Dando continuidade à tentativa de responder uma série de questões sobre autoajuda feitas a um bom tempo atrás, abordo agora a décima segunda questão.
Na questão anterior, abordei a possibilidade de termos nossos próprios mandamentos pessoais. Ora, qualquer que seja a nossa decisão, de ter ou não mandamentos pessoais, uma coisa me pareceu óbvia quando analisei os livros de autoajuda como um todo: eles fazem milhares de sugestões sobre como devemos conduzir nossas vidas, abordando mudanças em uma variedade enorme de assuntos, e caso resolvamos adotar ou aceitar ainda que uma pequena parte dessas sugestões, teremos uma vida bastante diferente de nossa vida tradicional, normalmente vivida sem sobressaltos ou mudanças. Assim, adotar conselhos, de um modo geral, implica necessariamente fazer algo que não estamos fazendo, ou deixar de fazer algo que fazemos constantemente. Ou deixamos maus hábitos, velhos comportamentos e modos de pensar, ou adquirimos novos hábitos, novos comportamentos e novos modos de pensar. Ou seja, seguir conselhos envolve necessariamente mudanças em nossas vidas.
Daí surge a origem da décima segunda questão. Ela relaciona-se com quais hábitos, comportamentos e modos de pensar estão sujeitos a serem questionados pelos livros de autoajuda, ou por qualquer outra fonte de influência exterior, seja outros tipos de livros, a mídia, grupos sociais, religiões, pessoas ou mesmo uma influência interior, decorrente do próprio amadurecimento do indivíduo, que percebe, espontaneamente ou mediante um esforço de raciocínio, que algo em si precisa ser mudado.
A pergunta é a seguinte:
Devemos questionar nossos valores e crenças?
Esta é uma pergunta que precisa ser feita, porque um programa de mudanças pode ou não ser limitado a determinados aspectos de nossas vidas. Se nos predispormos a mudanças superficiais, podemos limitar o alcance e profundidade daquilo que nos influencia, e permitiremos mudanças, mas não em valores e crenças que nos são caros. Afinal, valores e crenças são modos de pensar e agir que quase fazem parte de nossa personalidade, e que têm o poder de fazer de nós pessoas bastante peculiares e específicas, dependendo do quão diferenciados são esses valores e crenças.
Por outro lado, valores e crenças podem estar sujeitos a mudanças por dois bons motivos. Primeiro, porque nos permitimos que eles sejam mudados, porque achamos que ao mudá-los não haverá grandes problemas com as consequências das mudanças, e não percebemos nenhum risco de perdermos nossa identidade, ou ainda, não vemos problema nenhum em termos uma identidade diferente da que temos hoje em decorrência dessas mudanças. E segundo, porque, por vezes, queiramos ou não, nossos valores e crenças podem ser na verdade fontes de problemas, cujas soluções demandam a mudança desses mesmos valores e crenças, sobre pena de termos de conviver com as consequências desses problemas, o que nem sempre é desejável ou suportável.
Eu sei que é difícil aceitar que um autor de um determinado livro de autoajuda venha por meio de bem intencionadas sugestões de melhorias de vida nos propor, por exemplo, que sejamos a favor de um comportamento que contraria algum outro valor nosso, ou que sejamos adeptos de um determinado comportamento que vai contra uma crença, tal como nossa religião. Em geral, autores de autoajuda não são assim tão intrusivos, embora admitirei que alguns dão, sim, conselhos que são duros de serem aceitos exatamente porque ferem nossos valores e crenças.
Em geral, somos instados a fazer pequenas mudanças, e essas sugestões não agridem diretamente valores e crenças, mas há um determinado estágio em que nos tornamos críticos sobre quase tudo que forma e compõe nossa personalidade. Então, passamos a criticar, a questionar nossos valores e crenças, em decorrência de possíveis mudanças que efetuarmos em nossas vidas.
Tornar-se questionador dos próprios valores e crenças não implica necessariamente em mudá-los. Avaliar criticamente um valor ou uma crença, entender que os temos em nossas vidas, entender porquê os temos, entender que podemos ou não mudá-los, e decidir mantê-los ou mudá-los representa um poder sobre si mesmo, um poder que nem sempre sabemos que temos, e que é um poder que emerge em nossas consciências exatamente porque estamos dispostos a aceitar sugestões de livros de autoajuda e realizar pequenas mudanças em nossas vidas.
A resposta então à pergunta é que temos o poder de conhecer nossos valores e crenças, e temos o poder de questioná-los, sem necessariamente mudá-los, e que o exercício desse poder nos faz mais fortes e auto-conscientes de nossas características interiores mais profundas, e isso é bom, de maneira geral.
Não há o que temer, a não ser a ignorância a respeito de nossas próprias razões obscuras. A pessoa que conhece suas mais profundas motivações e sabe justificar suas mais profundas decisões sobre como conduz sua vida é uma pessoa que não teme perder o controle sobre si, nem teme ser controlado por quem quer que seja. Ela é, então, uma pessoa que sabe se conduzir, e portanto, é uma pessoa livre.
Esse conceito, o de liberdade interior, é o que de mais importante se pode filtrar em função de todo o raciocínio acima, e leva-nos à beira do livre arbítrio, e do poder que a mente humana detém sobre si mesma, e não se encerra nesta conclusão. Pelo contrário, abre uma importante porta para discussões futuras sobre imensas possibilidades de vida, e essas oportunidades fazem do poder de escolha algo instigante de ser experimentado.
Este é um grande ganho, partindo do pressuposto de que em geral começamos a ler livros de autoajuda apenas para passar o tempo e fisgar pequenas dicas para consumo no dia-a-dia.
Dando um passo além, abordaremos em seguida mais uma questão: a decima terceira.
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