quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Tudo estará bem?

A quadragésima quarta questão da série que discuto recentemente neste blog relaciona-se com a pergunta anterior, objeto de longa discussão no último post.

A quadragésima quarta pergunta é esta:

"Tudo estará bem?"

Nesta pergunta, não me preocupo com o presente, com minha situação atual, mas a situação futura.

Eu tenho discutido neste blog razões contra e a favor de mudanças de vida. Uma das razões contra nos envolvermos em desagradáveis processos de mudança é que, apesar do que diz o mundo a nossa volta, não estamos sentindo que nossa vida esteja ruim a ponto de precisar ser mudada.

Apesar de que sejamos confrontados com pessoas em situações melhores do que a nossa o tempo todo, podemos intimamente sentir que estamos vivendo bem. O mundo pode apontar em nós mil defeitos, mas, se em nosso íntimo não achamos que sejam defeitos que nos incomoda, que importa? Além do mais, não há ninguém perfeito. Tudo mundo tem defeitos. Então, por que mudar? Além do mais, se todos têm defeitos, temos que tolerar uns aos outros, desde que nossos defeitos não tragam prejuízos a mais ninguém além de nós mesmos.

Ora, que me importa se metade do povo russo é alcoólatra? Paciência! E, por fim, que mal faço aos russos se meus defeitos são apenas meus, e não os prejudica? Que vivamos nós e os russos cada qual com seus defeitos e vivamos em paz. Tudo pode estar bem.

Mas, se tudo está bem, posso usar este estado atual de coisas como justificativa para meu comodismo?

Posso, exceto que, como disse, as coisas mudam.

Se tudo está bem hoje, não tenho, no entanto, garantias de que estará bem amanhã. Defeitos tendem a trazer problemas a médio e longo prazos. Um problema pessoal pode se tornar um problema social, e uma situação sem problemas hoje pode evoluir para uma situação problemática amanhã, embora o inverso possa ser verdadeiro também. Evidentemente, não é incomum que um problema atual se resolva de alguma forma ao longo do tempo sem que precisemos fazer nada com relação a ele, mas esta não é uma regra. É apenas uma constatação. A possível solução espontânea de um problema presente vai depender da natureza do problema, e o bom senso pode ser suficiente para servir de guia para que nos preocupemos ou não com uma parte deles, já que podemos discernir com razoável acerto quais deles que têm potencial de resolução futura espontânea e quais precisam de nossa ação.

É com relação àqueles problemas que têm potencial futuro de se agravarem é que me refiro quando faço a pergunta acima. E mais: há os novos problemas, sobre os quais não temos nenhum prognóstico presente. 

Assim, uma pessoa sensata deveria ser capaz de avaliar sua vida presente e admitir honestamente que a vida presente que leva está bem e seus problemas atuais são administráveis e sua vida prescinde de mudanças, a despeito das recomendações do mundo à sua volta. Mas esta pessoa sensata deveria igualmente ser capaz de perceber que a inércia presente é apenas um estado passageiro, e que não deverá durar muito tempo, e que, portanto, mais cedo ou mais tarde, as coisas exigirão que ela tome alguma atitude com relação a um estado de coisas novo, porém indesejável.

Assim, podemos dizer que hoje tudo está bem, mas não podemos dizer com a mesma segurança que amanhã tudo estará bem. Não há espaço aqui para desejos.

Claro que desejamos que amanhã tudo esteja bem, mas não temos esta certeza, e portanto, podemos justificar nossa inércia atual por um certo tempo, mas este estado cômodo deverá mudar, quer queiramos, quer não. 

Assim, se teremos que agir no futuro para minimizar as consequências de problemas presentes, porque esperar até as coisas piorarem?

Não seria mais sensato realizar pequenas mudanças agora, quando os problemas não são tão graves, do que deixar para depois, quando então talvez seja tarde demais?

Por que não ser previdente?

Não precisamos agir hoje, diria o teimoso, ou preguiçoso, porque hoje tudo está bem. Poderia se argumentar tal como na parábola bíblica dos lírios do campo, que não fiam nem tecem, sob a alegação de que cada dia que cuide de seu problema, e que portanto, estando hoje tudo bem, nada há com o que se preocupar, e que o amanhã com os seus problemas terá seus devidos cuidados no momento certo, que é exatamente o amanhã.

Isto equivale a dizer que hoje não temos porquê nos preocupar, porque tudo está bem.

Certo, eu acato o argumento.

Em seguida, retruco com uma pergunta, mais uma delas, a quadragésima quinta, a qual tratarei no próximo post, porque então já estaríamos indo longe demais com o post presente.

Então, para não perdermos a oportunidade, porque hoje é dia de Natal, reafirmo aqui minha fé no Deus criador, certo de que Ele esteve entre nós, e de que somos feitos à Sua imagem e semelhança.

Sigamos, pois, em frente, renovada a nossa fé!

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Tudo está bem?

A quadragésima terceira pergunta da série que ando tratando ultimamente neste blog é uma pergunta simples, mas que, caso respondida adequadamente, pode elucidar muito a respeito da resistência que temos às mudanças que precisamos implementar em nossas vidas.

Na postagem anterior, questionei se não seria o caso de nós, seres humanos, agirmos melhor não nos preocupando com problemas triviais que atormentam nossas vidas. Não seria mais sensato vivermos sem preocupações desnecessárias?

A aversão que temos a enfrentar problemas nos leva a questionarmos a real necessidade de mudanças. No entanto, sabemos que vivemos vidas imperfeitas. Então, quando argumentamos que seria melhor deixar de lado as preocupações com problemas e nos concentrarmos mais em nossas fontes de alegria e prazer, surge esta nova pergunta, a quadragésima terceira, que reproduzo agora:

"Tudo está bem?"

A pergunta é simples. E cobro como resposta uma posição igualmente simples: sim, tudo está bem, ou não, não está tudo bem.

Uma pessoa pode dizer honestamente que está tudo bem com sua própria vida, e somos forçados a admitir que não temos como saber se isto é verdade ou não. Comparamos o aspecto exterior da vida de uma pessoa e chegamos à conclusão de que ela poderia ser mais rica, mais saudável, mais sociável, ou o que quer que seja, mas não temos razão alguma para dizer que interiormente, sob o ponto de vista psicológico, esta pessoa não está realmente satisfeita com a vida que leva. Podemos achar que ela não é suficientemente rica, mas ela própria pode achar-se feliz com sua situação financeira. Quem detém o poder de julgar de maneira mais sensata a situação de uma pessoa: ela mesma ou qualquer outra?

Há uma questão filosófica profunda envolvida nesta pergunta. A questão relaciona-se com a liberdade humana. Quão livre uma pessoa é para definir que rumo quer dar para sua vida? Que direito tem uma pessoa de dizer a outra o que esta última deve ou não fazer? Que direito tenho de dizer em um livro de autoajuda que você pode até estar se sentindo feliz com sua vida, mas que na verdade esta sua felicidade é ilusória, e que precisa seguir meus conselhos para ser realmente feliz como eu acredito que deva viver?

Temos a liberdade de fechar livros de autoajuda, dizendo que eles são desnecessários na medida em que consideramo-nos sensatos o suficiente para sabermos por nós mesmos aquilo que é o melhor para nossas vidas, deixando de lado a opinião de quem quer que seja, sob a argumentação de que nos conhecemos melhor do que qualquer pessoa no mundo, e portanto, estamos em melhor condição de saber o que queremos ou não para nossas vidas. E um autor pode dar a opinião que quiser sob determinado problema ou situação de vida, mas sabemos que quem detém a palavra final é quem lê, e se o leitor entender que o problema que o autor aponta não é um problema real para o próprio leitor, então o autor estará falando em vão.

A percepção íntima que temos a respeito de nossos problemas, no entanto, é limitada por uma série de fatores. Podemos de fato nos sentir satisfeitos com nosso estado de coisas, mas não vivemos isolados no mundo. Somos seres sociais. Estamos em permanente contato com outros seres humanos e temos um incrível poder de nos comunicar, trocar experiências e fazer comparações entre nós e nossos semelhantes.

Sempre que interagimos com outras pessoas, nas nossas conversas surgem comparações do tipo tal que desigualdades são percebidas entre aqueles que interagem, e essas desigualdades são estudadas, entendidas, e experiências de vida são compartilhadas. Imagine que isso vem ocorrendo desde que o ser humano habita a Terra, desde milhares de anos. Imagine dois homens primitivos se encontrando, trocando informações, se comparando. Caso um ande de sandálias rústicas tecidas com fibras de algum arbusto, e outro ande descalço, é natural que aquele que anda de sandálias irá notar que seria bom para seu companheiro que este passasse a não só andar de sandálias também, mas ainda o ensinaria a trançá-las, a escolher os arbustos adequados, a preparar a fibra, e assim por diante. O homem descalço pode ter passado a vida sem ter percebido seus pés nus como um problema até este encontro, mas depois disto, uma nova possibilidade se lhe apresentará. Dando margem à dúvida, poderá andar ainda algum tempo com os pés nus, mas no momento em que sofrer um ferimento que ele reconhecer que poderia ter sido evitado se estivesse de sandálias, então verá que sandálias não são uma questão de mero gosto, ou experiência cultural, ou um capricho de pessoas exóticas, mas são de fato ferramentas de utilidade comprovada, meios de proteção que lhe darão mais segurança, mais conforto, mais poder de locomoção, e que, embora possa causar algum desconforto no uso e dar algum trabalho na confecção em geral, são artefatos que valem a pena usar, e então passará a usá-las, ainda que eventualmente.

O mundo moderno não é muito diferente deste mundo primitivo. Evidentemente, nossos problemas básicos de sobrevivência física estão quase todos resolvidos. Aprendemos a usar calçados ainda quando bebês. Mas nossos problemas não se resumem aos aspectos físicos da sobrevivência. Temos infinitas necessidades. Não podemos satisfazer todas, mas podemos satisfazer as necessidades mais críticas. Na verdade, as necessidades, por serem muitas, são um complexo que é difícil de ser entendido. Não sabemos como uma necessidade relaciona-se com outra, qual gera qual, ou se há algumas delas ocultas de nossa compreensão. Muito provavelmente temos uma quantidade enorme de necessidades que desconhecemos. 

Ora, se desconhecemos um problema, como podemos resolvê-lo? 

Mas, observe: eu falava de necessidades, e agora falo de problemas. Necessidades são o mesmo que problemas?

Uma necessidade pode ser entendida como uma carência de algo. Se nos falta algo, isto é um problema? Como podemos ter carência de algo que sequer sabemos que existe? Parece uma situação absurda, mas não é. Uma pessoa pode morrer sem saber a causa, mas a causa pode ser socialmente conhecida. Por exemplo, uma pessoa pode desenvolver problemas físicos por falta de consumo de sal, e achar que esses problemas físicos não são um problema de fato, mas mero acaso, uma fatalidade da vida, um capricho do destino. Não podemos forçá-lo a aceitar o problema como um problema, mas podemos facilmente resolver o problema, caso ele concorde em tentar. Basta de ele passe a consumir sal.

Então, necessidades existem, a despeito de sabermos, ou aceitarmos, ou termos consciência delas. E necessidades são consideradas problemas por uma sociedade, ainda que indivíduos possam não ver as coisas desta maneira.

Pessoas podem viver com suas necessidades e problemas sem dar-lhes solução ou combate.

Elas podem viver como se tudo estivesse bem. Elas podem discordar da sociedade como um todo, e considerar suas mazelas um estado normal, aceitável, feliz até.

Temos o direito de questioná-los?

A resposta a esta questão é que problemas são dinâmicos.

Uma pessoa pode achar que o vício do cigarro, por exemplo, não é um problema. Pode sentir prazer no fumo e rejeitar qualquer tentativa de convencimento quanto a parar de fumar. Temos o direito de recriminá-lo pela sua teimosia? Ele não estará correto em seu julgamento baseado em seu estado interno de espírito?

Não. ele está errado, porque embora ele não julgue o ato de fumar um problema, a sociedade julga que seja. E não é apenas uma questão de gosto pessoal, onde uma maioria impõe seus gostos sobre uma minoria. A questão é que o problema que o fumante julga ser somente seu não o é de fato. Fumantes adoecem. Uma pessoa doente precisa de cuidados. Doenças são problemas sociais, e não apenas daquele que está doente. Somos seres sociais solidários, embora possamos dar mostras horríveis de egoismo em diversas situações. Mas em geral, não deixamos as pessoas adoecerem e morrerem sem que seja dado nenhum tipo de ajuda. Mesmo o doente que foi levado à doença por um vício com o qual se ateve por decisão própria, contrariando todas as recomendações de cuidado, ainda assim receberá a ajuda que precisar, e os fumantes só morrem porque não somos capazes de curá-los. Daí que a liberdade do fumante é uma liberdade que atende seus próprios interesses de prazer, mas pune a sociedade que dá asas a esta mesma liberdade. E daí que fumar é vício, e não hábito, porque não consideramos livres as pessoas que trazem prejuízos à sociedade onde vivem e da qual dependem em busca de mero prazer físico momentâneo. Entendemos, benevolentemente, que não é uma questão de vontade, mas de escravidão a um vício, e passamos a ver o viciado como digno de pena, porque, afinal, depois do prazer, ele é quem mais sofrerá as consequências de suas decisões desastrosas.

Assim, necessidades e problemas sociais, ainda que não vistos assim por indivíduos, representam um custo para todos, e não é uma questão de gosto ou liberdade, mas de racionalidade. Se pagamos caro pelas ações de indivíduos que não têm consciência de que seus atos são prejudiciais, temos o direito de fazer esta pessoa consciente de que sua atitude representa um problema para o grupo, ainda que não represente um problema para ela mesma.

Nossa liberdade de permanecer em uma vida que julgamos sem problemas termina no momento em que passamos a prejudicar outras pessoas. Qualquer pessoa que se sinta prejudicada em decorrência de nosso comportamento pode e deve cobrar de nós uma adequação. Nossa liberdade de viver conforme bem entendermos é uma liberdade relativa. Um comodismo egoísta não deveria ser tolerado se levasse alguém mais que o próprio indivíduo acomodado a sofrer as consequências ou prejuízos desse comodismo.

Daí que os pais tem o direito de ter filhos, mas o dever de cuidar bem deles. Daí que as pessoas podem comprar carros velozes, mas precisam respeitar regras de trânsito e daí que uma criança pode gostar de andar descalça, mas precisa andar de calçados, porque pés machucados precisam ser cuidados, e mesmo uma criança precisa entender que não pode dar trabalho aos adultos simplesmente porque é caprichosa e deseja fazer as coisas da maneira que bem entende.

Tudo está bem?

Talvez esteja bem sob meu ponto de vista íntimo, mas está bem sob o ponto de vista social? Estou, com meu comodismo preguiçoso, prejudicando alguém que não tem culpa nenhuma pela minha preguiça? 

Talvez mudar não seja uma questão de gosto, mas de necessidade. Talvez seja mesmo uma questão social. Quem sabe seja mesmo uma questão de Estado e de política.

Mas, dando um passo além, suponhamos que não, não estamos prejudicando ninguém com nosso comodismo. Por que não deixar as coisas como estão? Por que mudar um estado de coisas tão confortável? Afinal, não sabemos o resultado de uma possível mudança. Podemos criar problemas em uma situação que não precisa ser mudada. Por que correr o risco?

Se o comodismo pode ser justificado sob este ponto de vista, quer dizer, se não há uma motivação social para a mudança, um indivíduo sensato deveria saber que o mundo é dinâmico, a vida muda com o decorrer do tempo, e não há garantias de que tudo continuará como está no futuro.

Então, estamos já na área de abrangência da próxima pergunta. Nesta nova área, saímos do campo social e entramos no da previdência, da sensatez e da prevenção.

É o que veremos no próximo post.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Uma chance para a preguiça

Minha pergunta de número 42 da série que ando discutindo ultimamente neste blog é uma pergunta rebelde.

Tenho feito muitas perguntas que procuram entender o mundo da motivação humana, o uso de livros de autoajuda e a dificuldade que temos em mudar um estado de coisas.

Tendo falado da importância da disciplina, busquei na minha última postagem usar recursos argumentativos no intuito de convencer uma possível resistência à mudança. Eu disse que pessoas costumam ser resistentes a mudanças de uma forma negativa, enfatizando problemas, em vez de oportunidades.

Mas, dando um passo além em defesa da indisciplina e contra a rigidez de métodos que podem fazer da vida uma existência sistemática e árida, fiz esta 42ª pergunta, a qual reproduzo aqui e agora:

"Por que não usar nosso tempo livre para fazer apenas o que estamos a fim de fazer pura e simplesmente?"

Esta é a pergunta honesta do preguiçoso que mora em mim, sem firulas ou subterfúgios. Quer dizer: por que tenho de ser disciplinado, ter planos e perder tempo dando atenção aos livros de autoajuda? Afinal, a esmagadora maioria das pessoas vive muito bem sem eles. Por que complicar minha vida se posso viver tranquilamente sem as obrigações que eles me impõem?

Afinal, quem teve a ideia de inventar livros de autoajuda? Quem disse que queremos conselhos de gente que sequer conhecemos? A vida já não tem problemas o suficiente para nos tomar quase o tempo todo? Por que se dar ao trabalho de ler um livro somente para procurar mais problemas dos quais sequer temos noção de que possam existir em nossas vidas?

O mundo tem dessas coisas. Em uma época como a que vivemos, complexa, cheia de gente e desafiadora em termos econômicos, não faltam problemas. Mas não é só isso. Há ainda uma indústria de geração de problemas. Há ramos de atividades cujo esforço se concentra em criar problemas, fazer as pessoas terem a percepção de que possuem o problema, de que o problema é delas também, e depois, vender soluções.

Quase todo o sistema econômico mundial reflete essa lógica. Por exemplo: por que usar um coador de pano encardido e velho se posso comprar uma cafeteira elétrica com filtro de polímeros por um preço módico? Compramos a cafeteira porque somos convencidos de que o coador velho de pano é um problema. Esperar a água do café ferver é um problema. Lavar o coador é um problema. E a cafeteira é a solução.

Este singelo exemplo ilustra bem a mecânica do sistema industrial de substituição de utensílios para casa, mas o raciocínio é o mesmo para quase todo o capitalismo. Livros de autoajuda são parte da indústria do aconselhamento. Eles competem com médicos, psicólogos, religiosos, escolas, universidades, professores, jornais e políticos. Eles, como um conjunto, vendem soluções para problemas que são conhecidos, mas podem vender problemas novos, que sequer suspeitamos que existem.

Por exemplo: se você acha que não ganha bem, alguém vem e escreve um livro que ensina você a ter sua independência financeira. Se você acha que ganha bem, vem alguém e lhe diz que sua satisfação é ilusória, por uma série de razões que você desconhece, mas que é obrigado a aceitar como convincentes, e por fim, sua alegria se esvai e você se vê correndo atrás de mais dinheiro, artificialmente insatisfeito em decorrência de uma simples leitura de um livro. Claro, não há garantia alguma de que terá sua felicidade de volta.

Então, como somos seres humanos, e seres vivos, que vivemos de consumir energia difícil de ser conseguida, temos a tendência ao acomodamento, à preguiça, ao sossego, à aceitação do estado das coisas. Aceitamos a maioria dos problemas, porque dá muito trabalho resolvê-los. Problemas são consumidores vorazes de energia de todo tipo. Uma simples lâmpada queimada é um transtorno. Toda a burocracia do mundo é odiada, porque dá trabalho sem nenhum ganho evidente para quem tem de lidar com ela. E problemas psicológicos, sejam eles reais ou artificiais, costumam ficar em um segundo plano, afastados da vista, da consciência, porque temos mais o que fazer do que preocupar-se com nossas pequenas falhas, nossos traumas, nossas fraquezas profissionais que são pedras no nosso caminho rumo ao nosso primeiro milhão. Não sabemos se estamos sorrindo o suficiente, se estamos respirando fundo o suficiente, se estamos comendo fibras o suficiente, mas não importa. São todos pequenos problemas que não podemos atacar com a energia necessária para vencê-los, liquidá-los definitivamente. São como moscas nos rodeando em uma tarde quente no campo. São parte da paisagem, parte da vida, e fazemos bem em ignorá-los em vez de perdermos nossa serenidade atacando-os.

Então, se é verdade o que digo acima, por que não usar meu tempo livre para fazer apenas o que estou interessado em fazer e nada mais? Por que autoajuda? Por que um esforço de melhoria deliberado, mas trabalhoso e cansativo? Não é verdade que milhões de pessoas vivem relativamente bem sem este tipo de preocupação?

A questão merece uma resposta sensata.

O que tenho a dizer como resposta é que nossa mente possui um mecanismo tal que podemos tentar, mas não seremos bem sucedidos no processo de enganar a nós mesmos. A coisa é interessante, e em um futuro qualquer, falarei mais sobre este mecanismo. O que interessa mesmo, agora, é que podemos fingir que não sabemos nada sobre um determinado fato, mas se sabemos dele realmente, este fingimento não funciona para nós mesmos. Funciona para os outros, quer dizer, uma pessoa que não sabe se sabemos ou não determinado fato pode ser enganada e achar que não sabemos, mas nós sabemos que sabemos.

Ora, se eu leio um livro, e tomo conhecimento de seu conteúdo, não posso mais fingir que não sei sobre aquilo que li. Posso, sim, não fazer nada a respeito, e esperar e torcer que o tempo vá apagando aquele conhecimento de minha memória, até que eu não me recorde mais dos detalhes, e tenha apenas uma vaga ideia daquilo que li, de forma que esta miragem de saber, este borrão de conhecimento não valha mais nada do ponto de vista prático.

O fenômeno do esquecimento é real. Tente, caso não seja um matemático, lembrar-se das regras para se fazer um cálculo qualquer levemente complicado sobre, digamos, geometria. Lembra-se de alguma fórmula específica que sirva para alguma coisa? Provavelmente não. Sabemos que há uma fórmula que ajuda a achar o volume de uma esfera, dadas certas medidas desta esfera, mas como organizamos estas medidas em uma fórmula é algo que não nos recordamos mesmo com muito esforço mental. E o mesmo se dá com o conhecimento dos livros de autoajuda. Um autor lhe recomendará que faça algo, tal como iniciar um diário para ir anotando o desenrolar de um processo onde você tenha que ir reduzindo um certo comportamento até ele desaparecer, e você ter os benefícios que espera ter deste novo modo de vida sem aquele comportamento. Se você não iniciar o diário, não anotar os fatos, deixar para uma semana depois, um mês depois, esqueça: não fará mais, nem se lembrará mais de que deve iniciar um diário, e terá uma vaga lembrança de que tem um comportamento que deseja eliminar, e que tem o método sugerido pelo livro. Se o tempo passar ainda mais, você se esquecerá que leu o livro. Se por acaso lembrar, será uma vaga lembrança, igual aquela que temos de um filme qualquer que assistimos apenas uma vez a dez anos atrás. Se não for um livro ou um filme muito famoso e impactante, saberemos, quando muito, o nome de um ou dois atores e histórias, e os detalhes se perderão para sempre.

O esquecimento é uma forma de autoengano.

Mas, o problema não desaparece, exceto se tivermos muita sorte. Esquecemos a solução, mas não o problema. Deixamos de enfrentar o problema, nos poupamos de um esforço continuado na luta para resolvê-lo, mas ao assim fazer, o problema consolida-se. Ele fica mais forte, mais antigo, mais arraigado. Você perdeu o primeiro round, porque sequer se deu à coragem de tentar eliminá-lo. E ele, mais cedo ou mais tarde, lhe incomodará como uma ferida aberta.

A resposta que dou à pergunta é que usar nosso tempo para fazermos apenas aquilo que gostamos não representa um mau em si, mas nossos problemas permanecerão tais como estavam. Alguns evoluirão para problemas maiores, mais nocivos, mais crônicos. Teremos prejuízos cada vez maiores com eles. O tempo perdido ignorando-os fará com que o tempo de vida que nos resta seja totalmente insuficiente para eliminá-los, de forma que perdemos a esperança de vivermos livres deles. Veja, por exemplo, o caso do fumante. Fumar é um vício terrível, e os fumantes adiam a luta até o momento em que já é quase tarde demais. Os danos do vício não combatido fazem todo o tempo aproveitado em não combatê-lo se esvair em nada. Você deixa, por exemplo, de gastar dois minutos por dia com a coleta de folhas sujas em seu jardim. Depois de um mês, você não gastará o mesmo que uma hora (que são dois minutos multiplicado por trinta dias) para resolver o problema. Você gastará mais. Muito mais. Tarefas rotineiras poupam esforços. Tarefas acumuladas inflam-se como fermento e tomam mais tempo e recursos que a simples soma das tarefas rotineiras e diárias que poderiam tê-las evitado. Resolver pequenos problemas diários é mais simples que resolver mensalmente um grande problema fruto do descaso em resolver pequenos problemas diários. Você pode remover uma montanha de pedra retirando uma pedrinha todos os dias, mas não pode remover a montanha toda num único dia, poupando o trabalho rotineiro diário. Esta percepção acerca do agravamento de problemas e de que problemas grandes são maiores que a soma de pequenos problemas é uma das razões que me levam a responder a pergunta principal deste texto com a afirmação de que nós podemos gastar nosso tempo fazendo somente o que gostamos, mas depois teremos de pagar o preço de nosso desleixo para com nossos problemas, porque eles crescerão ao longo do tempo, tal como fungos, até que se tornem não administráveis e seus danos insuportáveis.

Uma alegação cética do preguiçoso crônico que há em mim resmungou algo que merece uma resposta. O resmungo foi de que, afinal de contas, a vida não está assim tão ruim, e que essas pequenas moscas que nos rodeiam no campo não merecem muita atenção de nossa parte, porque são quase inofensivas, e no mais, tudo vai bem em nossa caminhada.

A resposta a esse retrucar preguiçoso é uma outra pergunta: estamos mesmo sem problemas graves? Essas moscas são mesmo inofensivas? Elas serão sempre pequenas moscas que se contentarão em nos rodear inofensivamente? E, afinal, estamos mesmo em um prado verde em um belo entardecer, na mornidão de sol que se põe, vislumbrando ao longe as cordilheiras, e mais além o oceano azul que se estende, infinito?

Esta é uma pergunta que o preguiçoso precisa responder sinceramente, mas não agora, porque ai já estaríamos adentrando na área de discussão que pertence à quadragésima terceira pergunta.

Tratemos, pois de expressá-la, no próximo post, para que o preguiçoso possa ter o trabalho de respondê-la.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Por que não, Karen?

A questão de número 41 da série que abordo neste blog relaciona-se a uma espécie de engodo mental, que chamou minha atenção na época em que elaborei a minha lista de perguntas sobre autoaprimoramento.

Uma pequena digressão é necessária aqui, para contextualizar a origem desta pergunta. Mas, que pergunta?

A pergunta 41 foi a seguinte:

"Por quê? E por que não? Funciona o jogo de empurra?"

Aparentemente, ela não faz muito sentido. Daí a necessidade da digressão.

Até então, todas as perguntas anteriores eram baseadas em dúvidas que surgiram em decorrência da leitura de alguns livros de autoajuda que andei lendo em 2001. Basta ler algumas postagens anteriores para que se perceba isto. Mas esta pergunta 41 relaciona-se com uma outra fonte de dúvidas. Não é uma fonte muito provável, por isso preciso explicá-la.

Em 2001, eu andava meio deprimido. Eu trabalhava, e nas horas vagas lia e ouvia música. Não estava animado a ouvir música muito agitada. Havia algo em mim que me levava a ouvir coisas melancólicas, tristes. Então, de repente, entrei em um período em que passei a ouvir muito as músicas dos Carpenters.

The Carpenters fez sucesso nos anos 70. Eu ouvia suas canções quando menino, mas nem sabia quem eram seus membros. Então, depois de adulto, redescobri a banda e suas músicas, e percebi que boa parte delas eram familiares, nostálgicas, que me faziam recordar meus primeiros 10 anos de vida.

Quem compunha os Carpenters? De repente, fiquei curioso. Eram dois irmãos. Um rapaz e uma garota. Mas a garota era a estrela.

A garota virou uma mulher, que definhou na anorexia e morreu jovem, no início dos anos 80. Uma história triste e trágica. Agora, parecia que ela cantava a própria tristeza e morte nas canções calmas que eu andava ouvindo.

Pesquisei mais. Como a banda começou? Em um vídeo na internet, a cantora contou a história do começo de tudo. Um dia, seu irmão resolveu formar uma banda. Então, eles precisavam de um baterista. Ela, que não sabia tocar nem cantar nada, se ofereceu para aprender tocar bateria. Alguém, estranhando uma garota tocando bateria em uma banda de música, perguntou: por quê? Ela, em sua irreverência juvenil, que não via limites nem inconvenientes em nada, em uma época em que as mulheres estavam se emancipando socialmente, retrucou de volta: Mas, por que não?

E começou a tocar bateria. Depois, começou a cantar, e sua voz era linda, e ela acabou virando uma estrela pop, até seu trágico fim.

A pergunta de Karen Carpenter ficou em minha cabeça.

Por que não?

Por que colocamos tantas barreiras em nossas vidas? Por que nos submetemos a restrições que outras pessoas nos impõem? Por que deixamos de fazer aquilo que desejamos fazer, simplesmente porque estamos mais preocupados com o que os outros pensam de nós do que com aquilo que nós mesmos desejamos fazer?

Ora, sempre que se fala em autoajuda, se fala em confiança, em determinação, em disciplina, em sonhos e metas a serem alcançadas. Mas, poucos ousam. Se alguém resolve nos contar algo que deseja fazer, logo perguntamos: mas por quê? E então, essa pergunta desencadeia uma série de desculpas, possibilidades, bloqueios, e por fim, planos se transformam em campos minados, em fracassos e desilusão. Quem ousa retrucar um "por quê?" com um simples "por que não?"? Vindo de uma pessoa que ousou em sua época, a pergunta não deixa de ser interessante, porque ela afasta a crítica dos indecisos, dos fracos e dos covardes. É o que podemos chamar de inversão do ônus da argumentação. Se alguém busca razões para não fazer, a pergunta inverte a lógica do questionador e busca razões para se fazer. Por que focar em problemas se podemos focar em benefícios?

Esta é a razão da pergunta.

Vamos lê-la novamente:

"Por quê? E por que não? Funciona o jogo de empurra?"

Resta agora entender o que eu quis dizer com este "jogo de empurra". O jogo de empurra é apenas uma maneira de dizer que a disputa argumentativa entre aquele que questiona a viabilidade de uma decisão e aquele que aposta no sucesso da decisão parte primeiro do questionamento crítico e cético daquele que nada faz, e acredita que ninguém mais pode ou deve fazer, e termina na busca de motivos reais para se permanecer na inação. Quais os ganhos da imobilidade, pergunta o homem de ação ao cínico que o questiona?

A ideia não é convencer o cínico. A ideia é descartar o cínico. É colocá-lo em seu lugar, e fazê-lo silenciar em sua acidez destrutiva. O homem de ações não pode se dar ao trabalho de perder tempo argumentando com o cínico. Tem muito o que fazer.

Mas, e se o cínico mora dentro da mesma mente que, cindida, abriga o sonhador?

É possível convencer a mim mesmo de que devo querer o que quero, sem críticas? É possível silenciar o crítico interior?

Contando as vantagens de se fazer e não as desvantagens, estamos sendo sensatos, ou estamos apenas nos iludindo quanto à inexistência de barreiras e riscos que se escondem em toda empreitada que mereça ser executada?

Esta é uma questão de cálculo de custos e benefícios, e não uma mera questão de retórica ou argumentação. A questão não é calar o crítico exterior ou interior. A questão é ter certeza de que não estamos entrando em uma fria. Esta não é uma decisão trivial, porque envolve autoconvencimento. Em um caso extremo, envolve mesmo o autoengano. Mas então, ao falar de autoengano, pergunto se isso realmente existe ou é possível, e então, já estamos indo longe demais.

Claro, falarei muito sobre autoengano. Mas não agora.

Por hora, basta que saibamos que o jogo de empurra existe, e ele é interessante de se jogar.

Com essas ideias em mente, fiz minha pergunta de número 42. Ela é sincera e relaciona-se intimamente com esta que acabo de apresentar. É o que veremos no próximo post.

domingo, 8 de dezembro de 2013

Vantagens e desvantagens da disciplina

A quadragésima pergunta da série que fiz relaciona-se ainda com a questão da disciplina. Ao longo das últimas postagens, tenho falado sobre a disciplina como uma possível razão para o sucesso ou não das pessoas na busca de conseguirem o que querem, em especial mediante a leitura de livros de autoajuda, que é um tema maior que busco avaliar.

Sabemos que somos livres para escolher fazer algo que nos é recomendado. Se decidimos fazer algo, e queremos fazer bem feito, precisamos de disciplina. A disciplina impõe limitações que são desagradáveis, mas espera-se que nos recompense com um prêmio no final da luta. Se nos submetemos à disciplina, esperamos algo no final.

Mas será que não podemos ter aquilo que desejamos na vida sem termos que fazer esforços que impliquem em rigidez, limitações e sofrimento? Não se pode alcançar objetivos seguindo uma estrada mais colorida?

Não sei, mas em geral somos informados de que o caminho que leva ao sucesso é estreito e árduo. Não acho que as coisas tenham que ser necessariamente assim, mas em geral, não há almoço grátis na vida. Se quer resultados, é preciso algum esforço.

A pergunta que fiz a mim mesmo foi:

"Quais as vantagens e desvantagens da disciplina?"

A resposta a esta pergunta não é simples, mas podemos tentar respondê-las, ao menos parcial e genericamente.

A disciplina tem vantagens? Aparentemente, sim. Se resolvemos ser disciplinados em busca de um objetivo, somente somos disciplinados porque este é o único caminho que nos leva até ele. Sabemos que este é o único caminho porque alguém já chegou lá antes e nos informou, ou porque raciocinamos e chegamos a esta conclusão. Se houvesse um caminho que prescindisse da disciplina, seguiríamos pelo caminho mais fácil.

Então a disciplina tem esta primeira vantagem: ela aumenta as chances de se alcançar um objetivo, que de outra maneira, não seria possível de ser alcançado, porque exige um esforço que não é fácil de ser despendido. A disciplina é a força que permite que alcancemos resultados difíceis de serem atingidos.

A disciplina tem desvantagens? Certamente, sim. Se resolvermos ser disciplinados em busca de um objetivo difícil, então a disciplina implicará em algum custo. Quando falamos em esforço, falamos em consumo de energia, de tempo, de recursos escassos. Ser disciplinado em geral implica em abrirmos mão de fazermos apenas aquilo que gostamos e estamos com vontade de fazer. Implica em fazer coisas que não gostamos de fazer. Implica em insatisfação por um período de tempo que pode ser curto, mas pode ser longo também, e quanto mais difícil o objetivo, mais tempo passamos fazendo o que não gostamos, e menos tempo temos para fazer o que gostamos. Ora, uma vida assim é triste e frustrante, exceto quando atingimos nosso objetivo, e podemos parar de fazer aquilo que não gostamos, mas que tínhamos de fazer para alcançar o objetivo.

Apresentei uma vantagem e uma desvantagem da disciplina. Existem mais vantagens e desvantagens? Certamente sim. Mas não me aprofundarei neste estudo mais do que o necessário, porque tenho muitas respostas a dar ainda para muitas outras questões em aberto.

O que quero dizer com esta comparação entre vantagens e desvantagens da disciplina é que ela é um mal necessário. Ela cobra um preço em termos de satisfação, mas ela promete entregar algo em troca que compensará nossos esforços. Ela não é exigida desnecessariamente. Ela somente é exigida quando não há alternativas, porque sempre buscamos o caminho mais fácil para nossos objetivos. Mas sem ela, jamais alcançaríamos objetivos difíceis, e por isso, é bom saber que ela existe, como uma ferramenta para as horas difíceis.

Esta constatação, a de que a disciplina nem sempre é necessária, levou-me à próxima pergunta, a qual abordarei no próximo post.

A camisa de força da disciplina

A trigésima nona pergunta da série que abordo atualmente neste blog relaciona-se com a importância da disciplina.

Já tratei da importância da disciplina como uma virtude necessária, embora não suficiente, para se obter algum tipo de sucesso com a leitura de livros de autoajuda.

Se a disciplina, tão necessária, precisa ser seguida, e se é possível tornar-se uma pessoa disciplinada, então, temos meio caminho andado na busca de resultados que os livros de autoajuda prometem. Sem disciplina, não temos sequer condições de dizer se as recomendações sugeridas pelos livros funcionam ou não.

Admitindo então ser possível uma pessoa tornar-se disciplinada, a questão passa a ser de outra ordem.

Dentro do espírito crítico que tem marcado minha abordagem das questões em estudo relacionadas a autoajuda, olho para a disciplina com um olhar cínico, desconfiado, irônico.

Se por um lado admito que as pessoas não têm o direito de criticar livros de autoajuda tomando como base a mera leitura dos mesmos, sem nenhuma tentativa séria de se colocar em prática ao menos uma pequena parte daquilo que é sugerido pelos autores desses livros, por outro vejo a pessoa que é obstinadamente disciplinada com um certo ar de crítica.

Vejamos melhor este meu ponto de vista.

Vivemos em um mundo difícil, é certo. Temos que trabalhar, estudar, cumprir uma série de rotinas que não gostamos, mas precisamos seguir para que nosso mundo não emperre, não desmorone, não entre em colapso. Não somos tão livres como gostamos de imaginar. A vida moderna nos impõe tantas regras e temos tão pouco controle real sobre nossas ações e nosso tempo que somos quase escravos.

Mas, a rotina que nos escraviza precisa ser combatida. Ela não pode ser eliminada de todo, embora muitos utopistas ingênuos ou maliciosos acreditam que pode. Não vou entrar neste tipo de discussão agora. Apenas quero lembrar que não desejamos que a rotina de obrigações tome conta total de nossa vida. Precisamos de algum equilíbrio. Mas, o que é que equilibra nossa vida, que seja contrário à rotina massacrante?

As pessoas costumam achar que o contrário da ordem é o caos. O contrário da disciplina é liberdade. O contrário da regra é a criatividade. A disciplina é uma camisa de força. A liberdade criativa é a festa que tanto desejamos.

Ao constatar que a disciplina é fundamental para se conseguir algum resultado prático no mundo das realizações humanas, não estou tornando nossa vida mais rígida, e assim, restringindo ainda mais as possibilidades criativas das pessoas, fazendo a vida menos alegre, menos livre, menos surpreendente?

Esta é a pergunta que fiz a mim mesmo, a qual reproduzo logo abaixo:

"A disciplina não é uma camisa de força?"

A resposta a esta pergunta, tal como a maioria das perguntas da série, não é fácil de ser dada em poucas palavras.

Se admitirmos que a maioria das pessoas que compram livros de autoajuda sequer se dão ao trabalho de ler uma pequena parte do livro, somos forçados a admitir que essa grande maioria não é formada de pessoas disciplinadas. Podem ter disciplina para realizar uma série de atividades quaisquer, mas não têm disciplina para o ato da leitura. Logo, as pessoas podem ser disciplinadas na realização de certos atos e indisciplinadas na realização de outros. As pessoas dispõem de liberdade de escolha para elegerem serem disciplinadas quando realizam um dado ato e não outro. Assim, as razões pelas quais uma pessoa decide realizar disciplinadamente o ato A e não o B baseiam-se em geral em questões de gosto, de custo-benefício e de viabilidade. As pessoas costumam fazer coisas que gostam. Elas também preferem coisas fáceis de serem feitas, e por fim, elas esperam alcançam algum ganho depois de se esforçarem por algo. Ninguém gosta de fazer coisas contra a vontade, nem de tarefas difíceis, nem de trabalharem de graça.

Mas, se podemos escolher, então somos livres. Não somos forçados a vestir a camisa de força da disciplina contra nossa própria vontade. Ninguém é obrigado a seguir as instruções de um livro de autoajuda contra a vontade, nem lhe são sugeridas ações fáceis e simples que lhe darão riquezas sem fim. Se algo assim é oferecido, a pessoa que se compromete com este algo o faz livremente. Se seu esforço não redunda em nada, ou é muito difícil, ela pode parar na hora que quiser.

Assim, a camisa de força existe, mas não é obrigatória.

Uma pessoa pode decidir seguir regras difíceis, longas, cansativas e que produzirão resultados incertos. Esta escolha pode se dar por uma série de razões, que a pessoa julga serem capazes de justificar seu esforço. Tarefas difíceis em geral prometem grandes coisas, embora não necessariamente garantidas. Uma pessoa pode achar que vale a pena o risco. A decisão é dela.

Uma pessoa que não gosta de levar a vida cheia de regras e de lutas árduas em troca de metas incertas e difíceis pode olhar para outra pessoa que leva uma vida regrada, cheia de objetivos difíceis e ambiciosos e pensar que a vida desta pessoa disciplinada é uma vida triste, dolorosa, que não apresenta nenhuma razão para ser vivida. Pessoas indisciplinadas detestam pessoas disciplinadas. Não é necessariamente uma questão de inveja. Por vezes, o disciplinado batalha em vão. O que o indisciplinado detesta no disciplinado é a ambição. Para a primeira, a ambição da segunda é como vender a alma ao diabo. A ganância do ambicioso faz deste uma pessoa seca, infeliz, e por maior que seja o prêmio oferecido, e ainda que ele o alcance, para o indisciplinado, não vale a pena, e o ganhador do prêmio é apenas um imbecil iludido e enganado.

Uma vida disciplinada tem seus prêmios, mas pode ser uma vida estéril. Nossa cultura moderna prega o contrário. Disciplinados são vistos como pessoas imbecis, que não vivem uma vida verdadeira. São engolidos pelo "Sistema".

Quando eu faço a pergunta a mim mesmo, eu procuro saber se em meu íntimo eu não estaria abrindo mão de uma vida feliz, embora economicamente menos promissora, em troca de uma vida financeiramente mais rica, mas pobre em todos os demais aspectos.

Acho que não vivi o suficiente para ter uma resposta dada por mim mesmo e que satisfaça a minha curiosidade.

Talvez nunca a tenha. Talvez eu a tenha em meu leito de morte. Talvez, porém, eu não venha a morrer de maneira a poder refletir sobre minha vida retrospectivamente.

As pessoas que têm este tipo de oportunidade, a de refletir sobre a vida pouco antes de morrer, costumam dar depoimentos interessantes, embora que óbvios. Não falarei sobre o tema das "reflexões no leito da morte" agora, mas prometo que uma dia falarei sobre o assunto com a atenção que o tema merece. Basta agora que eu aceite que a maioria dos depoimentos dos que refletem sobre suas vidas ao morrer recomendam menos disciplina e mais liberdade e caos, mas decidir se essas recomendações estão corretas ou não fica para outro momento.

Concluo lembrando que só podemos mudar nossa vida com relação ao futuro, e nunca em relação ao passado. Mas o futuro é incerto, de maneira que não há regra capaz de garantir que ser ou não ser disciplinado irá fazer deste futuro uma vida melhor ou pior do que imaginamos para nós mesmos.

A questão da incerteza do futuro é um problema universal não resolvido, e não serei eu que irei resolvê-lo agora, aqui, neste blog, nesta postagem singela. O que quero frisar é que eu tenho consciência de que nem mesmo os moribundos, em que pese a sabedoria de uma visão retrospectiva, detêm o poder do oráculo, e suas recomendações não possuem o poder de corrigir a vida de outras pessoas. A questão da incerteza permanece.

Falarei muito sobre o futuro neste blog, mas não agora. Agora, encerrarei esta argumentação sobre a disciplina e as limitações que ela impõe e recomendarei que leiam o próximo post. Ele abordará a disciplina sob outros aspectos, ampliando o assunto e trazendo outras considerações que julgo interessantes de serem lidas.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Como ser uma pessoa disciplinada?

Tendo falado sobre a importância da disciplina em meu último post, abordo agora a trigésima oitava pergunta, da série que fiz em 2001, e para a qual venho tentando dar respostas satisfatórias, para satisfazer minha própria curiosidade intelectual.

Admitindo que livros de autoajuda são manuais disfarçados de literatura, e que só surtem efeito se forem seguidos com disciplina, e tendo ainda admitido que disciplina é então fundamental no processo de se aplicar recomendações dos livros de autoajuda, faço o seguinte questionamento:

"Como ser uma pessoa disciplinada?"

A razão desta pergunta é que há a percepção de minha parte de que ainda que a disciplina seja fundamental, ela é relativamente rara, quer dizer, a disciplina não é um dom natural com o qual as pessoas nascem e que se desenvolve sem maiores esforços, como uma orelha ou um pulmão. A minha percepção é a de que a disciplina é um atributo que requer esforço consciente de um indivíduo para que venha a se estabelecer. Não acredito que as pessoas nasçam naturalmente disciplinadas, nem que passem a ser disciplinadas sem esforço ou treinamento. Assim, se a disciplina é uma habilidade que se aprende, tal qual uma língua ou a capacidade de ler ou andar de bicicleta, então, o que uma pessoa precisa fazer ou saber para se tornar disciplinada?

Não conhecia, quando da pergunta, nenhum método eficaz que servisse para incutir disciplina como um hábito no comportamento de uma pessoa. Hoje, talvez eu disponha de mais conhecimento sobre o assunto, mas este conhecimento é limitado. Afinal o assunto é polêmico e não dispõe de respostas definitivas nem mesmo entre os especialistas. Bem, esta pergunta então, sou forçado a admitir, não possui uma resposta completa.

Na verdade, o tema da disciplina tomará grande tempo e esforço de minha parte ao longo dos anos, depois de feita esta pergunta, em 2001. Como este post é forçosamente limitado à circundar a pergunta original em si, creio que não há muito o que dizer mais, além do que o já dito. Disciplina é importante, sabemos todos, mas não sabemos como tornar as pessoas disciplinadas.

Esse conhecimento é buscado por diferentes pessoas, grupos e ciências, por diferentes motivos, com diferentes objetivos. Assim, o campo é rico em possibilidades. Na medida em que formos avançando com este blog, mais e mais veremos o assunto ser abordado, em um grau cada vez mais profundo, e mais e mais perceberemos as razões de ser um tema tão interessante e discutido.

Por ora, é bom que saibamos que a busca por fórmulas capazes de tornar as pessoas disciplinadas é um daqueles tipos de alvos que significam o desenvolvimento potencial de toda uma indústria, e cuja solução implicaria riqueza, poder, sucesso, fama e grandiosidade tal que rivalizaria, sem exageros, aos louros colhidos pelo descobrimento da energia atômica, ou do DNA, ou ainda o da pedra filosofal, se esta existisse. Creio que este julgamento da importância que atribuo ao poder de controle da capacidade da disciplina não é exagerado porque a História assim me autoriza. Evidentemente, a história é riquíssima em exemplos de lutas pelo poder, embora não seja de modo algum óbvio em um primeiro relance conseguir vislumbrar o elo entre esses exemplos e a conquista da disciplina propriamente dita. Mas quando passamos a vê-la como um instrumento de controle social, como uma habilidade que não precisa ser necessariamente adquirida voluntariamente, então podemos pensar em tentativas de controle social por métodos não psicológicos, nem voluntários, e motivados por objetivos pouco pessoais ou altruístas, e então a disciplina passa a ser vista como uma ferramenta política, ganhando uma dimensão que vai muito além daquela que comumente lhe atribuímos, uma dimensão que não tem quase nenhuma relação com força de vontade ou motivação pessoal. Mas então, já estamos indo longe demais com o tema, e devemos caminhar por meio de passos seguros, para não nos confundirmos com a complexidade do assunto.

Portanto, ser uma pessoa disciplinada é, mais do que um desejo pessoal, um poder social que transcende o indivíduo. Por transcender o indivíduo, ganha o interesse de grupos e ramos científicos que passam então a estudar o tema de maneira ampla e variada. Esses estudos são por demais complexos para serem tratados em um único post, mas precisam ser tratados, de uma forma ou de outra, por este blog, porque assim o determina a curiosidade pessoal do autor.

É o que faremos, mas não agora.

Agora, no próximo post, trataremos da trigésima nona pergunta. Caminhemos com mais dúvidas...

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

A importância da disciplina

A trigésima sétima pergunta da série que discuto atualmente neste blog tem conexão direta com a pergunta respondida nas duas últimas postagens

Eu conclui a última postagem afirmando minha dúvida quanto à veracidade da concepção de que todo aquele que compra um livro de autoajuda o lê de fato e tenta aplicar aquilo que lhe é sugerido como uma ação que pode ajudar a conseguir o que quer com a compra do livro.

Afirmei que um leitor tem sucesso com um livro de autoajuda na medida em que disciplina-se a lê-lo e a seguir o que o autor recomenda que siga. Mas, será assim tão simples?

A minha trigésima sétima pergunta é:

"Qual a importância da disciplina?"

A resposta para esta pergunta parece-me das mais fáceis. A importância da disciplina é fundamental, e não somente para aquele que pretende ler livros de autoajuda e obter algum benefício pessoal no processo. Ela, a disciplina, é importante em qualquer processo de aprendizado que envolva alguma complexidade e que demande algum tempo de esforço continuado e progressivo. Não se aprende tudo de uma única vez. E não se aprende pela metade. O que quer que se queira aprender de fato, é preciso que seja aprendido em sua completude. 

Evidentemente, há diferentes graus de profundidade e um determinado ramo de conhecimento ou de habilidade pode ser aprendido, ou melhor, estudado, mais ou menos intensamente e cada pessoa deve saber por si só o quanto desta profundidade lhe interessa. Uma pessoa pode se contentar com noções elementares, outra, com um grau avançado de profundidade, e há ainda umas poucas cuja satisfação está justamente em estudar um assunto tão a fundo que lhe alarga as fronteiras, e são em geral pioneiras em avanços que depois são compartilhados com o resto da humanidade, em um processo de desenvolvimento e aprendizagem sem fim.

Assim, dentro de seu espectro de necessidades, um indivíduo pode saber tanto quando queira. A menos que queira saber rudimentos, e para isto dedicar apenas algumas horas de estudo na vida, precisará se esforçar para atingir o nível que lhe pareça adequado. Evidentemente que a maioria dos compradores de livros de autoajuda se enquadram na categoria dos que querem apenas aprender rudimentos, e para tanto, dedicam apenas o tempo necessário para uma leitura parcial de uma determinada obra. Mas, para os que querem ir além, é preciso mais.

Um livro médio, nem muito grosso, nem muito fino, demanda várias horas de leitura atenta e contínua. Não é comum que se leia um livro desses em apenas um ou dois dias de esforço concentrado. E se alguém assim o fizer, não obterá tanto proveito quanto outro que ler um livro compassadamente, em dias sucessivos, sem grandes intervalos, sem grandes excessos, e que tenha o tempo necessário para meditar sobre aquilo que lê a cada dia, em um processo de assimilação calma e amadurecida, e não por meio de uma leitura sonolenta, longa, cansativa ou muito rápida.

Ora, ler requer disciplina. O hábito de leitura é extremamente prazeroso, mas não muito comum hoje em dia. Evidentemente, há milhões de leitores vorazes no mundo moderno, mas são poucos comparados ao número de outros tipos de consumidores de informações, tais como os que formam as audiências de televisão, cinema, internet, jogos eletrônicos ou qualquer outro tipo de lazer tão comum no dia-a-dia. Ler é demorado, requer atenção, calma, local adequado, silêncio, tempo. 

Mas livros de autoajuda, como já disse em outras postagens anteriores, são na verdade manuais.

Manuais são ainda mais difíceis de serem lidos. Eles demandam mais leituras que um simples romance. Eles demandam anotações, rascunhos, exercícios, planos, projetos, tabelas. Eles não foram escritos para serem lidos como meras fontes de entretenimento e lazer. É certo que não são escritos como livros técnicos, para não parecerem muito difíceis de serem seguidos, mas eles são tão técnicos quanto livros de engenharia, administração ou economia. Apenas são escritos em linguagem popular, usam exemplos do dia-a-dia e parecem serem fáceis de serem seguidos, mas não são.

Disciplina para ler já é um atributo difícil. Já disciplina para um estudo sério de um livro com vistas à sua aplicação prática é ainda mais difícil. Ter disciplina é um atributo que é pré-condição para que um leitor possa tirar um mínimo de proveito de um livro de autoajuda. Sem esta disciplina, não há a menor possibilidade de sucesso nesta empreitada, que sequer será vista como uma empreitada. Ler pelo mero prazer de ler não produz resultado real algum na vida de quem quer que seja quando falamos de autoajuda. Não é uma questão de mera mentalização, ou força de vontade, ou o caso de se descobrir e tomar posse de algum segredo por meio de uma mera leitura, como se livros de autoajuda fossem manuais de bruxaria ou esoterismo, cheios de segredos e palavras mágicas que, uma vez conhecidas por meio de um simples correr de olhos, já seriam capazes de dar àquele que as lesse todo o poder contido nelas, como chaves mágicas para cofres secretos recheados de tesouros ocultos. Não, não há mapas de tesouros enterrados em livros de autoajuda, e não há palavras mágicas esperando para serem aprendidas, nem exercícios mentais simples e fáceis que darão àquele que os colocar em prática o poder de atrair riqueza e sucesso como um imã humano. Qualquer livro que sugira ou prometa algo desta natureza estará mais para charlatanismo do que para autoajuda genuína, e merece, se não o descrédito imediato, pelo menos uma forte dose de desconfiança e ceticismo, para dizer o mínimo.

Então, se não há mágicas, a mágica está na disciplina. Mas, se a disciplina é tão importante, por que ela é tão rara? Mas já estamos indo longe demais. A pergunta se limita a questionar a importância ou não da disciplina no sucesso com a leitura de livros de autoajuda. A resposta é a de que a disciplina é fundamental, a menos que estejamos lendo livros mágicos. Caso contrário, teremos então manuais disfarçados de romances, mas tão difíceis quanto um livro de matemática.

Ora, a constatação é a de que a disciplina, ainda que fundamental, aparenta ser um atributo raro. Daí, diante desta constatação óbvia, dei como respondida a questão deste post e fiz minha próxima pergunta, a qual tratarei no post seguinte.

Agora, não falamos mais de mágicas. Agora, o assunto toca em nossas forças (e fraquezas) pessoais.

Aos poucos, eu me aproximava daquilo que viria a me tomar a atenção por um longo tempo: o fascinante mundo do comportamento humano.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Autoajuda funciona? - parte II

Dando continuidade ao post anterior, tento responder a seguinte pergunta:

"Por que os leitores de Dale Carnegie e Og Mandino não são milionários e felizes?"

Teci uma série de comentários na primeira parte de minha tentativa de resposta com o objetivo de preparar o terreno para a resposta em si, que não é, ao meu ver, uma resposta simples e conclusiva.

Quando começamos a ler um livro de autoajuda, em geral temos duas maneiras de chegarmos a ele: ou nos deparamos com o livro por acaso, sem nunca ter visto ou ouvido falar nele, ou somos apresentados ao livro por alguém, um amigo, um colega, um psicólogo, uma propaganda, uma matéria em uma revista, ou uma recomendação em um site.

No primeiro caso, quando nos deparamos com livros por acaso, somos levados a escolher comprá-lo, ou emprestá-lo, e lê-lo depois de uma breve análise do tipo: esse assunto me interessa? Eu tenho este tipo de problema? Eu posso ter um problema e não saber que tenho? Existe algum segredo neste livro que eu precise saber?

Daí, para sabermos se o livro é bom ou não, as editoras colocam nas capas o número das vendas do livro. Dois milhões de leitores mundo afora. Primeiro lugar na lista do jornal X ou Y. Recomendações de dúzias de autoridades.

Por outro lado, no segundo caso, nem precisamos muito de saber ou se importar em saber quantas pessoas já compraram o livro antes. Se ele teve uma recomendação de alguém cuja opinião julgamos confiável, então se essa recomendação nos interessa, chegamos ao livro já predispostos a aceitar que deve ser um livro bom, porque ninguém nos recomendaria um produto ruim.

Então, livros de autoajuda costumam ter boas vendagens, e as editoras exploram essa vantagem, e por um certo tempo, tem-se um ciclo de sucesso em torno de um tema ou de um autor específico. É o caso de Dale Carnegie e Og Mandino, além de centenas de outros autores.

Mas, se esses livros são tão vendidos e tão recomendados, é porque eles trazem alguns benefícios aos seus leitores, correto? Do contrário, por que comprá-los, e por que recomendá-los?

Mas, se eles prometem sucesso, saúde mental, riqueza, ou seja lá o que for, por que toda essa massa de leitores não demonstram estar usufruindo dos benefícios que os livros prometem?

Temos então algo como um livro que promete a riqueza fácil, temos o leitor A que o compra, o lê, não fica rico, mas ainda assim recomenda o livro para o leitor B, que o compra, ainda que saiba que B não ficou rico lendo o livro, numa prova clara de sua ineficácia.

Como isso é possível?

Então, tentarei responder esta questão lembrando que a mente humana possui uma lógica que não é necessariamente racional.

Se a pessoa A tem uma doença e um médico lhe receita o medicamento X, e esta pessoa A se cura usando X, quando A encontra uma pessoa B que tem a mesma doença, ela recomenda o uso do medicamento X. Mas se o medicamento X não tivesse curado a pessoa A, ela jamais recomendaria o mesmo para a pessoa B. Se é assim, por que as pessoas recomendam coisas que funcionam e ao mesmo tempo, recomendam coisas que não funcionam?

Mas não são somente livros de autoajuda que não funcionam. Há um caso ainda mais interessante de produto que promete algo, mas não cumpre aquilo que promete, e ainda assim, é consumido desenfreadamente: são os jogos de azar.

Tomemos o caso de um jogo de loteria. Sorteia-se bolas, tem-se uma combinação de números e quem acertou esses números ganha uma fortuna. As probabilidades de se ganhar em uma loteria são infinitamente pequenas, mas as pessoas continuam jogando, porque o investimento é pequeno, as chances são pequenas, mas se vierem a ganhar, tudo será compensado. Assim, podemos inferir que livros de autoajuda são como jogos de loterias?

A resposta é: sim. Livros de autoajuda estão mais para jogos de loteria do que para remédios para doenças em geral.

Há uma explicação para a percepção humana de que jogos e livros de autoajuda são ganhos fáceis, e doenças são perdas inaceitáveis. Podemos correr o risco de não ficarmos ricos com loterias e autoajuda, porque já vivemos confortavelmente bem hoje, sem a ajuda deles. Apenas racionalizamos nossa tentativa de melhora dizendo a nós mesmos que não custa muito tentar melhorar nossa vida investindo uns trocados em algo que pode nos proporcionar retornos assombrosos. Afinal, temos pouco a perder e muito a ganhar, apesar de não estarmos tão ruins assim hoje. O risco é pequeno. Por que não tentar só um pouquinho? E se der certo?

Já um remédio é fundamental. Não se brinca com doenças. O risco é muito alto. Temos muito a perder. Temos, na verdade, tudo a perder. Ou investimos todos os nossos esforços e agimos eficiente e rapidamente para eliminar o risco, ou estamos em maus lençóis. Não vale a pena fazer experiências com nossa saúde, nossa segurança, nossas economias. Dentro de nosso estado de conforto, uma doença, um esporte arriscado, um carro sem um acessório de segurança, são coisas que podem nos levar a uma situação pior. São ameaças a nosso conforto. São fontes de aborrecimento que precisam de supressão imediata. Nosso conforto precisa ser mantido a todo custo. Não nos esforçamos muito para ficarmos ricos com base em um golpe de sorte ou um truque fácil, mas nos esforçamos muito para não descermos um degrau sequer na escada social, ou para não perdermos dinheiro, ou não termos nossa saúde abalada, ou para não termos nossa integridade física ameaçada.

Somos, enfim, seres que buscam a estabilidade.

Assim, milhões de pessoas compram livros de autoajuda, mas poucas ficam realmente ricas, espiritualmente bem, melhores em relacionamentos sociais, melhores comunicadores, melhores empregados, e assim por diante. Um livro de autoajuda é um bilhete de loteria. Apostamos alguma coisa lendo-os, mas o vemos apenas como um potencial caminho fácil, um atalho para um mundo melhor, e não o levamos muito a sério. Se as coisas forem fáceis, ótimo. Do contrário, não perdemos nada, ou quase nada. Afinal, o que são algumas dezenas de Reais e uma ou duas horas de leitura perdidas? Não é nada, se considerarmos que caso a coisa fosse fácil, poderíamos ter ficado ricos.

Mas, as estatísticas do  mercado editorial dizem mais. Caso queira saber mais sobre quando e porquê este tema estatístico entra na discussão, leia a postagem anterior, onde introduzo e explico o tema.

As estatísticas do mercado editorial afirmam que embora um livro possa ter números de vendas na casa dos milhões, para a comprovação da efetividade do mesmo para uma pessoa em particular que o lê isso pouco importa. Grosso modo, porque não pretendo agora me adentrar em números estatísticos e tabelas, podemos afirmar que um livro vendido não significa de modo algum um livro lido. E um livro lido não significa de modo algum um livro lido por inteiro. E ainda, mesmo um livro lido por inteiro não significa aprendizagem, estudo e aplicação eficaz daquilo que propõe o livro.

Milhões compram os livros de Dale Carnegie, apenas alguns milhares leem o livro do começo ao fim. Apenas algumas centenas o estudam sistematicamente. Apenas algumas dezenas de pessoas no mundo se dão ao trabalho de aplicar em suas vidas de maneira efetiva tudo aquilo que o autor sugere, sem permitir que se realize ações inócuas, ações contraditórias e ações prejudiciais.

Livros de autoajuda não são romances a serem lidos por deleite e prazer estético. Livros de autoajuda não são bilhetes de loteria que compramos e esperamos que o dinheiro jorre após a leitura de algumas páginas iniciais. Livros de autoajuda são como árduos, ásperos manuais de engenharia, destinados especificamente aos engenheiros, e que ensinam processos complexos, embora não exaustivamente comprovados. São como um manual que nos ensina a construir em casa um foguete que nos leve não à Lua, que já foi visitada, mas a Marte. Não adianta ler somente. É preciso mais, muito mais.

A resposta à pergunta, dita de maneira clara, sintética, pode ser expressa da seguinte maneira: os compradores dos livros de autoajuda não estão necessariamente ricos e felizes porque livros de autoajuda não foram escritos apenas para serem lidos descontraidamente. Eles foram escritos para serem aplicados na vida real, sem qualquer certificado de garantia de que teremos sucesso na aplicação de suas recomendações, porque não estamos lidando com coisas do mundo físico, tais como circuitos, metais, ligas, peças e parafusos, mas com modos de vida, hábitos, cérebro humano, finanças globais, relacionamento humano, química cerebral, história pessoal, interação social, aleatoriedade de eventos, subjetividade, incerteza, lapsos de conhecimento, imprecisão, enfim, estamos lidando com um mundo rodeado de caos.

Então, o problema está nos leitores?

Até prova em contrário, sim. 

Na verdade, o problema está justamente na falta de leitores. O problema está na falta de um método eficaz de leitura e estudo dessa categoria de livros.

O problema, em suma, está, ao menos em seu estágio inicial, em nossa incapacidade de saber lê-los. 

Não sabemos ler livros de autoajuda. Claro, os autores se esforçam para nos ensinar como usar seus livros, mas eles falham mesmo neste aspecto inicial, porque as pessoas não prestam atenção nem mesmo às recomendações elementares de seus autores.

Mas por que os leitores não conseguem ler corretamente livros de autoajuda? Eles não são escritos na mesma língua e na mesma linguagem da maioria dos livros normais que estamos acostumados a ler?

Sim, mas eles não são livros normais. Não se toma de um livro de um romancista qualquer esperando receber ordens para se fazer isto ou deixar de fazer aquilo. As pessoas não estão acostumadas a seguir instruções por meio de livros que parecem romances, mas não são. Para isto, é preciso uma nova forma de leitura, uma forma de leitura mais atenciosa, previamente pensada, um estado de espírito que precisa ser preparado antes de se começar a ler um livro desta categoria, para não se correr o risco de se ler e nada aprender.

A leitura de livros de autoajuda supõe uma leitura diferente. Um leitura que requer algo que podemos chamar de disciplina.

Anotemos esta palavra: disciplina.

Em torno dela teceremos maiores e mais profundas considerações nas próximas postagens.

Quando cheguei a este entendimento, em 2001, a respeito do porquê do fracasso dos livros de autoajuda, percebi que havia um componente envolvendo a disciplina.

Daí, não interrompi meu fluxo de dúvidas, e fiz uma nova pergunta, agora abordando esse novo aspecto da questão. Foi a minha trigésima sétima pergunta. 

Abordarei esta nova pergunta no próximo post. 

Se o assunto lhe interessa, continue lendo.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Autoajuda funciona?

A trigésima sexta pergunta que fiz dentre a série que abordo atualmente neste blog é uma pergunta cética que volta seu poder de fogo contra a literatura de autoajuda em geral.

Eu disse em meu post anterior o que são regras e manuais, que manuais são conjuntos de regras, que regras são fáceis de serem expressas, mas não necessariamente simples de serem seguidas, e que não há relação entre a expressão de regras e manuais e a dificuldade na execução dos mesmos.

Se livros de autoajuda são livros que contêm regras que pretensamente devemos seguir para alcançarmos os objetivos propostos pelo autor e que nos interessa alcançar, então eles são espécies de manuais, ou seja, coleções de regras. Se uma simples regra pode ser difícil de ser seguida, que garantia há de que seremos capazes de seguir dezenas, centenas delas, organizadas de forma tal que não temos sequer a mínima garantia de que não sejam inócuas, contraditórias entre si ou mesmo que os esforços em busca de atender algumas delas não anule os benefícios já alcançados com a observância de outras delas, em um processo de construção e destruição que não nos leva a lugar nenhum, embora nos encha de esperança e nos consuma tempo, esforço e dinheiro como qualquer outro projeto que realizamos em nossas vidas?

Esta visão cética fez-me registrar a seguinte pergunta:

"Por que os leitores de Dale Carnegie e Og Mandino não são milionários e felizes?"

Em outras palavras: autoajuda funciona?

A resposta a esta pergunta é muito difícil de ser dada. E a razão desta pergunta é o ceticismo em relação à capacidade destes manuais serem efetivos ou práticos para aqueles que os leem. 

Lendo os livros, nos deparamos com dezenas de casos de sucesso que os autores narram como exemplos de aplicação bem sucedida de certos princípios, ações ou estratégias. Esses exemplos objetivam nos convencer de que esses princípios funcionam, e podem vir a funcionar para nós, caso venhamos a aplicá-los.

Vamos considerar que nossas vidas sejam sistemas dinâmicos que buscam um estado de equilíbrio, mas que podem desestabilizar-se seja lá por que motivo for. Vamos considerar também que nossos corpos físicos sejam também sistemas dinâmicos que buscam um estado de equilíbrio, que podem desestabilizar-se seja lá por que motivo for. 

Quando nossos corpos físicos estão em desequilíbrio, percebemos este desequilíbrio fisicamente, seja em forma de dor, desconforto, má aparência ou por meio de qualquer outro indício. Em geral, chamamos esse desequilíbrio de doença. Para tratá-la, há toda uma indústria composta de profissionais, equipamentos, tecnologia, remédios e diagnósticos. Quando buscamos ajuda, somos monitorados, soluções nos são recomendadas e podemos aferir com bastante precisão nossa melhora, de forma que em determinado momento, somos considerados curados, na maioria dos casos menos graves. A medicina possui parâmetros bastante seguros para medir saúde e doença, e procedimentos efetivos são ministrados regularmente para diferentes tipos de problemas.

Quando nossa vida como um todo está em desequilíbrio, percebemos este desequilíbrio de formas diferentes. Por vezes, sequer percebemos que estamos em desequilíbrio. Nestes casos, vivemos como se tudo estivesse bem, e só percebemos que há um problema quando alguém aponta em nós este problema que precisa de atenção e solução. Assim, uma pessoa cuja vida é julgada normal por ela própria, depara-se um dia com um livro que lhe sugere que sua vida financeira, ou profissional, ou psicológica, ou sentimental, ou social, ou espiritual, pode não estar andando tão bem quanto ela imagina, e esta pessoa passa a questionar se tudo está mesmo bem ou não. Se julgar que não está bem, ela procura ajuda. Ajuda de quem? Não da medicina, e seus diagnósticos e procedimentos precisos. Em geral ela procura a ajuda daquele próprio sujeito que lhe apontou o problema. Ora, se alguém consegue perceber um problema em mim, ele pode também apontar uma possível solução. É o que fazem os livros de autoajuda. 

Há infinitas maneiras de se sugerir que algo não vai bem na vida de uma pessoa. Mas, por que fazê-lo? Qual a razão de se tomar como atividade profissional séria a tarefa ingrata de passar o tempo apontando defeitos nas vidas de outras pessoas? Se não se pode ajudá-las, qual o sentido em mostrar que não são perfeitas? Só uma mente malvada e sádica se contentaria em se empenhar no trabalho de apontar defeitos nas vidas de seus semelhantes. Não é este obviamente o intuito de autores de livros de autoajuda, nem de psicólogos, nem de gurus ou outros cuidadores de vidas e almas. Uma mente malvada obtém meramente um prazer psicológico no seu ato malvado. Este ganho, o mero prazer no sofrimento alheio, é algo que consideramos doentio e por fim, é esta mente malvada que é defeituosa, e não nossas vidas, ainda que estas sejam imperfeitas.

Não, autores de autoajuda não são mentes doentias. Eles genuinamente acreditam que o mundo é imperfeito, as pessoas têm problemas diversos, sofrem em decorrência desses problemas, mesmo sem saber que os têm, e como bons seres humanos, esses autores pesquisam meios de cura que podem diminuir o sofrimento do mundo, tal como um químico busca uma droga que possa curar uma doença que precisa de tratamento. Quando um autor de autoajuda aponta um defeito em nós, ele quer que deixemos de sofrer, e que tenhamos vidas mais ricas e felizes. E ele espera que seus conselhos e métodos sejam eficazes, e nos exorta a segui-los por meio de exemplos e estímulos que podem nos convencer a agir positivamente. 

Quando lemos livros de autoajuda, em geral nos empolgamos. Eles são manuais, mas não são como uma bula de remédio, ou uma receita médica, ou um manual de uma televisão de alta tecnologia. Eles são escritos de maneira tal que possamos lê-los de forma descontraída, por vezes divertida, em geral escritos de forma vibrante, empolgante, enérgica. 

Livros de autoajuda estão para a alma e a vida assim como caixas de comprimidos estão para a gripe e a pneumonia. São, no entanto, soluções diferentes, com embalagens diferentes, para problemas diferentes.

Não se toma de um livro e se lê um capítulo da mesma maneira que se toma de um copo d'água e se engole um comprimido, assim como não se detecta um erro de estratégia financeira pessoal da mesma maneira que se toma de um termômetro e se mede a existência ou não de uma febre.

No entanto, temos dados conflitantes sobre a indústria da saúde das vidas, enquanto temos dados bastante consistentes sobre a indústria da saúde física. Remédios químicos são testados, procedimentos médicos são avaliados, profissionais de saúde são treinados, doenças físicas são combatidas, algumas erradicadas, outras reduzidas em seus potenciais de letalidade, e medicamentos se consagram como eficazes no mercado farmacêutico. Já na saúde da vida, ainda imperam lemas de séculos a muito idos, regrinhas elementares de controle financeiro extraídos de contos de fada ou de fábulas milenares, e soluções místicas e pseudocientíficas grassam pela sociedade como grandes incêndios, passageiros, mas terríveis, e deixam rastros de destruição social que lembram graves epidemias, de onde muito pouco se pode tirar de útil e de proveitoso, e que são momentos lembrados cada vez mais tristemente à medida que as décadas avançam e os contemplamos com mais clareza e isenção.

A pergunta que fiz se deve a um fato que é óbvio, mas pouco observado. Há milhares de livros de autoajuda, e há vários deles que são verdadeiros best sellers. Alguns vendem milhões de exemplares, durante décadas. O que justifica esse sucesso editorial? O que sustenta essas vendas ao longo de tanto tempo?

Fosse um remédio qualquer lançado no mercado farmacêutico e se mostrasse pouco eficaz contra a doença a qual se propusera a curar, por que alguém haveria de promovê-lo ou divulgá-lo? Por que haveria alguém de recomendá-lo a um amigo, se não obtivesse benefício algum dele? Por que não há placebos sendo vendidos nas farmácias?

No entanto, somos livremente aptos a comprar soluções psicológicas em forma de livros de autoajuda sem que nada haja que nos alerte quanto à eficácia ou não daquilo que estamos comprando, a não ser uma possível tarja vermelha nas capas dos próprios livros nos lembrando de que milhares ou milhões de leitores já compraram antes o mesmo produto, a mesma solução, a mesma esperança. 

Estamos sendo enganados por um simples truque de marketing do mercado editorial?

Ora, não sabemos quantos leitores se beneficiaram das regras que os autores nos recomendam. Os exemplos de sucesso que temos em mãos são os mesmos que o autor elencou quando escreveu o livro, por vezes a dezenas de anos atrás, e que hoje talvez não façam sentido algum, ou não provem nada. Onde estão os métodos de aferição, que garantem a longevidade de um remédio em uma prateleira de um farmácia, que possam garantir a longevidade de um livro em uma prateleira de uma livraria?

A pergunta não é fácil de ser respondida.

Em 1996, em meu último ano de faculdade, escrevi uma monografia, exigida como parte de meu trabalho necessário para a conclusão de meu curso de Administração de Empresas. Como tenho especial paixão pelos livros e pelo conhecimento em geral, elaborei um pequeno estudo sobre marketing editorial. Havia outras razões para a escolha deste tema, mas não tratarei delas agora. De qualquer maneira, não era minha intenção na época tentar provar ou estudar qualquer coisa relacionada ao marketing ou à efetividade dos livros de autoajuda.

No entanto, tive acesso a dados estatísticos relacionados ao mundo editorial que me mostraram aspectos interessantes a respeito de leitores de livros em geral, que em 2001 viriam a ter papel importante quando da elaboração de minha pergunta cética a respeito dos livros de autoajuda.

O que os dados me mostravam em 1996, e que me despertou ceticismo em 2001, era que pessoas não lidam da mesma maneira quando falamos de livros e pílulas e comprimidos.

Claro, essa diferença de tratamento é óbvia sob muitos aspectos, e não seria preciso um estudo estatístico para provar o que qualquer pessoa pode ver: livros não são remédios.

Mas não é esta a questão que importa. Não é esta diferença óbvia que me interessa aqui.

O que me interessa aqui é: por que um remédio para gripe continuaria a ser bem vendido ano após ano, e apesar disto, seus consumidores continuariam a ter a gripe, como se a doença não pudesse ser curada, ou como se o remédio não surtisse efeito?

A verdade é que não sabemos  tanto quanto gostaríamos de saber sobre a relação entre consumo de remédios e cura de doenças no mundo real, assim como sabemos menos ainda a respeito de compra de livros de autoajuda e problemas pessoais que as pessoas enfrentam na condução de suas vidas.

Evidentemente, há pesquisas sobre remédios, mas não é esta a questão. Não sou especialista em hábitos de consumo e uso de medicamentos, e acredito que a indústria da saúde e a indústria farmacêutica, os maiores interessados no tema, possuem dados relevantes sobre os mesmos, mas o que me interessa são estudos semelhantes na área da literatura de autoajuda.

Será que temos informações seguras a respeito da efetividade dos livros de autoajuda, de psicologia, filosofia ou de qualquer outro ramo que vise nos ministrar soluções para problemas que não são físicos, mas são problemas tão sérios que por vezes precisam mais urgentemente de tratamento que a maioria das doenças físicas que tanta atenção recebe da indústria como um todo? Por que os problemas humanos que não são doenças físicas são tão mal compreendidos e tão pouco estudados? Por que se permite que mitos e enganos sociais se perpetuem no dia-a-dia da sociedade, como placebos, ou como emplastros, sangrias e outros métodos antiquados que provocam mais mal que bem sob o ponto de vista social?

Este post é sério, e portanto, longo. Encaminho o leitor para o post seguinte, se quiser acompanhar o desenrolar de meu raciocínio sobre o tema, e minha tentativa de responder a pergunta acima, porque preciso dizer mais sobre este assunto, e não pretendo fazê-lo neste único post.

Continuemos...

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Regras e manuais

Minha trigésima quinta pergunta da série que fiz em 2001 relaciona-se com a postagem anterior, que aborda as razões de regras e manuais não funcionarem.

A pergunta que fiz foi:

"Qual a diferença entre um manual e uma regra?"

Eu fiz a pergunta porque entendi que manuais e regras são palavras diferentes, mas, mais que isto, manuais e regras são coisas diferentes, embora se relacionem de alguma maneira.

A resposta que vejo como a correta é que um manual é um conjunto de regras, ou seja, regras são comandos simples, no sentido de que regras são comandos que são expressos por meio de um conjunto reduzido de palavras, de modo que podem resumir-se em frases ou sentenças simples. Já um manual é um complexo de regras, e em geral não são apresentados somente por meio de frases, mas de livros, com capítulos e partes que nos ajudam a organizar a complexidade daquilo que está sendo tratado.

Uma regra, ainda que simples do ponto de vista da maneira como é comunicada, não significa que seja simples de ser executada. Uma regra, ou um comando simples, tal como "dance!", se resume em uma simples palavra, mas dançar no mundo real em geral requer algum esforço, algum treinamento, e não se dança uma boa dança sem algum ensaio envolvendo passos em falso e erros desencontrados em geral.

Mas, não é deste tipo de comando que imagino quando trato de manuais e regras. O que tenho em mente são as regras de conduta de vida que aparecem em livros tais como os de autoajuda, psicologia, filosofia e administração, empreendedorismo em geral, que nos induz à ação prática, ação tal que pode teoricamente nos conduzir rumo a uma vida melhor e menos difícil.

Como exemplo, cito livros que nos recomendam cuidar da saúde, e nos dizem: "corra!".

Ora, sabemos que não é simples o ato de correr. É preciso um local adequado, roupas adequadas, tempo adequado e esforço físico tal que não há relação direta entre a simplicidade do comando e a complexidade da execução. Mandar é simples, e uma palavra é suficiente para expressar este comando. Já a execução demanda horas diárias de esforço, que deve ser repetido durante meses, anos seguidos com dedicação e perseverança.

Já um manual pode ser um complexo de comandos que tende a ser ainda mais difícil de ser seguido. Evidentemente, há manuais que não são tão complexos assim, tais como os manuais técnicos, como o que acompanha, por exemplo, um novo aparelho eletrônico, um controle remoto, um software. De imediato, a complexidade nos assusta, mas após algum tempo, executamos os comandos que aprendemos de maneira tão natural que mal percebemos o esforço despendido no processo de aprendizagem. Sentimos esse fenômeno quando dirigimos nossos carros no dia-a-dia. Dirigimos tão naturalmente que achamos engraçado quando vemos alguém com dificuldades nas suas primeiras aulas ao volante, e por vezes lembramos como nós mesmos estivemos em apuros em nossas primeiras aulas anos atrás, e então percebemos o quão poderoso é o processo de aprendizagem humana.

Mas, nossa vida não é tão simples de ser conduzida quanto um carro. Em geral, regras de vida que são simples de serem expressas podem se mostrar complexas ao serem executadas. Então, o que dizer, por exemplo, de um manual de orientação para toda uma vida?

Um manual de vida contém em geral comandos organizados dentro de uma ordem lógica para aquele que o edita, e um leitor encontrará comandos em série tais como "estude", "planeje seu futuro", "cuide de sua saúde", "faça uma rede de relacionamentos", "mantenha a sua saúde mental em dia", e assim por diante.

Não é fácil, temos que admitir.

Tanto não é fácil que a conclusão lógica a que somos forçados a chegar é a de que manuais de vida não funcionam. Regras até que podem ser seguidas a duras penas, mas os manuais são tão difíceis de serem seguidos que passam a ser vistos apenas como livros de leitura estimulante, mas impraticáveis, e portanto, desnecessários e descartáveis. Por que ler um livro árduo como qualquer um de Kant para no final se perceber que não há nada nele que possa ser usado de maneira prática que possa tornar-nos pessoas melhores e termos vidas menos difíceis e frustrantes? Podemos ler Kant por prazer, mas é só. Leríamos livros de orientação em geral mais como quem lê um romance ou um livro de história, cientes desde o primeiro minuto de que no final, ao fecharmos o livro depois de lermos a última página, teremos tido algumas horas de prazer estético, teremos aprendido coisas que não sabíamos, mas jamais esperaríamos nos tornar pessoas diferentes do que já éramos antes do início da leitura do livro.

Claro, somos seres maleáveis, mas raros são os livros que podem nos mudar pela sua simples força ou poder de convencimento, exceto se for escrito de tal forma que possa ser seguido sem muito esforço e dispêndio de tempo. Mas então, não estamos mudando nossas vidas assim de uma maneira tão séria e contundente que possa ser considerada importante. É como lermos quinhentas páginas de um livro sobre saúde para no fim chegarmos à conclusão de que não devemos esquecer de escovar os dentes todos os dias. Está certo, há um ganho nisto, mas este ganho por si só não faz nossas vidas serem radicalmente melhores do que a vida de alguém que escova os dentes sem o conhecimento que temos em função da leitura atenta que empreendemos do livro de saúde.

Isto significa que não devemos ler livros de autoajuda?

Essa posição é radical, mas o momento em que elaborei essa questão, e todas as outras mais que abordo aqui neste blog, era também um momento de radical importância, um momento para se colocar em dúvida toda e qualquer pré-concepção que eu pudesse ter sobre coisas que eu pensava e fazia, porque, afinal, minha vida não estava em um rumo certo, e era preciso questioná-la.

Daí, não me dei por satisfeito por ter questionado sobre a diferença entre regras e manuais, e fui adiante, fazendo a minha trigésima sexta pergunta, que é importantíssima, e da qual tratarei no meu próximo post desse singelo e discreto blog.