhuma comprovação científica sobre o assunto, até onde eu conheça. Também não acredito nos supostos poderes de cristais, pirâmides, budas, cerimoniais de purificação e outros procedimentos cujo objetivo é fortalecer, limpar, purificar ou melhorar um determinado ambiente que ocupamos, como se a causa de nossos problemas e dificuldades na vida fossem exteriores a nós, e limitados apenas aos poucos metros de matéria que nos rodeia, e não por nossa própria personalidade, modo de pensar, cultura, ou por causas exteriores que vão além das paredes, tais como a cidade, o país, o governo, a ideologia e os hábitos sociais que adotamos, dependendo do país ou continente no qual nascemos e vivemos.

Assim, não acredito que o local onde eu faça meus questionamentos de vida sejam relevantes de forma alguma. Claro, eu acho que é melhor pensar na vida em um local calmo, em um horário adequado, longe do barulho e do trabalho, de preferência em um final de semana, sozinho ou com alguém bastante próximo e íntimo, de modo a compartilhar sem medo nossas dúvidas e temores, mas de forma alguma é esse tipo de sugestão que eu procuro quando passo a mão em um livro cujo objetivo é nos orientar rumo a uma vida melhor ou nos propor pontos de vista filosóficos que podem ter o poder de mudar os rumos de nossa existência. 

Assim, a sugestão de Kipling parece boa, mas não funciona sempre, porque ao me levar a fazer uma pergunta tola, cuja reposta é inócua ou igualmente tola, secundária ou irrelevante, faz com que eu me comporte como uma pessoa sem bom senso, que não é capaz de perceber o que é acessório e o que é fundamental em um processo de pensamento, e portanto a sugestão de Kipling não é uma ideia que possa ser adotada sistematicamente com resultados satisfatórios. 

Essa constatação parece óbvia agora, mas não o era em 2001, quando eu não dispunha do conhecimento de técnicas mais refinadas de se questionar. E, evidentemente, não foi a intenção de Kipling que suas perguntas fossem adotadas por quem quer que fosse como um método de questionamento. O que a falha no método me revelou foi que o autor que selecionou o poema de Kipling não deveria ter dado ênfase a este método simplista, exceto se tivesse explicitamente nos orientado a não o levar muito a sério, por não ser um mero poema capaz de comportar a sistematização de um procedimento mental complexo tal como aquele que eu supostamente buscava nas seis perguntas de Kipling. Mas, o autor, Dale Carnegie, não fez essa observação. Ele simplesmente nos recomendou perseverança, disciplina, leitura atenta, e eu fui em frente, tão crédulo quando uma criança, e gostei do poema, e das seis perguntas, e as coloquei em prática, para no final perceber que elas simplesmente não funcionam como eu esperava que funcionassem.

Qual a resposta à pergunta "onde questionar"?

A resposta é que a mera tentativa de responder essa pergunta tola é uma tolice, e que algo está errado com os livros de autoajuda, porque eles podem ser sinceros em seus intentos, mas nem por isso são perfeitos.

Essa constatação, a de que livros podem ser imperfeitos, me levou a meu questionamento seguinte, que considero importante, e que merece uma atenção especial.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Como questionar?

A trigésima segunda pergunta da série que abordo atualmente neste blog está relacionada com a pergunta anterior, e reflete minha tentativa de usar as perguntas de Kipling para melhor entender o ato de questionar.

A pergunta é simples e direta:

"Como questionar? (com papel e lápis)"

Bem, de certa forma a resposta já está dada. Ou melhor, já estava dada no momento mesmo em que foi formulada a pergunta. E o fato de uma pergunta já nascer praticamente respondida tem a ver com o fato de que há uma lição prévia que foi assimilada ao longo de minhas leituras prévias, e que merece alguma explicação.

No livro "A universidade do sucesso", de Og Mandino, há um texto de Michael LeBouf que aborda o tema da organização pessoal. É um texto prático com uma série de dicas sobre como manter algum grau de organização e ordem para aqueles que buscam atingir algum sucesso na vida, numa clara advertência de Mandino, que selecionou o texto de LeBouf para compor seu próprio livro, de que não há espaço no mundo do sucesso para pessoas desorganizadas e mentalmente caóticas. Até onde isto é verdade eu não sei, e talvez seja o caso de se verificar no mundo real algo absolutamente oposto, mas isto não importa agora. O que importa é que LeBouf nos orienta a sempre pensar com um lápis na mão, isto é, ele recomenda que anotemos as coisas que temos de importante na cabeça quando estamos nos organizando, porque temos a tendência muito humana de rapidamente nos esquecermos daquilo que em um momento nos parece extremamente urgente, mas que ainda assim é deixado de lado diante de uma demanda qualquer que toma conta de nossa atenção e nos faz esquecer o que de fato não deveria e nem poderia ser esquecido, e que no entanto, o é.

Ora, a mente humana é volátil, e admitir esta debilidade tão óbvia é um ato de poder e não de fraqueza. É um ato de poder porque ao admiti-la, somos forçados a tomar alguma providência para superá-la, e esta debilidade pode ser superada sem muito custo e trabalho. Basta que adotemos este simples ato: o de anotar nossas ideias.

Ora, se estamos em um dado momento de nossa vida em que nos damos ao trabalho, nos damos a permissão de questionarmos nossas vidas ou certos aspectos delas, por que simplesmente pensar, e depois esquecer-se daquilo que foi pensado, por pura preguiça de anotar o que se pensou?

Já sabemos porquê e quando nos questionar, mas é importante que questionemos com uma certa racionalidade. Qual o problema, ou a dificuldade, em se questionar a vida com uma caneta e papel em mãos, para anotarmos por meio de palavras, gráficos, símbolos ou desenhos aquilo sobre o qual estamos elaborando nossos pensamentos?

Parece uma bobagem, mas não é.

Tomemos essa série de perguntas que tenho tentado responder. Eu gosto dessas perguntas, acho-as relevantes, e não somente tenho despendido algum tempo tentando respondê-las como tenho publicado as minhas tentativas de respostas neste blog, porque acredito que o ato de colocar pensamentos em forma de palavras ajuda-me a melhor raciocinar sobre aquilo que é matéria de minhas dúvidas. Mas, observem, essas dúvidas são antigas, de 2001, e estamos em 2013. Ora, responder essas perguntas só está sendo possível porque as anotei em minha agenda no momento em que elas foram surgindo em minha mente. Eu poderia ter tido todas essas dúvidas e muitas outras mais, e poderia tê-las respondido no mesmo momento, mas muito provavelmente eu teria esquecido tanto as perguntas quando as respostas, não importando o quão importantes fossem, porque simplesmente nossas mentes são voláteis e mais cedo ou mais tarde acabaremos nos esquecendo de coisas que precisamos manter em mente por seja lá que motivo for. 

Vejam, o papel é uma extensão de nossas mentes.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Por que e quando questionar?

A trigésima primeira questão da série que analiso neste blog relaciona-se com o momento e a razão para se questionar.

Questionar o quê?

Caso o leitor se dê ao trabalho de dar uma olhada nas postagens anteriores, verá que tenho tratado de uma série de perguntas sobre a insatisfação com a vida em geral. Então, a trigésima primeira questão, esta que abordo agora, relaciona-se com o momento e a razão para se questionar a vida, a minha vida, ou qualquer outra vida. Eu reconheço aqui a insatisfação com a vida como uma das causas importantes para alguém começar a questioná-la.

O que sei sobre o ato de questionar?

No momento em que elaborei essas perguntas todas, em 2001, eu não sabia sequer por onde começar a questionar sobre o próprio ato de questionar. Era correto, ou sensato, ou produtivo sair disparando uma rajada de dúvidas para as quais eu não tinha respostas? Não seria melhor ser sistemático e racional ao questionar a vida? Como questionar? Eu não sabia a resposta de como questionar a vida.

Pensei em fazer as seis perguntas de Kipling para o ato de questionar. Quando, onde, como, quem, por quê e o quê. Esse conjunto de perguntas (ah! Como eu era ingênuo!) parecia-me sofisticado e abrangente o suficiente para solver qualquer tipo de questão que pudesse surgir em minha mente sobre qualquer assunto que fosse. E então, tratei de usá-las sobre o tema "questionar". Quando questionar, onde questionar, como questionar, quem questionar, porque questionar e o quê questionar.

Comecei com duas delas. Minha pergunta, tal qual a registrei em minha Agenda 99, foi a seguinte:

"Por que e quando questionar?"

Agora, passados tantos anos da elaboração desta pergunta, tento respondê-la. Na verdade, são duas perguntas em uma única frase. Tentarei responder, então, por partes.

Por que questionar?

Questionamos por uma série de motivos. Em geral por mera curiosidade, mas também muitas vezes questionamos algo diante de um caso de erro, fracasso, falha, quebra de expectativa ou diante da frustração por um evento qualquer que não se realizou como desejávamos ou após sentirmos insatisfação por algo que estamos vivendo.

Eu questionava em 2001 por uma série de motivos, os quais não cabe relatar agora, mas é certo que um amplo e profundo questionamento de vida não deve ser empreendido diante de qualquer curiosidade, qualquer frustração ou diante de um fracasso menor. A vida é complexa e precisa ter alguma estabilidade. Não se pode mudar de vida a cada questionamento fruto de um problema menor.

Por outro lado, uma fase de nossas vidas pode se mostrar frustrante não por um, mas por uma cadeia sucessiva de pequenos problemas. Às vezes, pequenos problemas e frustrações podem se comportar como gotas d'água em um balde, e um dia esse balde enche e extravasa. Creio ter sido este o meu caso.

A vida é algo difícil de ser controlado. É preciso alguma maturidade para se entender que não temos controle sobre tudo o que ocorre ao nosso redor, sobre como conduzimos nosso dia-a-dia e sobre se realizaremos aquilo que planejamos realizar ao longo dos anos. As coisas mudam e nem sempre saem da maneira que desejamos. Viver é frustrar-se regularmente. Lidar com a frustração de maneira produtiva é algo que é fruto da maturidade também. Não controlamos completamente nossas vidas e precisamos lidar com frustrações de maneira produtiva. Afora isso, devemos seguir adiante, embora seja sensato vez ou outra dar uma parada para vislumbrar o horizonte e sentir para que lado o vento sopra. Nesta hora, podemos fazer perguntas tais como aquelas que, quando respondidas, nos informam se estamos no rumo certo ou não, ou se ainda queremos aquilo que queríamos a algum tempo atrás. Por que questionar? Porque podemos estar indo para o lado errado, ou podemos estar andando para um destino que não nos interessa mais.

Quando questionar?

Creio que sempre que o balde estiver para extravasar, mas antes que extravase. E sempre que sentirmos que o cansaço da vida parece ser um cansaço inútil, e que o nosso caminhar não está nos levando para onde queremos ir, ou que não queremos ir mais para este ou aquele rumo. Então, esta é a hora de parar, diminuir o ritmo e repensar nossos desejos e planos e afirmá-los, confirmá-los, descartá-los, substituí-los por outros planos e sonhos ou ainda reajustá-los ao novo momento em que vivemos. Não podemos ser escravos de decisões passadas que não significam mais as mesmas coisas que chegaram a significar um dia.

Mas essas perguntas e essas respostas não esgotam as possibilidades de se questionar que Kipling nos sugere.

Assim, continuei fazendo perguntas sobre o questionar. Seis W poderiam me ensinar aquilo que eu não sabia?

Era o que eu queria saber também.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Insatisfação

A trigésima pergunta da série que ando analisando refere-se à insatisfação e a dúvidas. Depois de ter feito perguntas sobre uma série de temas, tais como autoajuda e Filosofia, e tendo chegado à necessidade de se usar algum método para melhor questionar, agora minha dúvida relaciona-se com o tempo e o estado de espírito adequado ou não para se iniciar uma série de questionamentos tal como a que eu venho discutindo aqui, neste blog.

Em geral, podemos fazer questionamentos sobre o que quer que seja em qualquer momento de nossa vida, estejamos com quaisquer estados de espíritos estejamos no momento em que fizermos estes questionamentos. Evidentemente, não somos obrigados a questionar nada, nem devemos sentir obrigatoriamente algum desejo de questionar. Podemos passar a vida sem a necessidade e sem o desejo de questionar o que quer que seja, e nem por isso teríamos vivido pior do que se tivéssemos questionado. E podemos passar a vida a questionar tudo, e fazer de nossa vida um inferno de dúvidas e incertezas. 

Assim, fiz a seguinte pergunta:

"A insatisfação é um bom começo para um questionamento?".

A pergunta é simples e direta. 

Ela inicialmente revela um fato óbvio: no momento em que fiz esses questionamentos, em um determinado período do ano de 2001, eu andava insatisfeito com minha vida, ou parte, ou aspectos de minha vida. A insatisfação era para mim um estado indesejável, do qual eu tinha que sair. Agora, estando eu insatisfeito, era adequado sair fazendo perguntas para as quais eu não tinha respostas? Seria correto sair desferindo uma rajada de dúvidas em um momento em que eu já não estava sereno e imparcial o suficiente para avaliar a adequabilidade de meus questionamentos? Não seria melhor ir seguindo com a vida e sair daquele estado de insatisfação para então somente depois de estar em algum momento melhor, questionar o que tivesse de ser questionado, mas sem o amargor, sem a agressividade, sem a acidez com que questionava naquele momento em particular?

Sim, talvez fosse possível, e talvez seja quase certo que uma pessoa em um estado sereno de ânimo possa fazer melhores questionamentos do que uma pessoa perturbada por o quê quer que seja que lhe abale a serenidade tão necessária para se questionar.

Mas, pessoas serenas, vivendo em períodos de suas vidas tranquilos e sem sobressaltos, sentiriam a necessidade ou o desejo ou mesmo o dever de questionar o quê quer que seja? Por que deveriam questionar? E mesmo que questionassem, seriam capazes de elaborar dúvidas realmente pertinentes? Em quê a dúvida de uma pessoa serena e em paz difere da dúvida de alguém insatisfeito e em um estado de espírito conturbado?

Não sei dizer as respostas para essas novas questões. Elas são novas no sentido de que não as fiz em 2001, embora estejam subentendidas na pergunta principal acima. Talvez possamos respondê-las mais adiante, em outros posts desse blog, mas agora talvez seja possível tentar dar uma resposta razoável à questão principal, que é o que nos interessa mais.

A insatisfação, ou uma pessoa que se encontre em um estado de espírito perturbado por algum tipo de insatisfação, encontra-se perfeitamente apta a questionar, tal qual uma outra pessoa que goze de perfeita satisfação de espírito. Apenas as questões que emergirão de ambas é que serão naturalmente diferentes, fato este que não invalida o questionamento daquele que está com o espírito perturbado pela insatisfação, nem faz com que este questionamento seja pior ou melhor do que aquele decorrente da pessoa de espírito apaziguado. 

Na verdade, a insatisfação é uma das mais legítimas fontes de questionamentos, e não fosse a insatisfação, quase nada seria questionado. A insatisfação é aquela coceira que nos obriga a parar a marcha e olhar para o ponto que comicha e dar atenção a um possível problema. Não fosse a insatisfação, seguiríamos com a vida serena indefinidamente.

Mas, viver é sujeitar-se a comichões. Poucas pessoas podem dizer abertamente que viveram vidas serenas. Certo, podem ter vivido até agora, até hoje, mas não há garantias futuras contra nada, e mais dia, menos dia, a mais serena das vidas pode ser abalada por uma pedra em seu caminho. Para quem nunca pisou em pedras, a coisa óbvia a se fazer quando se depara com uma delas é parar e se questionar: o que é isso? Por que isso? Por que isso logo comigo? Como me livrar disso? Como evitar mais disso? E assim por diante. Viver é tentar viver serenamente, sem garantias, é obvio, mas sempre buscando a estrada menos emburacada.

Não, a insatisfação não se apresenta como um problema para se questionar. Ela em geral é a razão para se questionar. Ela é o motor da dúvida. E não fosse a insatisfação, ainda estaríamos no Paraíso.

sábado, 2 de novembro de 2013

Filosofando cientificamente

A vigésima nona pergunta da série que fiz em 2001 é talvez a mais importante de todas. Depois de ter feito uma série de questionamentos em torno de como questionar as supostas verdades propostas por escritores e pensadores em geral, por diversas vezes eu estive próximo de concluir que a ferramenta que eu precisava para satisfazer as minhas dúvidas era o conhecimento da Lógica. No entanto, não cheguei até esta conclusão por meus próprios esforços intelectuais naquele momento, embora tenha chegado à Lógica posteriormente por outros caminhos.

O que importa é que minhas dúvidas anteriores se consolidaram nesta vigésima nona pergunta, a qual transcrevo aqui:

"É possível responder questões filosóficas usando métodos científicos?"

Esta pergunta é importante porque ela demonstra a minha percepção de que somente um corpo coordenado de conhecimentos, métodos e técnicas de raciocínio, tal como é a Ciência, poderia dar conta da complexidade de meus questionamentos.

Fazer as seis perguntas de Kipling não eram suficientes. Era preciso uma abordagem completa, mecânica, irrefutável. 

O método científico é uma coisa fascinante. Sei disso hoje, mas não o sabia na época em que fiz esse questionamento. 

Em 2001 eu já havia me formado em Administração de Empresas a cinco anos. Embora eu não exercesse a profissão propriamente dita, eu usava muito do conhecimento que havia adquirido ao longo dos anos de faculdade no meu dia-a-dia. Eu exercia um atividade profissional relativamente complexa, e achava que um curso superior não representava tanto assim uma mudança de paradigma em minha vida. E, embora o curso de Administração encarasse a administração de empresas como um ciência social, e eu tivesse um rudimento de conhecimento a respeito do que fosse o método científico, eu de fato não sabia nada sobre Ciência, percebo agora.

Evidentemente que tive aulas sobre metodologia científica. Tive mesmo? Olhando cuidadosamente meus diplomas de segundo grau e de nível superior, observo que não, em nenhum momento eu tive aulas de metodologia científica, aulas essas que serviriam para me dar os rudimentos do método científico, tal qual o entendo agora. Mas, pela tradição universitária brasileira, sei de outros cursos que tiveram em seus currículos o curso de metodologia científica e posso afirmar sem medo que se eu tivesse tido aulas desta matéria, eu teria aprendido algumas noções de mecanografia, padronização de textos e composição de redação técnica, ou seja, eu teria aprendido algumas regras da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) sobre como formatar um texto que teria de fazer no término de meu curso, isto é, seria ensinado a formatar minha monografia, e nada mais além disso.

Eu não teria acesso ao conhecimento da Lógica nem do raciocínio científico, que é o que realmente importa.

Por isso eu não conseguia fazer a ligação entre dúvida e resposta sistêmicas. Eu tinha dúvidas, mas não sabia se estava duvidando da maneira correta. Sim, porque eu poderia estar duvidando da maneira errada, e poderia passar a vida toda sem jamais fazer as perguntas certas que poderiam me levar às respostas certas e dessas ir em direção ao caminho que julgasse o certo. Eu poderia fazer mil perguntas assistemáticas e irrelevantes para um determinado contexto em questão. E essa ingenuidade em questionar o mundo me parecia um problema pessoal que precisava ser vencido. Eu não poderia admitir que o mundo fosse formado por pessoas mais inteligentes e pessoas menos inteligentes, e que somente as pessoas inteligentes fossem dotadas da capacidade de entender um contexto qualquer de maneira intuitiva e serem capazes de fazerem perguntas corretas e procurar as respostas de maneira correta. Afinal, eu pensava, o que no mundo não pode ser ensinado e aprendido?

Eu não posso ensinar alguém que é baixo a ser alto, nem ensinar uma pessoa alta a ser baixa. Quer dizer, há certos traços físicos hereditários com os quais não podemos lidar, mas a habilidade intelectual de se fazer perguntas e elaborar respostas era uma coisa que poderia ser aprendida e ensinada. Aliás, essas coisas deveriam ser obrigatoriamente ensinadas, porque era de meu conhecimento o fato de que as pessoas não nascem prontas, com conhecimentos de métodos intelectuais pré-instalados em seus cérebros em decorrência de seus pais serem pessoas capacitadas, estudadas ou inteligentes. Este fato era de meu conhecimento por uma mera questão do acaso, e este acaso merece um post à parte, em um momento futuro. Assim, eu sabia que eu poderia, de alguma forma, aprender a fazer as perguntas certas e a pelo menos tentar obter as respostas certas. Pelo menos disso eu sabia.

Eu chegara a gostar de Ciência um dia, a muito tempo atrás, antes que a rudeza do mundo me engolisse. Este também é um capítulo de minha vida que merece um post futuro à parte. De qualquer forma, essa fase, a da curiosidade científica, ficara a muito para trás em 2001, e eu não imaginava que um dia viesse a ter de retomá-la por uma questão de necessidade intelectual, uma necessidade que a própria rudeza de vida, que me apartara da ciência um dia, viesse a exigi-la novamente, e agora de maneira prática e premente.

A resposta para a pergunta é que há uma confusão em minha mente entre Filosofia e Ciência, uma confusão que não é só minha, e nem é uma questão satisfatoriamente resolvida mesmo entre os familiarizados com a questão.

De qualquer forma, embora sem saber exatamente quais os campos exclusivos de Filosofia e Ciência, quais as diferenças entre esses campos e quais seus respectivos métodos e técnicas, o que a pergunta faz realçar é o fato de que minhas dúvidas, sendo assumidas como filosóficas, quer fossem, quer não, de fato, significava a assunção de que tais dúvidas não eram mais simples dúvidas de um curioso, mas a dúvida tendente ao questionamento sistemático, ao questionamento cético, à desconfiança de fórmulas simplistas e fáceis, à desconfiança diante dos contos de vigário, das soluções miraculosas, secretas ou místicas, e mesmo tendente à desconfiança de que o mundo pudesse ter respostas aos meus questionamentos existenciais.

Soluções miraculosas, ou místicas, eram um campo sobre o qual eu tinha algum domínio. Também aqui um post à parte merece ser escrito no futuro, para registrar que meu ceticismo era rebelde em diferentes áreas, e direcionado contra diferentes supostas verdades, e que onde quer que minha curiosidade mirasse seu farol, e fixasse um alvo, este alvo seria esmiuçado e testado de tal maneira que ou eu teria minha curiosidade satisfeita ou não cessaria de estudá-lo, e estudá-lo, até dissecá-lo por inteiro.

Mas, naquele momento, em 2001, eu não sabia quase nada sobre Filosofia e Ciência, e com a pergunta, aos poucos eu apontava meu farol curioso para um alvo que não era pequeno, nem simples, nem facilmente dissecável. Com essa pergunta, eu sabia que meus anos longe do saber científico estavam contados.

Agora, de alguma forma, eu mirava minha ira contra minha suposta formação intelectual formal. Diante de minha ignorância sobre uma serie de assuntos que eu julgava devesse conhecer, eu ingenuamente atribui a culpa ao sistema, que não cumpriu com seu papel orientador. 

Falarei mais sobre minha frustração contra o sistema futuramente também. Daí a importância da pergunta que é razão deste tópico. Ela me colocou diante de imensas portas fechadas, que escondiam atrás de si as verdades que eu procurava. Eu esperava que o sistema me apresentasse às mesmas já abertas. Pois bem. Isso não era verdade. 

Eu estava frustrado. Eu estava frustrado e confuso, e eu continuava ainda com muitas dúvidas. E eu precisava seguir em frente com elas. Eu precisava também das respostas, quer dizer, eu precisava abrir aquelas imensas e pesadas portas, mas não agora. 

Agora, eu  precisava continuar perguntando.

E perguntei.