quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Primórdios musicais

Eu sempre falo alguma coisa sobre música neste blog. Nas primeiras postagens, em 2004, eu andava ouvindo Frank Zappa.

Mas já que eu gosto de música, mas gosto também de pensar as coisas em termos de ideias a serem discutidas, ainda que apenas por mim mesmo, vou falar sobre algo que tenho planejado relatar já a alguns meses, mas não o fiz por falta de tempo: vou falar sobre os primórdios de minhas experiências musicais.

Eu, em 2004, ouvia Zappa. Antes disso, eu ouvia rock, e houve um tempo em que eu não ouvia nada, antes de 1970, porque eu não existia ainda. Essa constatação pode parecer boba, irrelevante, mas não é. Eu disse nas últimas postagens que gosto de literatura, mas gosto também de música. Ora, é verdade que gosto de ambas as formas de arte, mas confesso que minhas experiências de apreciação de música são muito mais antigas que as minhas experiências literárias.

Estou falando de um tipo de experiência, a experiência da apreciação musical, que pode dar-se, segundo a ciência, ainda durante nossa estada no útero de nossas mães.

Então, quando digo que minhas experiências musicais devem ser consideradas desde 1970, já que nasci neste ano, falo de uma maneira séria, porque, de certa forma, eu poderia ainda no útero de minha mãe já estar experimentando ouvir certo tipo de música ou som.

Mas, não.

Em 1970, evidentemente já havia muita música de todo tipo. Mas, em 1970 não era um fato comum as mães colocarem música para seus bebês ouvirem ainda no útero.

Não sei dizer desde quando os cientistas sabem que os fetos podem ouvir música ainda no útero. Creio que o sistema auditivo deve formar-se e amadurecer nos estágios finais do processo de formação de um feto, por isso, não faz muito sentido falar em fetos de poucas semanas ouvindo música, mas, de qualquer forma, eles, os fetos, podem ouvir música, digamos, no oitavo ou nono mês de gestação. Eles podem gostar de certos tipos de música? Talvez. É possível que as mães que façam experiências com seus bebês ainda no útero possam tentar e vir a saber se os bebês reagem e como reagem a músicas de tipos variados. Talvez os bebês fiquem mais calmos ou agitados dependendo do tipo de música. Não sei.

Uma coisa é certa: minha mãe não colocou música para eu ouvir enquanto eu ainda estava no útero. Ela provavelmente nem cantou para mim no útero. Sei disso porque se ela tivesse feito qualquer uma dessas duas coisas, ela me falaria. Nunca perguntei, na verdade, mas em 1970, meus pais não tinham nenhum tipo de aparelho de som em casa, nem televisão, nem nada que pudesse reproduzir algum som gravado em algum tipo de equipamento tecnológico. Em 1970, pouco gente tinha toca-discos, toca fitas ou rádio. E minha mãe nunca foi muito de cantar canções de ninar mesmo depois que nascemos, eu e meus dois irmãos. Ela nunca disse que cantava para nós ainda no útero. 

Se tivesse cantado, ou se tivesse tocado músicas para mim ainda no útero, eu me lembraria das músicas?

Não sei. Boa pergunta...

Bebês recordam-se de músicas depois que nascem? Guardam essas memórias por quanto tempo? Se sim, essas recordações desaparecem com o tempo? São perguntas para neurologistas e psicólogos...

Então, nasci perfeito, com o sistema auditivo normal, aprendi a ouvir e aprendi a falar normalmente, e em algum momento tive contato com a música.

Com canções de ninar é certo que tive contato. Poucas canções, duas ou três... Nana, nenê, que a cuca vem pegar...

Nos primeiros três, quatro anos de vida, continuamos sem aparelhos de som em casa. Mas então, um vizinho tinha um rádio.

Morávamos numa casa simples, e entre nossa casa e esse vizinho, havia um lote vazio, a que chamamos "data".

Uma data era um lote. Na verdade, eram dois lotes, mas chamávamos aquele pedaço de terra cheio de mato de data. 

Pois bem, entre nossa casa e a casa do vizinho, Sebastião Müller, havia a data da família dos Mistura.

Sebastião Müller era apenas o Bastião. Bastião Müller.

Bastião era descendente de imigrantes alemães, vindos da cidade de Limeira, no interior de São Paulo. Nós morávamos no vilarejo de Tujuguaba, pertencente ao município de Conchal, na região de Campinas. Em 1970, Tujuguaba era um grupo de casas tal como ainda é hoje, mas bem mais primitiva e pobre.

Bastião trabalhava na roça. 

Acordava cedo, lá pelas cinco da madrugada. Arrumava a comida, tirava água do poço, fazia marmitas, esquentava o fogão a lenha, tossia longa e profundamente devido aos longos anos de cigarro, e ouvia música em um rádio velho e grande, à válvula, que era de onde eu comecei a ouvir minhas primeiras experiências musicais das quais sou capaz de me recordar. Que tipo de rádio era: um Sânio, um Telefunken, um Philco, um Phillips? Não sei, mas apostaria que era um Telefunken.

Entre os anos de 1970 e 1975 houve rigorosos invernos. Naqueles anos, geou nos meses mais frios, e minha mãe nos acordava cedo para ver a fina camada de gelo sobre o mato da data. E do outro lado da data, a família dos Müller se preparava para o trabalho ouvindo rádio.

O que ouvíamos, nós e os Müller?

Música caipira.

Não me recordo de onde eram as estações de transmissão. Provavelmente eram das cidades vizinhas: Araras, Mogi-Mirim, Limeira. O mundo das rádios AM e FM é um mundo à parte.

Mas, pensando bem, naquela época creio que só se pegava no rádio dos Müller as ondas AM. Mas essas ondas são de longa distância. Então, era possível que eu ouvisse estações de longe, muito longe. Quem sabe de São Paulo, Rio de Janeiro ou ainda mais além. Não sei.

Eu me recordo de ouvir muito as músicas de Tonico e Tinoco. Eles dominavam as madrugadas com suas vozes agudas e suas letras caboclas. De quais músicas me recordo? Não sei... moreninha linda, do meu bem-querer, é triste a saudade longe de você...

Mas não só esta, é certo.

Na primeira metade dos anos 70 ainda havia muita gente que ouvia com saudade as duplas que se consagraram na década de 60 e mesmo na de 50. Não havia ainda duplas modernas como veríamos alguns anos depois. E, além do mais, havia outros tipos de música nas estações, mas os Müller só ouviam música caipira, porque ou só gostavam deste estilo, ou o aparelho só pegava aquela estação. Não importa. Seja por gosto, seja por falta de opções, eles, os Müller, ouviam sempre as mesmas coisas, e eu me recordo dessas madrugadas frias, o tossir longo e rouco do Bastião, o ranger das cordas no rolo da manivela do poço d'água, o estalar das panelas, e Tonico e Tinoco.

Eu nasci caipira, concluo.

A variedade do pensamento humano

Escrevi o último texto tratando de literatura, e fiz promessas dizendo que escreveria mais sobre o assunto. Não é agora, neste texto que estou escrevendo e você está lendo, que cumprirei essas promessas, porque meu pensamento está focado em outros assuntos que não mais a literatura.

É que meu cérebro é um órgão cujo foco de atenção é volátil.

Não sei dizer se todo mundo tem a mente volátil como eu tenho a minha, mas posso afirmar que eu tenho a mente volátil e portanto, não me fixo muito em um único assunto, nem neste blog e nem na vida real, nos sucessivos minutos em que estou lúcido e acordado, de forma que faço promessas exatamente porque não consigo me fixar em um assunto o tempo suficiente para tecer todas as considerações que consideraria adequadas. Quer dizer, pago o que devo em parcelas. Nos intervalos, salto para outro assunto, tal como um grilo, e agora, por exemplo, falo exatamente sobre esta característica bastante minha, a de ter uma ampla variedade de interesses em meus pensamentos corriqueiros, de maneira tal que não me fixo em quase nada, a não ser com muito esforço.

A variedade do pensamento humano é uma realidade, mas ela é um fato que é em grande parte decorrente da era da informação na qual vivemos. Confesso que me sinto consternado diante de tantas demandas apelativas clamando a minha atenção tão cara e escassa.

A variedade do pensamento humano, no entanto, não deve ser infinita, já que nem sempre gostamos de tudo.

Assim, embora eu goste muito de literatura, prefiro falar sobre outros assuntos.

De música por exemplo.

Dúvida?

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A literatura como forma de socialização

Dentre as muitas possíveis ideias que eu poderia discutir neste blog, discutirei primeiramente a própria existência dos blogs.

Eu poderia falar de outros assuntos, tal como música, política, finanças e astronomia, mas inicio pelo tema da literatura porque é disso que este blog trata: ele é uma ferramenta literária, mais que qualquer outra coisa.

Um blog pode prestar-se a uma série de utilidades, mas em geral podemos classificá-los entre blogs pessoais e comerciais, quer dizer, blogs que existem e pertencem a pessoas comuns e blogs que existem e pertencem a empresas.

Evidentemente, este blog é pessoal.

Ele não visa (ainda) a vender nada. Ele visa a disponibilizar meus textos, que tratam de uma variedade de assuntos, sem maiores pretensões financeiras.

Eu poderia considerar meus textos como não disponíveis ao público, e escrevê-los só para mim, como um mero registro privado.

Por que não mantenho meus textos privados? Por que escrever e disponibilizar ao mundo o que se escreve? 

Se o que escrevo não visa a vender nada para ninguém, então posso, despretenciosamente, chamar meu blog de não-comercial, pessoal, e por fim, literário. Não se pode concluir daí que ele tenha alguma qualidade literária, mas, de qualquer maneira, ele é uma forma de literatura.

E ele é público. Logo, as pessoas podem ler os textos e gostar ou não, sem maiores implicações.

Se o que escrevo é uma forma de literatura, e se esta literatura é pública, então podemos pensar em porque escrever e depois, podemos pensar em porque divulgar o que se escreve.

Porque eu escrevo um blog?

Eu escrevo este blog porque eu gosto de escrever.

Eu gosto de escrever faz um bom tempo. No momento em que escrevo esse texto tenho quarenta e quatro anos. Mas aprendi a escrever, quer dizer, fui alfabetizado quando tinha meus seis, sete anos. Aprendi a escrever em 1977. Sei escrever alguma coisa a trinta e sete anos.

Evidentemente, qualquer pessoa que tenha frequentado uma escola e tenha sido alfabetizada poderia ser classificada como escritora, se assim fosse tão simples. Não é este o caso, e de fato, eu não posso dizer que o que escrevi durante meus anos de escola tenha qualquer coisa de literária.

Como posso saber se o que escrevi é ou não algo de aspecto literário ou não?

Bem, penso que basta eu fazer um breve apanhado daquilo que escrevi ao longo da vida, e então posso saber desde quando venho escrevendo, e o que venho escrevendo sob o ponto de vista estritamente literário.

Antecipo que, qualquer que seja o resultado desse apanhado, ele não acusará de forma alguma que eu seja um escritor profissional.

Não, eu escrevo mais por prazer e consumo próprio que por qualquer outro motivo. Já arrisquei, admito, alguma coisa mais séria, mas foi apenas uma aventura. Hoje, sou um mero apreciador da arte de escrever.

Antes de um apanhado geral sobre o que escrevi, resta saber porque disponibilizar o que escrevo ao público.

Mas, nem tudo que escrevi foi disponibilizado ao mundo. Este blog é meu atual esforço literário, mas ao longo dos anos escrevi outras coisas, em outro formatos, e nunca disponibilizei nada a ninguém. É verdade que o surgimento da internet representa para mim, para todas as pessoas que gostam de escrever no mundo e para o mundo como um todo um marco inigualável em termos de facilidade de socialização de textos, mas afirmo categoricamente que já escrevia antes da internet surgir. O surgimento da internet apenas facilitou a disponibilização dos textos, penso eu.

Quando comecei a ir para a escola, em 1977, eu fui aos poucos aprendendo a escrever. Escrevi coisas que era preciso escrever, mas cadernos escolares não são formas tradicionais de expressão artística e não são considerados literatura.

Então, o que escrevi de literário ao longo de minha vida?

Preciso urgentemente fazer este inventário literário, mas não agora. Farei-o nos próximos textos, é certo.

Agora, tratarei da ideia da literatura como forma de socialização.

A literatura não técnica, a literatura não informativa, não comunicativa, não jornalística, a literatura verdadeiramente artística, não precisa ser disponibilizada ao público.

Evidentemente, a maioria das pessoas que escrevem o fazem pensando em um público que lerá aquilo que estão escrevendo. Mas essa verdade não precisa ser um regra, e muitas vezes não é.

Cito como um exemplo as cartas.

Ninguém escreve uma carta pensando em publicá-la. Mas elas muitas vezes são publicadas. Quem sabe um dia publiquem e-books de literatura reunindo coleções de e-mails trocados entre personagens de grande valor artístico, e então veremos que a tradição de se resguardar para a posteridade qualquer forma de obra escrita de pessoas dotadas do dom literário continuará, apesar da era digital.

Afinal, um conto de um Machado de Assis não seria menos doce ainda que fosse originalmente escrito em um arquivo do Word e encaminhado a um seu colega via e-mail. Creio que a forma digital não representa problema algum para aquele que escreve.

Aliás, eu só me interessei por computadores devido ao enorme potencial que eles mostraram na edição de textos. Esse assunto é fascinante, e falarei sobre isso em breve.

A questão é: um texto literário só é uma forma de socialização se ele, ainda que disponível ao público, seja de fato lido. Um texto meramente publicado, mas não lido, não comunica nada, não liga escritor e leitor de maneira alguma, porque falta exatamente a ponta da corrente de comunicação, que é o leitor. Logo, a literatura só é uma forma de socialização na medida em que as pessoas que escrevem encontram pessoas que leem seus escritos. Do contrário, escreve-se para todos, mas o texto é como um grito no deserto.

Este é o grande drama do escritor: encontrar quem se disponha a ler sua obra, e assim, satisfazer seu anseio de comunicação. Entendo que só possa ser este o desejo de quem torna público uma sua obra: a de vê-la lida por quem quer que seja. E então, eis a frustração e terror de qualquer escritor que publica: não ser lido.

Não é o caso se se escreve para si mesmo, ou para alguém que irá necessariamente ler o que o escritor produz. Uma carta que chegue ao seu destino cumpre sua função, e é lida por aquele que tinha de lê-la. Consuma-se o processo de comunicação desejado pelo autor e não se pode falar em frustração no sentido de que gritou-se no deserto. O leitor pode apreciar ou não o estilo, o conteúdo, mas não pode dizer que não foi alvo da mensagem a ele especialmente endereçada.

E há aquele que escreve para si mesmo, que tem em si mesmo seu alvo, e que lê silenciosamente sua própria obra, seja por que motivo for que não a divulga, e que assim também não se frustra. Pelo contrário, tem em si mesmo o seu melhor e mais perfeito público. Além do mais, se não gostar da própria obra, pode refazê-la da maneira que quiser. O escritor egoísta é também o mais elogiado, porque não tem grande chance de falhar.

Verdade esta última constatação?

Nem sempre. A história da literatura está repleta de obras destruídas pelo próprio autor, que na sua exigência de perfeição inatingível, preferiu a destruição do imperfeito, ainda que magnífico aos olhos alheios, que a mácula a seus próprios olhos insaciáveis.

Nestes casos, o escritor egoísta é também o mais criticado, porque nunca tem chances de acertar.

Logo, é o gosto do artista, do escritor, que define o que pode ou deve vir a público ou não. Ele sente que só pode compartilhar algo que ele próprio ache digno de algum merecimento, que ele ache que tenha um valor tal que seja possível de apreciação por parte de outros que não somente ele.

Quer dizer: publica-se somente aquilo que é suficientemente bom, e tem-se que aquele que publica é um generoso, pois quer que outros mais sintam o prazer que sentiu sozinho, e previamente, contemplando a própria obra.

Então, publicar requer três componentes: gosto adequadamente apurado para a apreciação da literatura semelhante a que se propõe a escrever e para a própria obra, generosidade para permitir que outros mais possam vir a sentir algum prazer com a obra tal como o próprio escritor sentiu ao vê-la pronta, e por fim, alguma humildade para aceitar que há gostos diferentes do seu próprio, e que nem todos sentirão o mesmo prazer que ele, dado que pessoas são naturalmente diferentes, e aceitar eventuais críticas negativas a respeito de sua obra de maneira leve e serena, porque um escritor sereno deve ter sensibilidade o bastante para saber que jamais agradará a todos.

Eu tenho esses três atributos? Se você escreve e publica, você os tem?

Veremos mais sobre gosto literário, generosidade e humildade nos próximos textos, pode apostar o seu chapéu que sim. E farei meu inventário, pode apostar uma orelha. Eu garanto.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

O que é uma ideia?

O que é uma ideia?

Quando incubamos uma ideia, com o que estamos lidando, afinal?

Platão pensava o mundo das ideias como o mundo verdadeiro, e via o mundo material, este em que eu, você, todos nós vivemos, como uma mera cópia mal feita do mundo das ideias. Não deixa de ser uma teoria interessante, mas os séculos de experimentação e ciência, filosofia e debates parece ter refutado Platão.

Certo, tem gente que ainda acha que o mundo das ideias é o verdadeiro, mas não entrarei neste debate, porque o tempo é curto, meu conhecimento sobre as minúcias do tema é limitado e não é sobre esse conceito de ideia que quero falar.

Quero falar do conceito de ideia como proposta.

Ideias podem ser, platonicamente falando, estados de perfeição. Uma ideia seria um objeto perfeito. Por exemplo, Platão entendia que no mundo material em que vivemos, existe objetos vermelhos, mas não a cor vermelha. O vermelho como cor perfeita existiria apenas no mundo perfeito das ideias. Objetos de cor vermelha seriam apenas arremedos de objetos vermelhos ideais.

Assim, ideias, para Platão, são conceitos abstratos.

Certo, um blog que encuba ideias, debate, divulga ou aperfeiçoa ideias pode tomar ideias platônicas como tema, mas não é neste sentido que penso sobre ideias. Quando falamos aqui sobre ideias, falamos mais em possibilidades, projetos e coisas a serem feitas.

Por exemplo: não cabe discutir a cor vermelha com uma abstração da perfeição. Cabe discutir como tornar os objetos vermelhos, ou dizer que objetos vermelhos são melhores ou piores que outros objetos, ou ainda, aperfeiçoar a vermelhidão dos objetos, de modo a torná-los o mais vermelhos possível.

Divulgar a ideia de como evitar que um problema surja, ou de como solucioná-lo, é uma boa razão para a existência de um blog como uma incubadora de ideias.

Assim, o correto seria dizer que este blog pode ser uma incubadora de projetos, ou pré-projetos. Mas, projetos e pré-projetos parece envolver já algum grau de amadurecimento de pensamento, parece já envolver uma tomada de decisão de dar um passo no sentido de se concretizar algo que já foi devidamente pensado, embora possa ainda, por uma série de motivos, vir a não ser feito, não ser concretizado.

Ora, algo que ainda não é um projeto é o quê? Em que estágio está, por exemplo, uma casa cujas fundações não foram sequer esboçadas em um pedaço simples de papel? Se não há nada que a materialize em forma física, não há casa. Se temos apenas desenhos, não temos uma casa, mas um projeto de casa. Mas, se nem desenhos temos, mas apenas pensamos na casa em nossas mentes, então temos a ideia de uma casa. Ora podemos então usar palavras faladas e escritas para descrever, aperfeiçoar, debater sobre a casa, mas ainda assim não ter nenhum desenho, nenhum tijolo assentado. E ainda assim a casa pode estar muito bem elaborada do ponto de vista de planejamento, porque de fato seus possíveis problemas foram exaustivamente pensados, suas soluções discutidas, suas formas imaginadas.

Assim, o mundo das ideias tem sua utilidade, e usar um blog para discutir ideias parece ser bastante interessante.

Evidentemente, há infinitas ideias. Ideias precisam ser classificadas em compartimentos mentais para poderem ser incubadas. Assim, falaremos sobre ideias matemáticas, ideias científicas, ideias filosóficas, ideias econômicas, ideias tecnológicas, ideias sociais, ideias de solução de problemas diversos.

Além do mais, e exatamente porque as ideias são em número infinito, não trataremos de muitas. Pode-se tratar apenas de uma pequena fração delas. Podemos passar décadas pensando um tema qualquer sem nunca esgotá-lo, afinal.

E, por fim, há a necessidade e o gosto pessoal.

Parece-me que há ideias mais importantes que outras devido à necessidade que satisfazem. Por exemplo: é mais razoável perder tempo pensando uma ideia que busque a cura do câncer do que gastar tempo pensando em uma maneira nova de se curar um arranhão. As necessidades do mundo definem as prioridades dos problemas a serem tratados pela elaboração de ideias.

E, ainda que haja necessidades infinitas, não se pode satisfazê-las todas. E se temos que pensar, que seja sobre algo que, além de prioritário, seja de nosso gosto pensar.

Por que devemos pensar sobre o que gostamos? Porque simplesmente não conseguimos pensar direito sobre o que não gostamos. E se for para pensar por obrigação, então um blog não é mais uma fonte de entretenimento e prazer intelectual, mas um martírio e uma tarefa maçante e chata. E não produziremos nada de importante e útil pensando por obrigação. Vocação, gosto, desejo por algo é coisa que não temos assim tanto controle, e se é para pensar, que se pense sobre o que dá prazer, não importa o porquê dessa atração prazerosa.

Dadas essas breves explicações, esboçaremos algumas linhas de atuação para este blog, que entendo necessárias para um melhor entendimento de seu real potencial.

Continuem lendo.

Continuem...

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Um blog como uma incubadora de ideias II

Após breve pausa, retornamos ao debate do tema que é o nome deste artigo: um blog como uma incubadora de ideias.

Eu disse no artigo anterior, que é a primeira parte deste texto: não temos controle sobre o que as pessoas pensam quando leem um artigo qualquer em um blog. Sequer temos controle sobre quem lê ou não nossos artigos.

Já tratei do problema que é não ter controle sobre quem lê ou não nossos artigos. Agora, falarei sobre o que as pessoas pensam sobre os artigos que leem, e se temos ou não algum controle sobre esse pensar.

Eu encerrei meu primeiro artigo dizendo que antes de questionar se este ou qualquer outro blog pode ser ou não uma incubadora de ideias, era preciso que nós entendêssemos o que é uma incubadora de ideias.

Mas, ainda que não saibamos exatamente o que seja uma incubadora de ideias, podemos nos questionar sobre o que tem a ver uma incubadora de ideias e o controle que temos sobre o que pensam as pessoas que leem nossos artigos em nossos blogs.

Ora, seja o que for uma incubadora de ideias, será através de artigos que tentaremos desenvolver ideias.

Desenvolver ideias? Quer dizer que uma incubadora, que até então não sabíamos o que era, agora é algo que se presta a "desenvolver ideias"?

Que seja, ou então, quem sabe, apenas debater ideias, ou ainda mais simplesmente, divulgar ideias.

Mas esperem: divulgar ideias é diferente de debater ideias, que é também diferente de desenvolver ideias. Cada verbo trás em si um objetivo diferente, um alvo diferente, que necessita de uma estratégia de ação diferente. Divulgar não é o mesmo que desenvolver. Debater, no sentido de dialogar sobre um tema, não implica necessariamente em divulgação ou aprimoramento deste tema.

O que é uma incubadora de ideias, então?

Sem mais aprofundamentos, ela é uma ferramenta para se "trabalhar com" ideias. Que tipo de trabalho será este, se de divulgação, discussão ou desenvolvimento, não sabemos, ou não decidimos ainda, mas é certo que envolverá ideias.

Ideias são o quê, então?

O que é uma ideia?

Um blog como uma incubadora de ideias I

Eu disse em minha primeira postagem neste blog que eu pretendia usá-lo como um meio de divulgar minhas ideias a respeito de uma série de coisas, as quais eu mantinha anotadas em uma agenda de papel, e que eu achava que deveria vir ao conhecimento público, para eventualmente gerar algum resultado qualquer.

Ora, um blog pode ser uma incubadora de ideias?

Não sei, mas vamos pensar juntos na ideia.

Não temos controle sobre o que as pessoas pensam quando leem um artigo qualquer em um blog. Sequer temos controle sobre quem lê ou não nossos artigos. E temos pouquíssimas suspeitas do quão grande ou pequeno seja o impacto de um artigo veiculando uma ideia qualquer sobre as pessoas que o leem.

Primeiro: não temos controle sobre quem lê nossos blogs. 

Qualquer pessoa pode ler nossos artigos. Logo, a chance de uma pessoa ler um artigo nosso que lhe interesse é muito pequena, porque a maneira como essa pessoa tem acesso a nosso artigo é definida pelos canais de acesso ao blog como um todo. Calma, vou explicar...

Ora, uma pessoa qualquer tem uma variedade de interesses na vida, e provavelmente seus interesses são muito diferentes dos meus. Eu obviamente não publicaria artigos em meu blog sobre assuntos que não são do meu próprio interesse. Logo, supõe-se que todo artigo que compõe meu blog versa sobre assuntos que representam áreas de meu interesse.

Evidentemente, eu e uma pessoa qualquer podemos ter interesses comuns. Mas como eu não sei quem é essa pessoa, e não conheço seus interesses, não tenho como saber o que podemos ter de interesses comuns. Assim, ela terá que checar meu blog como um todo para saber se temos interesses comuns ou não. Essa checagem, evidentemente, nunca acontecerá, porque as pessoas não tem interesse em vasculhar blogs de gente desconhecida em busca de interesses em comum. O que as pessoas fazem é usar o Google para buscar artigos que falem sobre seus próprios interesses. O Google então é a conexão que fará com que essas pessoas cheguem a um suposto artigo em meu blog que trata de um assunto de seus interesses.

O segredo do problema aqui é a palavra "suposto".

O Google tem seus motores de busca acobertados por sigilo. Não sabemos como ele realmente funciona. Uma pessoa pode buscar um tema de seu interesse nele e vir a cair em algo totalmente diferente. Algumas vezes, o próprio Google resolve o problema, porque disponibiliza algumas palavras do artigo encontrado, e as pessoas podem deduzir se o artigo de fato trata do assunto que buscam ou foi apenas uma pista falsa do Google.

Então, acontece que muitas pessoas não precisam ler um artigo para saber que ele é uma pista falsa. Eles simplesmente ignoram os links para os artigos na própria página de respostas do Google e vão em frente.

Assim, poderíamos supor que se um artigo nosso é de fato acessado, é porque quem o acessou já tinha uma certa ideia de que nosso conteúdo não era uma pista falsa. Mas, nem todo mundo observa as pistas dadas pelo Google em suas respostas às consultas feitas. Algumas pessoas simplesmente vão clicando nas respostas para ver no próprio conteúdo se ele trata daquilo que procuram, sem dar muita importância às dicas do Google. E assim, vez por outra, caem em artigos que são pistas falsas. 

Ora, então, se por exemplo, tenho um artigo meu lido por dez pessoas, não sei dizer quantas delas realmente leram o conteúdo porque este dizia respeito a alguma área de interesse genuíno ou se simplesmente chegaram ao conteúdo baseados em pistas falsas do Google e depois de ler uma ou duas linhas do artigo, simplesmente o descartaram por não ser de fato algo de seus interesses. 

Quantas pessoas realmente se interessam por aquilo que têm diante de suas telas de computadores?

Não sei dizer. Digamos que 10% das visualizações de um artigo são realmente seguidas de uma leitura atenta e completa de seu conteúdo. Não sei dizer realmente.

Mas, qual a importância dessa informação estatística para o desenvolvimento do tema desse artigo em particular, que trata de discutir blogs como incubadoras de ideias?

O fato é que minhas ideias precisam antes ser acessadas por leitores que de fato tenham interesse em seus conteúdos, e a basear-se pelas estatísticas de visitas em meu blog, não são muitas pessoas que posso considerar que tiveram acesso a alguma delas.

Se tenho, por exemplo, um contador de visitas dizendo-me que meu blog foi acessado por 9.000 pessoas, não posso supor que todas realmente estavam interessadas genuinamente nos conteúdos das centenas de artigos que disponibilizo nele. Se apenas 10% realmente tinham interesse no conteúdo, então, minhas ideias foram acessadas de fato por apenas 900 pessoas, ou algo em torno disso.

Esse número, 900 pessoas, não deveria ser maior? Não é realmente muito pouca gente lendo minhas ideias?

De fato, penso que não. Na verdade, acho até demais.

Na vida real, nunca temos a chance de conversar com mais do que meia dúzia de pessoas sobre nossas ideias. Se eu tivesse discutido algumas ideias desse blog com apenas 9 pessoas, já me sentiria satisfeito. Mas não, nem isso eu consegui. Nem creio que as pessoas em geral se preocupem com isso. As pessoas em geral não levam a vida tentando discutir suas ideias com seus semelhantes. Elas querem contato, mas não contato intelectual. Meu gosto por discutir ideias é um pouco excêntrico, admito.

Mas, se 900 pessoas de fato leram alguma coisa em meu blog, não tenho como saber. As estatísticas de um blog não vão além de dizer que um artigo foi acessado, e só. Não há como saber se foi lido por inteiro, se foi lido com atenção, e se a pessoa que o leu foi influenciada pelo conteúdo daquilo que leu. Não sei dizer se ela aprovou a ideia, se ela pensou longamente sobre o que leu, se ela resolveu mudar algum aspecto de sua vida com base naquilo que pensou depois de ler algo em um artigo meu.

Duvido que isso tenha acontecido, mesmo com uma ou duas pessoas dentre as quase 9.000 que já acessaram meu blog.

Não era essa minha intenção quando o iniciei. Não sei se essa seja uma razão válida para se ter um blog, pensando de minha parte. Entendo que haja blogs com o objetivo explícito de fazer cabeças, moldar mentes, divulgar opiniões, atingir corações e moldar comportamentos. Não sei se funcionam ou não, mas não é o caso deste blog. Quer dizer, não é o caso deste blog ter como projeto ser um blog que busque disponibilizar ideias explicitamente a seu público leitor. Na verdade, esse blog sequer é um projeto, no sentido normal da palavra. Ele é apenas um passatempo, nada mais que isso.

Mas, por que não torná-lo uma incubadora de ideias?

Vamos dar uma pausa para respirar, e retornamos com a resposta a uma pergunta que precisa ser antes respondida: o que seria uma incubadora de ideias?

Pausa para respirar...

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Popularidade II

Na vida real, não nos damos ao trabalho sequer de pensar em quantos amigos e parentes temos, mas as redes sociais fazem esse trabalho de contagem muito bem, como que na esperança de que, ao acumular nossos relacionamentos, que são essencialmente qualitativos, transforme-os em algo meramente quantitativo, e assim, as pessoas possam comparar-se entre si como acumuladoras de pontos, itens, contatos, nós relacionais, amizades e links de parentesco, gerando uma sensação de concorrência, competitividade, fomentando uma disputa que não há razão de existir no mundo real, porque nós não medimos nosso grau de sociabilidade com base em quantos amigos temos, mas em quão boas são essas nossas amizades e laços, sejam eles o quanto forem, nenhum ou muitos milhares.

Sabemos que as redes sociais fomentam a competição porque elas ganham muito dinheiro com muita gente relacionando-se entre si em um emaranhado de contatos que significam milhões, bilhões de dólares em termos de publicidade e faturamento. O problema é que nos deixamos levar por esse simples acumulador de dados como se ele significasse alguma coisa muitíssimo mais importante do que realmente é na vida real.

Sabemos intuitivamente que é muito difícil manter um laço familiar e de amizade. Amigos tomam tempo, requerem contato físico, implicam em afinidade, que é uma concordância de gostos e apreciação subjetiva que se deve mais à sorte que a qualquer outro fator, e por isso, sem as redes sociais, ninguém se importaria em manter relações simplesmente com o intuito de ter uma lista bastante grande de amigos de modo a meramente sentir-se como uma pessoa conhecida, apreciada ou popular. Todo mundo sabe que o mero volume de amizades não significa quase nada. Claro, uma pessoa que passa dando bom-dia a todo mundo, rindo e sendo retribuída, é, na verdade, motivo de certa inveja saudável, mas não nos desperta maiores pensamentos assim que sai de nossa presença.

Mas não é o que acontece quando estamos navegando por uma listagem de postagens em uma rede social. Lá está aquele nosso conhecido, o professor, com seus 3.498 contatos, ou "amigos". Tudo bem, um professor conhece muita gente, muitos alunos, e ele, o professor, certamente aceita um pedido de amizade em uma rede social por mera educação. Não conhece todos os alunos com a mesma profundidade, e nem mesmo considera todos os alunos como amigos. São colegas, talvez, e isso não representa um problema para os alunos, nem para nós. Talvez represente para o professor um problema de gerenciamento de comentários, ou uma fonte de constrangimento ocasional, quando não é capaz de reconhecer um "amigo" que lhe cobra algo sobre um assunto que não se lembra mais, ou mesmo quando nem reconhece quem seja o tal "amigo". Mas esses são ossos do ofício dos professores.

Mas, e quanto às pessoas comuns, que não lidam com alunos, com clientes, com fiéis, com plateias, com discípulos, com eleitores, ou fãs de maneira geral? Como pode aquele cidadão pacato, que você conhece, que sabe que não tem nada demais, não é popular na vida real, mas é extremamente popular na maldita rede social? Como ele conhece tanta gente?

Então, percebemos que não é só o cidadão pacato que é popular. Quase todo mundo é. Você passa não mais a procurar quem tem mais contatos que você, porque quase todo mundo tem. Você passa a procurar quem é menos popular. Você procura quem tem um número pequeno de "amigos". Se você tem somente 107 amigos, você olha com curiosidade para quem tem apenas 26 amigos. O que será que ocorre com aquela pessoa que tem somente 26 amigos? É uma pessoa muito seletiva, discreta, mas muito bem relacionada?

Não.

Você se dá ao trabalho de fuçar a vida dela na rede. Pesquisa os amigos dela. E então descobre o óbvio.

Ela é idosa, e não sabe lidar com computadores. Ela tem um perfil na rede que foi criada pela netinha. Todos os amigos dela são parentes. Ou então, ela é uma pessoa que gosta de amizades, mas está em outra rede social, mantém contato com os amigos por Skype, por MSN, usa e-mail, usa um outro aplicativo, usa celular, usa SMS, usa WhatsApp, enfim, ela é popular, mas em outro lugar da internet, e você não sabe o quão popular ela é como um todo. Você é que é ultrapassado, mal informado, obsoleto. Você se sente péssimo, de um jeito ou de outro, com a sua pouca popularidade na rede.

O que está acontecendo com a sua maldita vida social, com seus míseros 107 contatos no Facebook? O que há de errado com você? Sua foto está horrível? Você não tem postado nada? Tem postado bobagem? Você, Deus o livre, é, sem saber, politicamente incorreto com suas postagens, e assim, é discretamente evitado?

O que há com você, afinal?

Popularidade I

De certa forma, nós, seres humanos, temos um anseio legítimo por contato com nossos semelhantes. Somos sociáveis, vivemos em comunidade e não gostamos de isolamento, embora prezemos por nossa privacidade.

Acontece que há diversos tipos de contatos entre seres humanos. Uma coisa é o convívio familiar, sólido, constante, íntimo e intenso. Outra é a mera coexistência sem maiores contatos que se observa nos grandes centros, onde pode-se viver e morrer uma vida em meio à multidão em turbilhão sem jamais ter um único conhecido para se tomar um café e bater um papo. Estar em meio a uma multidão não é o mesmo que estar socialmente se relacionando com outro ser humano no sentido próprio do termo. Não há relacionamento, mas mero compartilhamento de espaço.

Em geral, nascemos no seio familiar, e cedo nossos laços são muitíssimo fortes. Em grande parte dos casos, esses laços familiares e de amizade permanecem ao longo de anos, décadas, e só terminam com a morte das pessoas. Mas, em muitos casos esses laços vão sendo dissolvidos ao longo do tempo por uma série de motivos, e uma pessoa que nasceu em um ambiente repleto de amizades e amor familiar pode ver-se paulatinamente sozinha, isolada, solitária em meio ao turbilhão que passa sem lhe dar um bom-dia genuíno.

Manter uma rede de amizades e laços familiares dá algum trabalho se, por exemplo, tem-se que mudar de um lugar para outro, sem se afixar muito em nenhum deles. Afinal, amizades demandam um certo tempo para consolidarem-se e, na medida em que se muda, não se tem esse tempo de convivência. Além do mais, uma vez mudando-se para longe de amigos e familiares, restam os telefonemas, as cartas, e-mails, as viagens, sempre caras, e as redes sociais na internet. 

Nenhum método substitui a convivência diária ou rotineira com as pessoas conhecidas. Um e-mail não se compara a uma tarde inteira de convivência pessoal. Assim, na medida em que nos mudamos de uma cidade para outra com certa frequência, fazemos novas amizades, é certo, mas não temos assim uma rede tão sólida quanto teríamos se nunca tivéssemos saído de nosso local original de nascimento. Ao menos os laços familiares seriam mantidos, dado que esses são muito mais firmes que os laços de amizade, que podem ser relativamente intercambiáveis.

Pois bem, os anos passam e nunca nos damos ao trabalho de saber quantos amigos e parentes temos, nem isso é um assunto relevante. Exceto quando passamos a ter o hábito de usar as redes sociais da internet.

Nelas, existem contadores de amizade. No finado Orkut, no Facebook, na lista de contatos de e-mails, há um acumulador de amizades. Você olha sua lista de amigos e lá está um número, como uma conta bancária. Você tem 104 amigos. Seu primo tem 356 amigos e aquele professor bacana da faculdade tem 3.459 amigos.

Eis o fenômeno da popularidade vindo à tona.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Desconfiança II

Em geral, a humanidade se divide entre aqueles que são crédulos e entre aqueles que são desconfiados. Não sei dizer porque algumas pessoas são mais ariscas, mais temerosas que outras, mas essa divisão é um fato da realidade.

Sempre que ocorre um evento qualquer que possua algum significado que não é obviamente negativo ou positivo, surgem discussões entre as pessoas. Isso aconteceu por quê, por culpa ou causa de quê ou quem?

Os "ingênuos" ou "crédulos" dirão que foi por causas não intencionais, e não gerará resultados negativos. Já os desconfiados dirão que houve alguma má intenção por parte de alguém desconhecido, mas poderoso, e que a coisa redundará em algum malefício ainda desconhecido no presente, mas certamente arquitetado com bastante cuidado e antecedência.

Isso não é o mesmo que dizer que os homens se dividem entre os otimistas e pessimistas, embora haja uma forte tendência de que ingênuos e crédulos sejam otimistas e que desconfiados e ariscos sejam pessimistas, mas essa tendência não estabelece uma relação que seja facilmente explicada. Quer dizer: nem todo otimista é ingênuo e nem todo pessimista é desconfiado.

Ser desconfiado, assim como ser pessimista, torna a vida de quem assim o é um pouco mais negra, mas, por outro lado, vive-se mais seguramente, corre-se menos riscos, evita-se mais os problemas que podem ser evitados.

Nasce-se desconfiado?

Creio que não. Pelo contrário. Nasce-se ingênuo, e aprende-se a ver ameaças onde elas não são facilmente vistas. Porque, de fato, há ameaças e riscos ocultos, não óbvios, traiçoeiros, e nem por isso, fruto de mentes malignas ou grupos maquiavélicos. Costuma-se chamar de teoria da conspiração a qualquer tentativa de explicação para um dado fenômeno, social ou não, que gere algum resultado ruim presente ou futuro. Teorizar que alguém conspira, ou que há uma conspiração por trás de um evento ruim é da natureza humana, mas é mais especificamente daquela parte da natureza humana formada por desconfiados e ariscos. Dificilmente um ingênuo ou inocente julgará que um evento ruim foi fruto de intenções humanas arquitetadas com alguma antecedência e cuidado. Atribuir culpa a eventos ruins a teorias de conspiração é coisa de desconfiados.

Bem, eu disse que acho que nasce-se ingênuo, mas aprende-se a ser desconfiado. Então, por que não somos todos desconfiados? E mais, por que, dado que fomos ensinados a ser desconfiados, não acabamos a vida desconfiando de tudo e todos? Mas, quem disse que não é assim que a vida termina, para os que aprenderam a desconfiar?

Há um dito de que "só os paranoicos sobrevivem".

Vamos conhecer esse dito com mais calma. Dizem que é um lema da Apple. Se é, não sei, mas nem por isso a frase deixa de ser interessante. Acredito que não foi alguém da Apple que cunhou a frase original, mas se ela foi adotada de fato pela Apple, isso denota o grau de maturidade com que as pessoas de lá encaram os eventos ruins que lhes ocorrem.

De fato, se nascemos ingênuos, e a ingenuidade é uma fraqueza em um mundo perigoso, somos tentados, sem base em estatística alguma, é verdade, mas escorados em senso comum e tempo de vida, a dizer que há uma chance maior de sobrevida dos paranoicos e desconfiados do que dos ingênuos e dos inocentes.

Coisas ruins nem sempre são causadas por teorias de conspiração. Mas ainda assim, elas existem. Mas, ainda que se ache que teorizar sobre conspirações seja superestimar a inteligência humana num mundo repleto de seres estúpidos e ignorantes, resta dizer que a desconfiança não se presta apenas a nos prevenir contra teorias de conspiração, mas contra eventos ruins em geral, sejam eles de origem humana ou não.

Vejamos: um raio é uma coisa ruim que independe de um ser humano. Um ingênuo diria, no entanto, que raios quase nunca caem duas vezes no mesmo lugar. Um otimista, que os raios caem sim, duas vezes no mesmo lugar, mas não cairá agora, justo quanto ele está no lugar do primeiro raio. O pessimista dirá que o raio certamente cairá novamente no mesmo lugar. E por fim, o paranoico dirá que, na dúvida, é melhor procurar outro lugar, mais seguro, para se abrigar. Logo, em média, paranoicos tendem a sobreviver. Os que não sobrevivem, é porque são antes azarados que pessimistas ou desconfiados, ou ainda ingênuos.

Daí que a frase de Ian Fleming, do post anterior, faz sentido. Ela só faz sentido para um desconfiado paranoico. Não para um ingênuo.

Se alguém me perguntasse em qual categoria me encaixo, eu diria que na dos desconfiados, mas que ainda assim, me esforço para não ver em tudo de ruim um plano maligno. Afinal, sei que coisas ruins acontecem mesmo que ninguém se esforce para que elas aconteçam.

Sou desconfiado desde pequeno, desde meus três anos de idade. Fui ensinado a ser assim por minha mãe. Lembro-me perfeitamente do momento em que me foi passada a primeira lição de desconfiança.

Sou muito grato a minha mãe por esses valiosos ensinamentos.

É só com o tempo que passamos a entender porque certas coisas precisaram ser do jeito que foram. O processo de aprendizado é assim. Só depois de muito tempo depois do trabalho de aprender é que entendemos a razão do esforço e o ganho que obtemos com ele.

Se você não é desconfiado, deveria questionar-se sobre o porquê de não ser.

Se for, seria capaz de lembrar-se de sua primeira lição de ceticismo e paranoia?

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Azar sistemático?

Li a dois dias atrás uma frase reveladora em um post do Facebook que tem-me feito pensar. Pesquisei sobre quem poderia ser o autor da frase, que no Facebook é atribuída a Ian Fleming, o autor de James Bond.

A verdade é que a frase é de um personagem de Fleming, Goldfinger, que, em determinado momento do livro, ou do filme, não sei dizer, adverte astutamente um ingênuo James Bond:

"Mr. Bond, uma vez é acaso, duas vezes é coincidência, três vezes é ação do inimigo."

Pausa...

No instante em que a li, tive um lampejo de lucidez sobre algo que me era obscuro, mas que eu conseguia perceber tenuemente no desenrolar das coisas. Fleming deu precisão e clareza para algo que eu sentia vagamente como uma perturbação, mas que não tinha nome nem rosto.

Agora, essa perturbação tem identidade: o inimigo.

Vamos refletir um pouco mais sobre a veracidade ou não da frase.

Pausa novamente...

O estudo da sorte e do azar é uma tarefa que tem gerado abundantes e curiosíssimos estudos mundo afora. Os casos de azar sistemático existem, mas são tão bizarros, tão incomuns e tão curiosos que viram anedota, tornam-se casos de estudo probabilístico e por fim, viram lenda. Fora isto, nossas dificuldades são quase sempre frutos de algo que Fleming chama de "inimigo".

Eu entendo aqui o termo como um ente despersonalizado. Não sei o contexto dentro do qual a frase foi tirada, por isso, penso que Goldfinger possa estar referindo-se a uma pessoa ou grupo em particular. Mas dentro de um contexto genérico e mais amplo, podemos considerar como "inimigo" qualquer forma de obstáculo que freia, bloqueia ou impede nossas ações reiteradas de maneira sistemática, de forma que devemos deixar de olhar o obstáculo em si e pensar em uma força, uma vontade inteligente por trás do obstáculo, de forma a poder melhor identificarmos causas e razões que levariam este "inimigo" a nos bloquear.

Tem alguma coisa a ver com o tema marxista do "opressor" e do "oprimido", mas não é a mesma coisa. Prometo que farei uma análise mais detalhada dessa ligação, mas não agora.

De qualquer forma, a frase insere uma pitada de sabedoria ao meu modo de ver as coisas que parece-me uma trilha, uma heurística mental promissora.

As coisas não estão dando certo? Então foi por mero acaso. Tente novamente...

Deram errado novamente? Coincidência, azar, pé frio, tudo bem, isso justifica toda a frustração e irritação, mas, mais uma vez, tente novamente...

Deram errado novamente? Bingo! É hora de parar, estudar o caso e procurar, nas sombras, o vulto que está colocando as pedras no caminho. Por quê? Com que objetivo?

Essas perguntas e suas respostas valem ouro, e o mero afastar do acaso e azar como causas de nossas derrotas nos permite dar um passo para trás, ou adotar uma visão panorâmica do terreno, e então, munidos desta nova perspectiva, podemos fazer uma nova tentativa, certamente mais frutífera, com uma nova abordagem, com mais chances de termos sucesso.

Você tem tido sorte nos negócios? Tem perdido sistematicamente na bolsa de valores?

Você é azarado?

Você não é o único...

A importância das coisas em nossas vidas

Eu fico lendo este velho blog e penso no quão as coisas mudam ao longo dos anos, e, em especial, impressiono-me com o fato de que as coisas ganham ou perdem posições no ranking de importância em nossas vidas.

Na verdade, não há de fato um ranking. Há apenas um sentimento de que há coisas mais importantes e há coisas menos importantes.

Tomo por exemplo principal o próprio ato de escrever um blog.

Sempre gostei de escrever. Estou escrevendo agora. Fico incomodado quando não consigo postar alguma coisa neste blog e ele fica sem novas postagens por um tempo que considero relativamente longo. E fico nostálgico quando leio postagens antigas onde relato estar ouvindo tal música, tal cantor ou banda, ou estilo, e percebo que hoje não os ouço mais.

Escrever é importante para mim, mas não é mais prioritário. Ouvir música também não é mais prioritário. Certas coisas, certos afazeres novos surgiram de alguma forma em algum momento do tempo ao longo da existência deste blog e ganharam importância, embora eu não fale deles necessariamente.

O que é importante hoje? O que faço hoje que é mais importante que escrever?

Só como um exemplo, cito a leitura como uma atividade que tem sido tratada como prioritária. Eu já lia muito, mas agora, vejo o tempo despendido em ler como muito mais importante que o tempo que eu passaria escrevendo. Parece que, de alguma forma, escrever passou a ter menos importância. Escrever o quê? Para quem? E por quê? A troco de quê?

Escrevendo, não ganho nada. Lendo, ao menos aprendo alguma coisa. É o pragmatismo duro, seco, servindo de critério seletivo. E é preciso que eu seja pragmático. O tempo passado cobra seu tributo, e o tempo que resta faz com que eu pense mais acuradamente sobre o quanto me resta de anos e energia para fazer primeiro o mais importante. 

O dinheiro, sempre o dinheiro, vem em primeiro plano. Considerações econômicas prevalecem. Questões de saúde prevalecem. Questões de convivência familiar prevalecem. O lazer vai perdendo espaço. O trabalho ocupa a maior parte do dia e o cansaço noturno impede maiores esforços ou aspirações.

Envelhecer não é nada fácil. 

De qualquer forma, continuo escrevendo.