sábado, 31 de agosto de 2013

Mudar tem um preço

Eu disse em minha última postagem que mudanças de vida não são coisas que necessariamente desejamos fazer. Às vezes, mudar dói.

Dando continuidade à série de perguntas que tratam de um questionamento geral sobre autoajuda e autoaperfeiçoamento, abordo agora a décima quinta pergunta.

Quando afirmo que mudanças podem não ser desejadas, mas são necessárias dentro de um contexto de vida em que pensamos mais a longo prazo, concluo que implementar mudanças de vida mesmo a contragosto provoca algum tipo de dor. Quer dor é esta?

Não é uma dor física, evidentemente, embora as mudanças possam desencadear sintomas que sentimos diretamente em nosso próprio corpo.

Quando digo dor, refiro-me a sofrimento psicológico, cansaço, frustração, investimento, abstenção de prazeres e velhos hábitos, desconfortos diversos em geral.

Mas, mais do que isso, um ambicioso projeto de crescimento pessoal irá demandar da pessoa que se propõe a ele um imenso custo em todos os sentidos de sua vida. Não se pode implementar um projeto desses sem pagar um certo preço em termos de coisas importantes e valiosas que se tem de colocar em situação de insegurança ou perda.

Por exemplo: uma pessoa que resolva emagrecer terá de abrir mão de certos alimentos que adora. Essa pessoa irá sofrer, e esse sofrimento é o preço que terá que pagar para ter um pouco mais de saúde. Uma pessoa que resolva ter um emprego melhor e resolva em virtude disto voltar a estudar em uma faculdade com aulas noturnas deverá sofrer com a falta de descanso, com a rotina de anos de estudo, com a distância de casa por longos períodos, com o stress de provas e trabalhos, e esses desafios são o preço que terá de pagar para ter um pouco mais de dinheiro. E assim por diante.

A pergunta que fiz, a décima quinta, questiona esse custo. Fiz a seguinte pergunta:

O preço cobrado pelas mudanças não é caro demais?

Essa pergunta trás em si a aceitação de que não há mudanças sem um preço, sem um custo, sem um investimento. O que eu queria saber era se um esforço intenso seria de alguma forma compensado pelos ganhos decorrentes da mudança que eu estaria implementando.

Às vezes, os ganhos decorrentes de uma mudança são óbvios. Às vezes, não. Quando não sabemos o que obteremos de uma mudança, ficamos relutantes em dispender esforços. Afinal, por que dispender esforços se não sei o que obterei em troca?

Despender esforços e depois não se obter nada em troca é extremamente frustrante. A pergunta que fiz surgiu em uma época de minha vida em que sentia-me frustrado com uma série de esforços que fizera em estudos para mudar de emprego, no ano 2000, e que não redundaram em nada. Estudara tanto para quê?

A resposta a esta pergunta é que qualquer esforço que busque uma situação melhor do que a que estamos agora é um esforço válido, mesmo que não sejamos bem sucedidos no alcance dessas mudanças. Mesmo o fracasso não é de todo uma perda, já que temos como resultado a experiência de ter realizado algo que visava uma melhoria, e esta experiência, se bem estudada, pode servir de aprendizagem para uma segunda, uma terceira tentativa, desta vez mais bem planejada, mais bem conduzida, e que pode nos trazer o sucesso.

Assim, só não vale a pena se esforçar para realizar uma mudança quando essa mudança é para pior, ou quando simplesmente não sabemos ou ainda não compreendemos o quê de bom essa mudança pode trazer. Mas, se sabemos o quê obteremos, e isso for bom para nós, então não há o que temer.

Podemos fracassar, é certo, e fracassaremos muitas vezes, mas se pretendemos mudar para melhor, por que devemos desistir? E por que não podemos aprender com nossos erros?

Não há esforço para o bem que não valha a pena.

Alguém pode dizer, por exemplo, que o esforço é proporcionalmente muito alto e os ganhos, baixos demais. Por exemplo: eu teria de despender tempo com certos hábitos de higiene para melhorar minha saúde. Há estudos que dizem que um hábito simples como o uso de fio dental pode aumentar a expectativa de vida de uma pessoa em até dez anos. Usar fio dental é chato, e toma tempo. Mas isso prolonga a vida. Então, ficamos em um impasse: gasto meia hora por dia usando fio dental hoje para ganhar uma hora por dia a mais de vida no futuro. O que vale mais? Meia hora hoje ou uma hora amanhã?

Não sei dizer a resposta. Só acho que há evidentemente um custo para se obter mais tempo de vida. E há milhões de incertezas quando pensamos no futuro. Mas seria uma bobagem não usar fio dental sabendo dos benefícios que ele trás.

Cada pessoa deveria ser capaz de saber avaliar o custo-benefício de se implementar uma mudança de vida para melhor. Entre não usar fio dental e usar, não há dúvida de que qualquer que seja a opção, não se está escolhendo encurtar a vida mais do que seria possível, porque a falta de uso de fio dental está longe de ser um problema tal como a escolha entre fumar ou parar de fumar, entre beber ou parar de beber, entre usar drogas e deixar de usá-las, ou entre entrar para o crime organizado ou não entrar.

Então, um esforço pode ser caro, e cada um deve saber se deve ou não dispendê-lo. Se achar que está gastando uma hora por dia em troco de algo que lhe dará apenas meia hora mais de sobrevida, a decisão é sua. 

Ao longo do tempo, trataremos melhor desse assunto, o do custo-benefício das mudanças.

Por hora, é importante saber que mudanças têm custos e que é preciso algum discernimento para se escolher entre boas e más mudanças, e escolhendo-se as boas, é ainda preciso se fazer um cálculo de custos-benefícios para se avaliar a conveniência de implementá-las. 

De qualquer forma, após esta pergunta, saímos da discussão obtendo mais clareza sobre o processo de mudança, e isso é bom. Uma nova pergunta emerge dessa resposta, e é sobre essa nova pergunta que trataremos em nosso próximo post.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Queremos realmente mudar?

Queremos realmente mudar?

Esta é uma importante pergunta que fiz a mim mesmo dentro de um esforço de entender os sucessos e fracassos do uso de livros de autoajuda e de processos de aperfeiçoamento pessoal em geral. Esta é a décima quarta de uma série de quarenta e sete outras perguntas e está intimamente relacionada com a pergunta anterior, a décima terceira, da qual tratei no post anterior neste blog.

Temos problemas e por vezes não somos capazes de resolve-los por nossos próprios meios. Então, recorremos à ajuda de outras pessoas, e também aos livros que oferecem propostas de apoio, como os livros de autoajuda. Esses livros, mas não só eles, evidentemente, oferecem uma série de conselhos que podem ameaçar mudar nossos mais profundos valores e crenças, mas a decisão de acatar ou não esses conselhos cabe apenas a nós.

Eventualmente, a solução de um determinado problema pessoal passa pela necessidade de mudanças nesses valores e crenças, mas então surge a questão: estamos mesmo dispostos a mudar nossos valores e crenças apenas para resolver um problema que às vezes nem é assim tão grave?

Quer dizer, o problema existe, mas a solução que se nos apresenta pode representar a geração de novos e indesejados problemas com os quais não queremos lidar, e assim, é preferível não acatar esses conselhos e manter não atacado o problema original, com o qual nos sentimos menos desconfortáveis.

A questão que se apresenta é a do conforto com o estado presente. Nós não gostamos de mudanças, de maneira geral. Nós gostamos daquilo que é confortável para nós. Nós gostamos de coisas conhecidas, e mudanças em nossas vidas não devem ser bruscas, nem radicais demais. Pelo menos é o que acontece comigo: não gosto de mudanças bruscas demais. Aquilo que me é muito estranho me deixa desconfortável, mesmo que a mudança seja para melhor.

Às vezes esse apego ao conforto presente pode parecer um tipo de comodismo inocente, mas não é. Se por um lado em geral uma mudança pode resolver um problema e gerar outros novos, por outro ela pode resolver definitivamente o problema e nos alçar a um novo patamar de conforto no qual não nos sentimos de forma alguma tão desconfortável quanto antes. Evidentemente não se pode esperar uma vida sem algum tipo mínimo de desconforto, mas pode-se, sim, reduzir o desconforto ao longo do tempo atacando-se problemas que podem ser resolvidos sem agredir nossos valores mais caros e profundos.

Se queremos mesmo mudar ou não é uma questão que deve ser respondida sob o enfoque temporal. Se chegamos a fazer esta pergunta, é porque de alguma forma sentimos algum apego à situação atual e fazemos algum tipo de cálculo de custos e benefícios imediatos que obteremos a curto prazo diante de uma possibilidade de mudanças. Sim, a curto prazo pode parecer que não temos muito a ganhar com uma mudança que cobra-nos mudanças profundas para resolver um problema menor em nossas vidas. Mas não podemos deixar de observar a situação pensando em um horizonte temporal de mais longo prazo.

A longo prazo, uma situação presente confortável ou relativamente suportável, com problemas menores, pode-se degenerar para uma situação horrível e insuportável, e além disso, pode-se tornar uma situação de difícil reversão, senão mesmo irreversível.

A curto prazo, podemos não querer mudar, mas se projetarmos a situação atual para o futuro e atentarmos para as tendências de evolução ou correção de nossos problemas atuais, pode ser que vislumbremos uma situação que desejamos evitar. Então, precisamos agir preventivamente, agora, para evitar que a situação piore, ainda que hoje pareça ser uma bobagem despender esforços com problemas menores.

Pequenos problemas podem desaparecer por si mesmos, mas podem evoluir e virar grandes problemas. Dependendo do quão bom somos em vislumbrar cenários futuros, podemos ver se o prognóstico desses problemas é ruim. Neste caso, devemos agir agora, mudar agora, matar os problemas enquanto é cedo, arrancar pela raiz o mal enquanto ainda é um pequeno broto. Depois, pode ser tarde.

Queremos mesmo mudar? Não, necessariamente, mas por vezes, precisamos mudar, para salvaguardar nosso futuro.

Dói, mas é preciso.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Valores e crenças II

Dando continuidade à série de peguntas sobre autoajuda, abordarei neste post a décima terceira pergunta, intimamente relacionada com a décima segunda, tratada no post anterior. Na décima segunda pergunta, eu perguntei se devemos ou não questionar nossos valores e crenças quando buscamos apoio em livros de autoajuda ou em qualquer outro processo de autoaperfeiçoamento em que somos instados a realizar mudanças pessoais de diversas ordens.

Respondi que mudar ou não valores e crenças é uma decisão pessoal de cada um, mas constatei que o questionamento em si tem seus próprios méritos. Então, fiz a décima terceira pergunta:

Até que ponto nossas crenças e valores podem e devem ser mudados em decorrência de uma maior quantidade de informação e conhecimento?

Claro que cada pessoa é livre para decidir se muda ou não valores e crenças por qualquer motivo que seja. Esta dúvida foi esclarecida no post anterior. O problema que esta nova questão trás é outra, e relaciona-se com a busca ativa por mudanças. 

De maneira geral, a menos que se viva isolado do convívio humano, sem meios de comunicação de qualquer natureza com o resto da humanidade, todo ser humano está ativa e passivamente sujeito a influenciar e ser influenciado por outros seres humanos com os quais interage, direta ou indiretamente.

Mas, em se tratando de autoaperfeiçoamento, um indivíduo pode decidir-se por interagir com pessoas de maneira ativa em busca de solucionar problemas que ele julga que precisam ser resolvidos. Ele pode perceber que não é capaz de resolver seus problemas sozinho e pode decidir-se por buscar ajuda por meio de interação com outras fontes de saber, que sempre são originadas de outros seres humanos. Um livro de autoajuda é visto aqui como um meio de comunicação, por meio do qual um leitor busca obter conhecimento, informação, aconselhamento, de outra pessoa, o escritor, para tentar obter algum ganho pessoal com isso, tal como um melhor conhecimento de si mesmo, um método apropriado para tratar um problema específico ou um modo de pensar original, que o leve a rever seu modo de pensar tradicional. Esse processo de leitura é um diálogo, embora não direto, mas mediado pelo livro, que é apenas o meio.

Ora, uma pessoa que sai buscando ativamente obter conhecimento para resolver seus problemas sabe que muito provavelmente estará sujeita a uma massa de informação que terá o potencial de afetá-la de uma maneira tal que poderá levá-la a realizar mudanças em sua vida exterior e interior. Quanto mais ele obtém informação e conhecimento, maior a chance de tenha seus valores e crenças questionados por diferentes autores e pensadores. Muito provavelmente o leitor encontrará modos de pensar e argumentos defendendo determinados pontos de vista sobre valores e crenças que ele considerará corretos, convincentes e válidos. Eventualmente, pode aceitar esses argumentos como verdadeiros e pode decidir que precisa pensar e viver sua vida de acordo com essa nova verdade. Ele pode aceitar intelectualmente uma verdade e ainda assim não viver de acordo com esta verdade, mas então, ao decidir livremente agir assim, ele enfrentará um conflito interior bastante desagradável que em determinado momento precisará ser resolvido. Ele pode, por exemplo, ser convencido intelectualmente que a vida é um bem tão valioso que precisa ser defendido de agressões tais como a agressão física que uma pessoa impõe a si mesma quando abusa de seu organismo mediante o uso de substâncias que são nocivas à sua saúde, tal como o álcool e drogas proibidas. Daí, pode decidir-se por abandonar esse tipo de agressão ou pode continuar agredindo-se, apesar de saber que essa agressão vai contra uma verdade intelectualmente aceita, que ressalta o valor da vida. Ele viverá então suas contradições, e poderá resolvê-las ou não, dependendo do quão incômodas sejam essas contradições em seu íntimo, e do quão capaz ele seja de suportar esse incômodo.

A pergunta em si trata da questão da busca ativa de informações e da grande probabilidade de que o indivíduo que assim age tem de ter valores e crenças postos sob o crivo de argumentos firmes e convincentes.

Essa possibilidade não deveria representar risco a ninguém, já que a verdade é a base que sustenta a mudança, e a justifica.

A questão que emerge então não é se mais informação representa mais chance de questionamentos. Esses questionamentos agora parecem óbvios e mesmo desejados. Do contrário, porque a busca ativa? E sem busca ativa por conhecimento, como resolver nossos problemas sozinhos?

A questão passa a ser não a possibilidade de mudança, mas a mudança em si. Seremos capazes de mudar?

Mas, antes de se pensar sobre essa capacidade, paremos por aqui, porque já estaremos entrando na décima quarta pergunta, e então, já estaremos entrando em um tema para outro post.

Enfim, podemos mudar, e por vezes, devemos mudar. 

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Valores e crenças

Dando continuidade à tentativa de responder uma série de questões sobre autoajuda feitas a um bom tempo atrás, abordo agora a décima segunda questão. 

Na questão anterior, abordei a possibilidade de termos nossos próprios mandamentos pessoais. Ora, qualquer que seja a nossa decisão, de ter ou não mandamentos pessoais, uma coisa me pareceu óbvia quando analisei os livros de autoajuda como um todo: eles fazem milhares de sugestões sobre como devemos conduzir nossas vidas, abordando mudanças em uma variedade enorme de assuntos, e caso resolvamos adotar ou aceitar ainda que uma pequena parte dessas sugestões, teremos uma vida bastante diferente de nossa vida tradicional, normalmente vivida sem sobressaltos ou mudanças. Assim, adotar conselhos, de um modo geral, implica necessariamente fazer algo que não estamos fazendo, ou deixar de fazer algo que fazemos constantemente. Ou deixamos maus hábitos, velhos comportamentos e modos de pensar, ou adquirimos novos hábitos, novos comportamentos e novos modos de pensar. Ou seja, seguir conselhos envolve necessariamente mudanças em nossas vidas.

Daí surge a origem da décima segunda questão. Ela relaciona-se com quais hábitos, comportamentos e modos de pensar estão sujeitos a serem questionados pelos livros de autoajuda, ou por qualquer outra fonte de influência exterior, seja outros tipos de livros, a mídia, grupos sociais, religiões, pessoas ou mesmo uma influência interior, decorrente do próprio amadurecimento do indivíduo, que percebe, espontaneamente ou mediante um esforço de raciocínio, que algo em si precisa ser mudado.

A pergunta é a seguinte:

Devemos questionar nossos valores e crenças?

Esta é uma pergunta que precisa ser feita, porque um programa de mudanças pode ou não ser limitado a determinados aspectos de nossas vidas. Se nos predispormos a mudanças superficiais, podemos limitar o alcance e profundidade daquilo que nos influencia, e permitiremos mudanças, mas não em valores e crenças que nos são caros. Afinal, valores e crenças são modos de pensar e agir que quase fazem parte de nossa personalidade, e que têm o poder de fazer de nós pessoas bastante peculiares e específicas, dependendo do quão diferenciados são esses valores e crenças.

Por outro lado, valores e crenças podem estar sujeitos a mudanças por dois bons motivos. Primeiro, porque nos permitimos que eles sejam mudados, porque achamos que ao mudá-los não haverá grandes problemas com as consequências das mudanças, e não percebemos nenhum risco de perdermos nossa identidade, ou ainda, não vemos problema nenhum em termos uma identidade diferente da que temos hoje em decorrência dessas mudanças. E segundo, porque, por vezes, queiramos ou não, nossos valores e crenças podem ser na verdade fontes de problemas, cujas soluções demandam a mudança desses mesmos valores e crenças, sobre pena de termos de conviver com as consequências desses problemas, o que nem sempre é desejável ou suportável.

Eu sei que é difícil aceitar que um autor de um determinado livro de autoajuda venha por meio de bem intencionadas sugestões de melhorias de vida nos propor, por exemplo, que sejamos a favor de um comportamento que contraria algum outro valor nosso, ou que sejamos adeptos de um determinado comportamento que vai contra uma crença, tal como nossa religião. Em geral, autores de autoajuda não são assim tão intrusivos, embora admitirei que alguns dão, sim, conselhos que são duros de serem aceitos exatamente porque ferem nossos valores e crenças.

Em geral, somos instados a fazer pequenas mudanças, e essas sugestões não agridem diretamente valores e crenças, mas há um determinado estágio em que nos tornamos críticos sobre quase tudo que forma e compõe nossa personalidade. Então, passamos a criticar, a questionar nossos valores e crenças, em decorrência de possíveis mudanças que efetuarmos em nossas vidas.

Tornar-se questionador dos próprios valores e crenças não implica necessariamente em mudá-los. Avaliar criticamente um valor ou uma crença, entender que os temos em nossas vidas, entender porquê os temos, entender que podemos ou não mudá-los, e decidir mantê-los ou mudá-los representa um poder sobre si mesmo, um poder que nem sempre sabemos que temos, e que é um poder que emerge em nossas consciências exatamente porque estamos dispostos a aceitar sugestões de livros de autoajuda e realizar pequenas mudanças em nossas vidas. 

A resposta então à pergunta é que temos o poder de conhecer nossos valores e crenças, e temos o poder de questioná-los, sem necessariamente mudá-los, e que o exercício desse poder nos faz mais fortes e auto-conscientes de nossas características interiores mais profundas, e isso é bom, de maneira geral.

Não há o que temer, a não ser a ignorância a respeito de nossas próprias razões obscuras. A pessoa que conhece suas mais profundas motivações e sabe justificar suas mais profundas decisões sobre como conduz sua vida é uma pessoa que não teme perder o controle sobre si, nem teme ser controlado por quem quer que seja. Ela é, então, uma pessoa que sabe se conduzir, e portanto, é uma pessoa livre.

Esse conceito, o de liberdade interior, é o que de mais importante se pode filtrar em função de todo o raciocínio acima, e leva-nos à beira do livre arbítrio, e do poder que a mente humana detém sobre si mesma, e não se encerra nesta conclusão. Pelo contrário, abre uma importante porta para discussões futuras sobre imensas possibilidades de vida, e essas oportunidades fazem do poder de escolha algo instigante de ser experimentado.

Este é um grande ganho, partindo do pressuposto de que em geral começamos a ler livros de autoajuda apenas para passar o tempo e fisgar pequenas dicas para consumo no dia-a-dia.

Dando um passo além, abordaremos em seguida mais uma questão: a decima terceira.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Mandamentos pessoais II

O que são mandamentos?

Mandamentos são basicamente leis morais que deveríamos seguir. Os mais famosos mandamentos são os que formam o Decálogo, ou os Dez Mandamentos bíblicos. Como todos sabem, a Bíblia fala desses mandamentos como tendo sido escritos pelo próprio Deus em uma pedra, para orientar a conduta de vida de seu povo escolhido.

No entanto, nada impede que pessoalmente tenhamos mandamentos de vida que nos ajude em determinados assuntos que não sejam necessariamente religiosos, morais ou espirituais. Eu posso pensar em mandamentos como regras de vida, e mesmo que eu seja cristão e siga o Decálogo, ainda assim posso muito bem seguir muito mais do que dez mandamentos, embora somente dez deles sejam ditados pelo próprio Deus.

Seguimos regras civis no dia-a-dia, e regras de trânsito, regras legais ditadas por um governo, e nem por isso achamos que elas são suficientes para organizar o mundo e a complexa vida social em que vivemos.

E um indivíduo pode escolher seguir suas próprias regras, criar seu próprio grupo de regras pessoais, ainda que não as crie do nada propriamente falando. Ele pode ir selecionando ensinamentos e conselhos de diferentes fontes e em determinado momento, pode decidir que vai seguir explicitamente um ou mais desses ensinamentos, e tomá-los como mandamentos pessoais. Ele pode ir além e mesmo tomar esses mandamentos sob a forma escrita, se quiser. Esse modo de proceder pode parecer anormal, mas tem precedentes famosos, o que nos justifica levar essa possibilidade em consideração, já que o exemplo de pessoas famosas pode servir de inspiração para pessoas comuns que ainda não tomaram conhecimento dessa necessidade de clareza e ordem em suas maneiras de conduzir suas vidas.

Cito Benjamim Franklin como um desses casos. No capítulo XX do livro "A universidade do sucesso", de Og Mandino, há um extrato de uma parte do livro "The Autobiography of Benjamin Franklin" em que este se compromete a seguir 13 mandamentos em busca do que chama de perfeição moral.

É inspirador saber ser possível tornar claro no papel aqueles desejos, anseios ou mesmo obrigações pessoais que temos vagamente na memória, e que não levamos na devida consideração exatamente porque é algo que é vago e inconstante, embora que seja muito importante. Baseei-me em Franklin quando em um primeiro momento tentei criar uma lista com meus próprios mandamentos, como relatei aqui neste blog.

Compilei um grande número de sugestões e frases que achei interessantes e importantes, e tentei separar as dez que achei que deveria compor a minha lista, tal qual Franklin. Como disse, não passei da terceira regra. 

Fiz as duas perguntas a seguir: por que não fui em frente? O que me levou a desistir do plano de sintetizar centenas de conselhos em dez simples regras de conduta capazes de serem seguidas?

Mas não as respondi ainda.

Mas não importa. O que importa é que eu, em 2001, quando desta primeira tentativa de fazer uma lista de mandamentos, tinha conhecimento de que minha ideia fracassara. E esse fracasso não me agradou muito, de forma que fiquei em dúvida se deveria ou não empreender alguma nova tentativa, e se fazia sentido tentar imitar o método de Franklin.

No contexto das muitas perguntas que fiz a mim mesmo em 2001, a décima primeira foi relacionada à décima, mas também à questão dos mandamentos que não consegui compilar. Fiz a mim mesmo a seguinte pergunta: devemos buscar nossos próprios mandamentos?

Esta pergunta está relacionada diretamente com a pergunta anterior na medida em que eu questiono a existência de verdades universais.

Ora, eu conclui na resposta à décima pergunta, existindo ou não verdades universais, eu não poderia ser cético com relação a todo conhecimento. Em algum momento, e de algum modo que ainda não sabia, eu deveria ser capaz de julgar uma afirmação qualquer como sendo verdadeira para mim, e assim, tomar essa minha verdade como guia para a condução de minha vida.

O problema é que há bilhões de afirmações no mundo disputando a minha crença ou convicção. E se apenas uma pequena parte de tudo que sei ou possa vir a saber ao longo da vida for verdade, ainda assim essa pequena parte demandará um longo esforço e tempo para ser descoberta, e ela será uma parte pequena em relação ao todo do conhecimento disponível, mas certamente não se resumirá a dez mandamentos ou frases passíveis de serem seguidas simploriamente.

Daí a pergunta. Devemos tomar todo o conhecimento que nos alcança como uma afirmação relativa e submetê-lo ao crivo da prova de veracidade para depois, caso provada essa veracidade, termos esse conhecimento como um mandamento que nos guiará pela vida como um farol seguro na escuridão das noites?

Este processo é um processo trabalhoso e radical.

Ele é trabalhoso porque somos bombardeados por informações o tempo todo, e ser cético em um primeiro momento para depois separar o joio da inverdade do trigo da verdade demanda atenção, cuidado, perícia e método. E ele é radical porque ele não é só um trabalho direcionado a partir do momento presente. Este deveria ser um trabalho voltado também a todo conhecimento passado, porque todo o conhecimento passado foi absorvido sem passar por esse crivo crítico, e portanto, é evidentemente suspeito de estar contaminado com o joio da inverdade de maneira profunda e perigosa. Ele se torna um método radical na medida em que ao ser aplicado leva-nos a rever certas opiniões, crenças e comportamentos que precisam ser mudados, e a adquirir outros, de modo tal que podemos deixar de ser quem sempre fomos, sob o ponto de vista de outras pessoas. Essa possibilidade de mudanças interiores pode nos levar adiante em nossos sonhos e planos, mas pode gerar conflitos pessoais com aquelas pessoas que nos conhece de longa data, e não é fácil lidar com esses conflitos, nem desejável que eles ocorram.

A resposta à pergunta é a de que não precisamos de uma lista de objetivos a serem alcançados do ponto de vista moral, tal qual a feita por Benjamim Franklin, porque é uma lista limitada e restritiva, mas precisamos ser, sim, céticos com relação ao conhecimento que nos alcança de diferentes maneiras, porque eles podem influenciar nosso modo de vida de maneira desvantajosa e indesejada. Eu não preciso fazer uma lista, por exemplo, com o lembrete de que devo escolher muito bem as pessoas com as quais eu me relaciono e me envolvo, tais como amigos, já que acredito que seja verdade o bordão que diz "diga-me com quem andas e direi quem és", porque ao assim fazê-lo, esse será o meu primeiro mandamento, mas como há milhares de bordões igualmente dignos de serem criticados, logo eu terei uma lista com centenas de regras que seriam muito difíceis de serem harmonizadas e seguidas de maneira eficiente e simples como sugere o exemplo de Franklin.

Essa conclusão, essa resposta, abriu espaço para a décima segunda pergunta, a qual veremos no próximo post. De qualquer forma, ainda que eu acreditasse que precisasse ser crítico com relação ao conhecimento, eu tive a dura constatação de que eu não sabia como ser nem cético nem crítico de maneira efetiva. Essa debilidade intelectual era óbvia agora, e admiti-la foi de extrema importância em minha vida.

Falarei em um momento oportuno sobre a busca por sanar essa debilidade. Por agora, basta. Antes de falarmos sobre este problema,  é preciso que falemos de outro: a décima segunda pergunta, filha legítima da décima primeira, esta que acabamos de responder.