sábado, 4 de dezembro de 2010

A Firma

Eu sou uma pessoa que gosta de dinheiro. Deixe-me explicar.

Não é que eu não goste de ter o dinheiro em si, aquele que temos na carteira e na nossa conta corrente, e que ganhamos com muito suor. Eu gosto deste tipo de dinheiro também, e muito.

Mas quando falo que gosto de dinheiro, é no sentido de gostar de estudar como a riqueza em geral é criada, armazenada, acumulada, transferida, perdida e destruída. Gosto de dinheiro do ponto de vista econômico. Afinal, embora não seja exatamente um economista, sou formado em Administração de Empresas, e as duas áreas estão intimamente ligadas. Na verdade, eu bem que poderia ter feito Economia, mas o destino não permitiu que as coisas corressem em sua normalidade. Quis ser economista, mas acabei mudando de ideia e fui estudar Administração.

Mas a Economia é uma ciência mais teórica que prática, e administrar empresas é uma forma de fazer a teoria econômica entrar em ação.

Quando entendi que dinheiro tem a ver com economia e empresas, foi como se eu tivesse descoberto a roda. Curiosamente, não foi uma coisa rápida nem precoce. Eu já estava vivendo uma vida de jovem adulto, trabalhando e me sustentando, embora que sem um rumo certo em mãos para tocar o resto de minha vida.

Então, desde que escolhi ser administrador de empresas, elas, as empresas, têm me fascinado.

Mas, estudar empresas é uma coisa. Administrá-las de fato é outra, bem mais complexa.

Eu arrisquei abrir "A Firma". Como muitos milhões de pessoas fazem no mundo inteiro o tempo todo, eu arrisquei juntar meus conhecimentos e a sorte e tentei ganhar dinheiro, muito dinheiro. Nada mais louvável nesse nosso mundo capitalista e competitivo.

Mas não deu certo. Faltou sorte, faltou conhecimento, faltou maturidade e sobraram problemas, de todos os tipos.

O resultado foi não um fracasso, mas um aborto.

Vejam: um aborto é um tipo de fracasso, mas neste caso, sequer podemos falar em uma "Firma" em seu sentido real. Nunca houve firma alguma. Simplesmente existiu um nome e um registro público, uma formalidade. É como se uma criança tivesse sua certidão de nascimento registrada antes de nascer, mas ainda em útero. Simplesmente nada ocorreu no mundo real. Somente no mundo jurídico, dos papéis e dos documentos.

Mudei de ideia, mudei de planos, abandonei a firma de papel e segui com minha vida por outros caminhos. Mas, a firma de papel continuava lá, registrada, como um esqueleto, uma radiografia de um esqueleto, uma mera imagem daquilo que poderia ter sido uma firma. Assim como uma radiografia não cresce, não evolui nem enriquece ninguém, ela também não morre. A firma continuou por anos na sua situação formal de "inativa". Todos os anos de hibernação radiográfica foram marcados por declarações negativas de imposto de renda de pessoas jurídicas, uma espécie de ritual macabro em que atestamos que algo está morto, mas que não conseguimos ainda nos desfazer de seu esqueleto.

Então, um dia eu resolvi lembrar-me de que era preciso um tipo de exorcismo. Para um administrador, ou ao menos para mim, que sou administrador, um firma fracassada era como um atestado de incompetência.

Claro, hoje penso diferente com relação a empresas que não dão certo, mas por muitos anos eu tentei esquecer essa empresa e toda a dor que a envolveu, de sonhos abandonados e problemas crônicos não resolvidos. Tê-la criado no papel e nunca ter conseguido seguir adiante e ter tentado fazer alguns de meus sonhos virarem realidade foi para mim motivo de grande tristeza e frustração. E eu não sou acostumado a desistir, fracassar e baixar a cabeça, vencido ou derrotado.

Talvez por isso, eu só me lembrava dela quando chegava o mês das declarações ao imposto de renda. Nesta época, um amigo contador me ligava e dizia que eu precisava fazer a maldita declaração negativa.

Um dia, eu anotei no meu arquivo do Microsoft Outlook, numa pasta de tarefas, um lembrete: baixar firma.

Essa era a minha tarefa mais importante, mas que permaneceu ignorada propositalmente por mais muitos anos ainda, porque, admito, era doloroso pôr um fim definitivo nela, baixando-a definitivamente no registro de empresas.

Ainda que hibernando, sempre existia a possibilidade de reativá-la e reiniciar algum projeto grandioso por meio dela e seus papéis.

De repente, a vida deu uma nova guinada e mudei de planos. Nada de negócios, nada de empresas, jamais.

Então, mesmo os papéis hibernando eram um problema, porque com o novo rumo dado, eu não poderia legalmente ter nenhuma empresa, e neste caso mesmo um simples registro era um problema em potencial.

Tomei coragem e resolvi enfrentar a gigantesca burocracia que era baixar uma firma no Brasil.

Na verdade, alguns anos antes eu até tentara enfrentar o problema, mas desisti. Era muita papelada, muito dinheiro, muito trabalho. Desisti.

Desta vez, eu iria em frente.

Mas me surpreendi, porque as leis tinham mudado, e a coisa foi simples, rápida, barata e indolor.

Hoje, sou um administrador que teve uma firma, que nunca entrou em atividade, e que está formalmente baixada, em perfeita conformidade com a lei.

Sinto-me menos frustrado agora do que sentia a alguns anos atrás. Esta firma existiu por doze, treze anos.

Neste tempo todo, deixei a dor para trás e aquilo que era um trauma parece ter desaparecido com o tempo, como todo trauma.

Não sei se arriscaria a me envolver em negócios hoje em dia, mas não vejo também porque não poderia me envolver. Afinal, ainda sou um administrador de empresas, atuando intelectualmente na área, ainda que não diretamente.

Se um dia arriscar a me meter com negócios, abriria uma nova firma?

Não sei, mas esta, para todos os efeitos, jamais voltará a existir.

A "Firma" está definitivamente baixada.