O que são mandamentos?
Mandamentos são basicamente leis morais que deveríamos seguir. Os mais famosos mandamentos são os que formam o Decálogo, ou os Dez Mandamentos bíblicos. Como todos sabem, a Bíblia fala desses mandamentos como tendo sido escritos pelo próprio Deus em uma pedra, para orientar a conduta de vida de seu povo escolhido.
No entanto, nada impede que pessoalmente tenhamos mandamentos de vida que nos ajude em determinados assuntos que não sejam necessariamente religiosos, morais ou espirituais. Eu posso pensar em mandamentos como regras de vida, e mesmo que eu seja cristão e siga o Decálogo, ainda assim posso muito bem seguir muito mais do que dez mandamentos, embora somente dez deles sejam ditados pelo próprio Deus.
Seguimos regras civis no dia-a-dia, e regras de trânsito, regras legais ditadas por um governo, e nem por isso achamos que elas são suficientes para organizar o mundo e a complexa vida social em que vivemos.
E um indivíduo pode escolher seguir suas próprias regras, criar seu próprio grupo de regras pessoais, ainda que não as crie do nada propriamente falando. Ele pode ir selecionando ensinamentos e conselhos de diferentes fontes e em determinado momento, pode decidir que vai seguir explicitamente um ou mais desses ensinamentos, e tomá-los como mandamentos pessoais. Ele pode ir além e mesmo tomar esses mandamentos sob a forma escrita, se quiser. Esse modo de proceder pode parecer anormal, mas tem precedentes famosos, o que nos justifica levar essa possibilidade em consideração, já que o exemplo de pessoas famosas pode servir de inspiração para pessoas comuns que ainda não tomaram conhecimento dessa necessidade de clareza e ordem em suas maneiras de conduzir suas vidas.
Cito Benjamim Franklin como um desses casos. No capítulo XX do livro "A universidade do sucesso", de Og Mandino, há um extrato de uma parte do livro "The Autobiography of Benjamin Franklin" em que este se compromete a seguir 13 mandamentos em busca do que chama de perfeição moral.
É inspirador saber ser possível tornar claro no papel aqueles desejos, anseios ou mesmo obrigações pessoais que temos vagamente na memória, e que não levamos na devida consideração exatamente porque é algo que é vago e inconstante, embora que seja muito importante. Baseei-me em Franklin quando em um primeiro momento tentei criar uma lista com meus próprios mandamentos, como relatei aqui neste blog.
Compilei um grande número de sugestões e frases que achei interessantes e importantes, e tentei separar as dez que achei que deveria compor a minha lista, tal qual Franklin. Como disse, não passei da terceira regra.
Fiz as duas perguntas a seguir: por que não fui em frente? O que me levou a desistir do plano de sintetizar centenas de conselhos em dez simples regras de conduta capazes de serem seguidas?
Mas não as respondi ainda.
Mas não importa. O que importa é que eu, em 2001, quando desta primeira tentativa de fazer uma lista de mandamentos, tinha conhecimento de que minha ideia fracassara. E esse fracasso não me agradou muito, de forma que fiquei em dúvida se deveria ou não empreender alguma nova tentativa, e se fazia sentido tentar imitar o método de Franklin.
No contexto das muitas perguntas que fiz a mim mesmo em 2001, a décima primeira foi relacionada à décima, mas também à questão dos mandamentos que não consegui compilar. Fiz a mim mesmo a seguinte pergunta: devemos buscar nossos próprios mandamentos?
Esta pergunta está relacionada diretamente com a pergunta anterior na medida em que eu questiono a existência de verdades universais.
Ora, eu conclui na resposta à décima pergunta, existindo ou não verdades universais, eu não poderia ser cético com relação a todo conhecimento. Em algum momento, e de algum modo que ainda não sabia, eu deveria ser capaz de julgar uma afirmação qualquer como sendo verdadeira para mim, e assim, tomar essa minha verdade como guia para a condução de minha vida.
O problema é que há bilhões de afirmações no mundo disputando a minha crença ou convicção. E se apenas uma pequena parte de tudo que sei ou possa vir a saber ao longo da vida for verdade, ainda assim essa pequena parte demandará um longo esforço e tempo para ser descoberta, e ela será uma parte pequena em relação ao todo do conhecimento disponível, mas certamente não se resumirá a dez mandamentos ou frases passíveis de serem seguidas simploriamente.
Daí a pergunta. Devemos tomar todo o conhecimento que nos alcança como uma afirmação relativa e submetê-lo ao crivo da prova de veracidade para depois, caso provada essa veracidade, termos esse conhecimento como um mandamento que nos guiará pela vida como um farol seguro na escuridão das noites?
Este processo é um processo trabalhoso e radical.
Ele é trabalhoso porque somos bombardeados por informações o tempo todo, e ser cético em um primeiro momento para depois separar o joio da inverdade do trigo da verdade demanda atenção, cuidado, perícia e método. E ele é radical porque ele não é só um trabalho direcionado a partir do momento presente. Este deveria ser um trabalho voltado também a todo conhecimento passado, porque todo o conhecimento passado foi absorvido sem passar por esse crivo crítico, e portanto, é evidentemente suspeito de estar contaminado com o joio da inverdade de maneira profunda e perigosa. Ele se torna um método radical na medida em que ao ser aplicado leva-nos a rever certas opiniões, crenças e comportamentos que precisam ser mudados, e a adquirir outros, de modo tal que podemos deixar de ser quem sempre fomos, sob o ponto de vista de outras pessoas. Essa possibilidade de mudanças interiores pode nos levar adiante em nossos sonhos e planos, mas pode gerar conflitos pessoais com aquelas pessoas que nos conhece de longa data, e não é fácil lidar com esses conflitos, nem desejável que eles ocorram.
A resposta à pergunta é a de que não precisamos de uma lista de objetivos a serem alcançados do ponto de vista moral, tal qual a feita por Benjamim Franklin, porque é uma lista limitada e restritiva, mas precisamos ser, sim, céticos com relação ao conhecimento que nos alcança de diferentes maneiras, porque eles podem influenciar nosso modo de vida de maneira desvantajosa e indesejada. Eu não preciso fazer uma lista, por exemplo, com o lembrete de que devo escolher muito bem as pessoas com as quais eu me relaciono e me envolvo, tais como amigos, já que acredito que seja verdade o bordão que diz "diga-me com quem andas e direi quem és", porque ao assim fazê-lo, esse será o meu primeiro mandamento, mas como há milhares de bordões igualmente dignos de serem criticados, logo eu terei uma lista com centenas de regras que seriam muito difíceis de serem harmonizadas e seguidas de maneira eficiente e simples como sugere o exemplo de Franklin.
Essa conclusão, essa resposta, abriu espaço para a décima segunda pergunta, a qual veremos no próximo post. De qualquer forma, ainda que eu acreditasse que precisasse ser crítico com relação ao conhecimento, eu tive a dura constatação de que eu não sabia como ser nem cético nem crítico de maneira efetiva. Essa debilidade intelectual era óbvia agora, e admiti-la foi de extrema importância em minha vida.
Falarei em um momento oportuno sobre a busca por sanar essa debilidade. Por agora, basta. Antes de falarmos sobre este problema, é preciso que falemos de outro: a décima segunda pergunta, filha legítima da décima primeira, esta que acabamos de responder.
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