terça-feira, 12 de novembro de 2013

Regras e manuais

Minha trigésima quinta pergunta da série que fiz em 2001 relaciona-se com a postagem anterior, que aborda as razões de regras e manuais não funcionarem.

A pergunta que fiz foi:

"Qual a diferença entre um manual e uma regra?"

Eu fiz a pergunta porque entendi que manuais e regras são palavras diferentes, mas, mais que isto, manuais e regras são coisas diferentes, embora se relacionem de alguma maneira.

A resposta que vejo como a correta é que um manual é um conjunto de regras, ou seja, regras são comandos simples, no sentido de que regras são comandos que são expressos por meio de um conjunto reduzido de palavras, de modo que podem resumir-se em frases ou sentenças simples. Já um manual é um complexo de regras, e em geral não são apresentados somente por meio de frases, mas de livros, com capítulos e partes que nos ajudam a organizar a complexidade daquilo que está sendo tratado.

Uma regra, ainda que simples do ponto de vista da maneira como é comunicada, não significa que seja simples de ser executada. Uma regra, ou um comando simples, tal como "dance!", se resume em uma simples palavra, mas dançar no mundo real em geral requer algum esforço, algum treinamento, e não se dança uma boa dança sem algum ensaio envolvendo passos em falso e erros desencontrados em geral.

Mas, não é deste tipo de comando que imagino quando trato de manuais e regras. O que tenho em mente são as regras de conduta de vida que aparecem em livros tais como os de autoajuda, psicologia, filosofia e administração, empreendedorismo em geral, que nos induz à ação prática, ação tal que pode teoricamente nos conduzir rumo a uma vida melhor e menos difícil.

Como exemplo, cito livros que nos recomendam cuidar da saúde, e nos dizem: "corra!".

Ora, sabemos que não é simples o ato de correr. É preciso um local adequado, roupas adequadas, tempo adequado e esforço físico tal que não há relação direta entre a simplicidade do comando e a complexidade da execução. Mandar é simples, e uma palavra é suficiente para expressar este comando. Já a execução demanda horas diárias de esforço, que deve ser repetido durante meses, anos seguidos com dedicação e perseverança.

Já um manual pode ser um complexo de comandos que tende a ser ainda mais difícil de ser seguido. Evidentemente, há manuais que não são tão complexos assim, tais como os manuais técnicos, como o que acompanha, por exemplo, um novo aparelho eletrônico, um controle remoto, um software. De imediato, a complexidade nos assusta, mas após algum tempo, executamos os comandos que aprendemos de maneira tão natural que mal percebemos o esforço despendido no processo de aprendizagem. Sentimos esse fenômeno quando dirigimos nossos carros no dia-a-dia. Dirigimos tão naturalmente que achamos engraçado quando vemos alguém com dificuldades nas suas primeiras aulas ao volante, e por vezes lembramos como nós mesmos estivemos em apuros em nossas primeiras aulas anos atrás, e então percebemos o quão poderoso é o processo de aprendizagem humana.

Mas, nossa vida não é tão simples de ser conduzida quanto um carro. Em geral, regras de vida que são simples de serem expressas podem se mostrar complexas ao serem executadas. Então, o que dizer, por exemplo, de um manual de orientação para toda uma vida?

Um manual de vida contém em geral comandos organizados dentro de uma ordem lógica para aquele que o edita, e um leitor encontrará comandos em série tais como "estude", "planeje seu futuro", "cuide de sua saúde", "faça uma rede de relacionamentos", "mantenha a sua saúde mental em dia", e assim por diante.

Não é fácil, temos que admitir.

Tanto não é fácil que a conclusão lógica a que somos forçados a chegar é a de que manuais de vida não funcionam. Regras até que podem ser seguidas a duras penas, mas os manuais são tão difíceis de serem seguidos que passam a ser vistos apenas como livros de leitura estimulante, mas impraticáveis, e portanto, desnecessários e descartáveis. Por que ler um livro árduo como qualquer um de Kant para no final se perceber que não há nada nele que possa ser usado de maneira prática que possa tornar-nos pessoas melhores e termos vidas menos difíceis e frustrantes? Podemos ler Kant por prazer, mas é só. Leríamos livros de orientação em geral mais como quem lê um romance ou um livro de história, cientes desde o primeiro minuto de que no final, ao fecharmos o livro depois de lermos a última página, teremos tido algumas horas de prazer estético, teremos aprendido coisas que não sabíamos, mas jamais esperaríamos nos tornar pessoas diferentes do que já éramos antes do início da leitura do livro.

Claro, somos seres maleáveis, mas raros são os livros que podem nos mudar pela sua simples força ou poder de convencimento, exceto se for escrito de tal forma que possa ser seguido sem muito esforço e dispêndio de tempo. Mas então, não estamos mudando nossas vidas assim de uma maneira tão séria e contundente que possa ser considerada importante. É como lermos quinhentas páginas de um livro sobre saúde para no fim chegarmos à conclusão de que não devemos esquecer de escovar os dentes todos os dias. Está certo, há um ganho nisto, mas este ganho por si só não faz nossas vidas serem radicalmente melhores do que a vida de alguém que escova os dentes sem o conhecimento que temos em função da leitura atenta que empreendemos do livro de saúde.

Isto significa que não devemos ler livros de autoajuda?

Essa posição é radical, mas o momento em que elaborei essa questão, e todas as outras mais que abordo aqui neste blog, era também um momento de radical importância, um momento para se colocar em dúvida toda e qualquer pré-concepção que eu pudesse ter sobre coisas que eu pensava e fazia, porque, afinal, minha vida não estava em um rumo certo, e era preciso questioná-la.

Daí, não me dei por satisfeito por ter questionado sobre a diferença entre regras e manuais, e fui adiante, fazendo a minha trigésima sexta pergunta, que é importantíssima, e da qual tratarei no meu próximo post desse singelo e discreto blog.

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