quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Popularidade II

Na vida real, não nos damos ao trabalho sequer de pensar em quantos amigos e parentes temos, mas as redes sociais fazem esse trabalho de contagem muito bem, como que na esperança de que, ao acumular nossos relacionamentos, que são essencialmente qualitativos, transforme-os em algo meramente quantitativo, e assim, as pessoas possam comparar-se entre si como acumuladoras de pontos, itens, contatos, nós relacionais, amizades e links de parentesco, gerando uma sensação de concorrência, competitividade, fomentando uma disputa que não há razão de existir no mundo real, porque nós não medimos nosso grau de sociabilidade com base em quantos amigos temos, mas em quão boas são essas nossas amizades e laços, sejam eles o quanto forem, nenhum ou muitos milhares.

Sabemos que as redes sociais fomentam a competição porque elas ganham muito dinheiro com muita gente relacionando-se entre si em um emaranhado de contatos que significam milhões, bilhões de dólares em termos de publicidade e faturamento. O problema é que nos deixamos levar por esse simples acumulador de dados como se ele significasse alguma coisa muitíssimo mais importante do que realmente é na vida real.

Sabemos intuitivamente que é muito difícil manter um laço familiar e de amizade. Amigos tomam tempo, requerem contato físico, implicam em afinidade, que é uma concordância de gostos e apreciação subjetiva que se deve mais à sorte que a qualquer outro fator, e por isso, sem as redes sociais, ninguém se importaria em manter relações simplesmente com o intuito de ter uma lista bastante grande de amigos de modo a meramente sentir-se como uma pessoa conhecida, apreciada ou popular. Todo mundo sabe que o mero volume de amizades não significa quase nada. Claro, uma pessoa que passa dando bom-dia a todo mundo, rindo e sendo retribuída, é, na verdade, motivo de certa inveja saudável, mas não nos desperta maiores pensamentos assim que sai de nossa presença.

Mas não é o que acontece quando estamos navegando por uma listagem de postagens em uma rede social. Lá está aquele nosso conhecido, o professor, com seus 3.498 contatos, ou "amigos". Tudo bem, um professor conhece muita gente, muitos alunos, e ele, o professor, certamente aceita um pedido de amizade em uma rede social por mera educação. Não conhece todos os alunos com a mesma profundidade, e nem mesmo considera todos os alunos como amigos. São colegas, talvez, e isso não representa um problema para os alunos, nem para nós. Talvez represente para o professor um problema de gerenciamento de comentários, ou uma fonte de constrangimento ocasional, quando não é capaz de reconhecer um "amigo" que lhe cobra algo sobre um assunto que não se lembra mais, ou mesmo quando nem reconhece quem seja o tal "amigo". Mas esses são ossos do ofício dos professores.

Mas, e quanto às pessoas comuns, que não lidam com alunos, com clientes, com fiéis, com plateias, com discípulos, com eleitores, ou fãs de maneira geral? Como pode aquele cidadão pacato, que você conhece, que sabe que não tem nada demais, não é popular na vida real, mas é extremamente popular na maldita rede social? Como ele conhece tanta gente?

Então, percebemos que não é só o cidadão pacato que é popular. Quase todo mundo é. Você passa não mais a procurar quem tem mais contatos que você, porque quase todo mundo tem. Você passa a procurar quem é menos popular. Você procura quem tem um número pequeno de "amigos". Se você tem somente 107 amigos, você olha com curiosidade para quem tem apenas 26 amigos. O que será que ocorre com aquela pessoa que tem somente 26 amigos? É uma pessoa muito seletiva, discreta, mas muito bem relacionada?

Não.

Você se dá ao trabalho de fuçar a vida dela na rede. Pesquisa os amigos dela. E então descobre o óbvio.

Ela é idosa, e não sabe lidar com computadores. Ela tem um perfil na rede que foi criada pela netinha. Todos os amigos dela são parentes. Ou então, ela é uma pessoa que gosta de amizades, mas está em outra rede social, mantém contato com os amigos por Skype, por MSN, usa e-mail, usa um outro aplicativo, usa celular, usa SMS, usa WhatsApp, enfim, ela é popular, mas em outro lugar da internet, e você não sabe o quão popular ela é como um todo. Você é que é ultrapassado, mal informado, obsoleto. Você se sente péssimo, de um jeito ou de outro, com a sua pouca popularidade na rede.

O que está acontecendo com a sua maldita vida social, com seus míseros 107 contatos no Facebook? O que há de errado com você? Sua foto está horrível? Você não tem postado nada? Tem postado bobagem? Você, Deus o livre, é, sem saber, politicamente incorreto com suas postagens, e assim, é discretamente evitado?

O que há com você, afinal?

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