A trigésima quarta questão da série à qual me dedico atualmente neste blog relaciona-se com regras e manuais.
Eu disse na última postagem que nem sempre uma regra de vida funciona da maneira que imaginamos, ou que aquele que as recomendou ou criou imagina que funcionem.
Em 2001, quando fiz uma série de questionamentos a respeito da vida, resolvi seguir um conselho simples recomendado pelo livro de Dale Carnegie, "Como evitar preocupações e começar a viver", em uma parte em que este cita Rudyard Kipling e um de seus poemas, que aborda seis perguntas, que podem nos ajudar a entender bastante sobre algo do qual queremos saber alguma coisa.
Resolvi colocar essas seis perguntas em ação, mas o método não me pareceu satisfatório.
Mais um método que não funciona. Ele é bacana, parece inteligente, mas não funciona.
Fiquei frustrado. Ora, como não ficar frustrado?
Mas a frustração era já uma sensação velha conhecida minha. Não sei se sou uma pessoa muito perfeccionista, ou muito ansiosa por ver as coisas acontecerem, mas o fato é que eu sempre fora muito crédulo, muito ingênuo com relação a regras.
Nossa vida é sempre cheia delas. Começamos por obedecer nossos pais, depois nossos professores, depois nossos patrões, e depois os inúmeros gurus e mestres que surgem em diferentes momentos, seja por meio de livros, por meio de palestras e cursos, seja por meio de vídeos e apresentações, ou mesmo em revistas e jornais do dia-a-dia. Sempre tem alguém sugerindo algo para tudo.
Ensinam-nos a como dormir, como comer, o que comer ou não, como nos exercitar, como dirigir, que carro comprar, o que deveríamos ler para sermos mais espertos, o que devemos assistir na televisão, que filmes ver no cinema e quais deixar de lado, que roupas comprar e vestir, e como lavá-las e passá-las corretamente para durarem para sempre, e mais uma infinidade de outros conselhos, para tudo em nossa vida.
Não bastasse isso, temos leis que proíbem isto, permitem aquilo, e determinam exatamente como devemos nos conduzir ou comportar em diferentes aspectos de nossa vida.
Por fim, se não bastasse, há os conselheiros, psicólogos, coachs, treinadores, especialistas, psiquiatras, médicos da alma, pastores, padres, pregadores, doutrinadores, mestres, filósofos, pensadores, intelectuais e ideólogos que tentam cooptar nossas mentes.
Não vou falar dos marketeiros, os publicitários, os homens de negócios cujo único objetivo é nos convencer a comprar, a gastar nosso tempo e nosso dinheiro, e sermos fiéis a seus produtos, sejam esses um carro, um banco, um sabão em pó, um site, um aplicativo, um tablet, um sapato especial, um pacote de viagens ou uma cidade inteira.
Todos querem controlar todos.
Mas, se somos crédulos, e muitos o são, talvez devêssemos dar margem à oportunidade e permitir que aqueles que nos falam tenham seus espaços em nossas vidas. Está certo, eu concordo que é possível que minhas roupas estejam mesmo meio encardidas e que talvez a culpa seja dos sabões em pó baratos que ando comprando, e que talvez seja importante usar algo melhor. Está certo, o alho é bom para os nervos, e vou passar a colocar mais alho no arroz. E está igualmente certo o conselho de que as coisas só são difíceis porque não nos esforçamos muito, e que o sapinho surdo chegou mais alto que todos os outros sapos no concurso de subida de poste simplesmente porque era surdo e não deu ouvidos às vozes dos fracassados e medrosos. Vou, de ora em diante, fazer ouvidos de morto para aqueles que dizem que ficar rico é muito difícil, e vou me esforçar mais.
Só que as regras não funcionam. Elas simplesmente não funcionam.
Como, não funcionam?
Eu já tentei colocá-las em prática, todas?
Pois bem, minha trigésima terceira pergunta é a seguinte:
"Por que os manuais e regras não funcionam?"
Eu estou fazendo uma afirmação contundente aqui. Estou afirmando algo como se tivesse testado algo, como se tivesse comprado um produto qualquer em um supermercado e testado e chegado à conclusão de que não, não funciona como eu esperava que funcionasse.
Ora, há milhares de, retifico, milhões de pessoas trabalhando incansavelmente tentando convencer o resto da humanidade a fazer o que eles querem. Talvez não haja objetivo maior no planeta do que convencer outro ser humano a fazer o que queremos.
Há um aspecto interessante aqui, o da liberdade humana, e a percepção de que só há convencimento porque não se pode usar da força contra nossos semelhantes. Mas este aspecto ficará para depois, porque é um assunto complexo e perigoso.
Ficamos com o mero convencimento.
Não funcionam em que sentido? Como posso dizer de maneira tão generalizada que regras não funcionam? Como posso generalizar uma afirmação com base apenas na minha pequena experiência de usar as seis questões de Kipling, que não foi totalmente inútil, e daí admitir que as outras bilhões de regras não funcionam também?
É que somos pessoas crédulas. Esperamos que nossos professores nos ensinem fórmulas consagradamente eficientes, e não apenas meio eficientes, porque não gostamos de trabalho e frustração. Era assim que eu pensava quando ingressei em uma faculdade. Eu imaginava um corpo de professores e colegas de classe que fossem profundos, sérios, sábios e que os livros recomendados fossem fórmulas de sucesso financeiro seguras como as fórmulas químicas, e tão secretas, difíceis e inatingíveis quanto o segredo da Coca-Cola, e que só estariam à disposição daqueles que foram merecedores, os esforçados alunos que passaram no vestibular, e passaram nas disciplinas básicas ano após ano, e que agora estavam aptos a conhecer o segredo máximo, a fórmula da fortuna, como um conto de Harry Potter da vida real, o segredo para a fábrica de fazer dinheiro.
Ingenuidade, dirão. Verdade. Ingenuidade, minha e de muitos milhões de pobres estudantes que ano após ano se frustram com as falsas promessas dos sistemas educacionais. Falarei mais sobre isso no futuro, isso é certo.
Ora, a fórmula de Kipling falhou. Daí posso eu concluir que todas as demais fórmulas são falhas?
Observo que há, entre as bilhões de recomendações, muitas delas que são contraditórias entre si. Há o guru que diz que devemos comer nosso alho, e há o guru que nos recomendará a total abstinência do alho, que é a causa maior de nossos fracassos, e isso, essas contradições, precisam ser resolvidas em um momento qualquer do futuro neste blog também, mas não agora. Agora, admitimos que há regras contraditórias, as quais suponho sejam pouco conhecidas e não devidamente estudadas, mas é só. Continuemos com a questão da falibilidade das regras.
Não seria o caso de eu ter aplicado a regra de Kipling de maneira errada? Há um portão secreto que se abre com a palavra mágica, um Abre-te Sésamo, ou Abracadabra, mas que precisa ser dita de maneira perfeita. Diga a palavra errada, ou a palavra certa da maneira errada, e ficará para o lado de fora para sempre. A culpa não é do portão secreto. A culpa é de quem fala a palavra mágica.
Esse aspecto é sério.
Há uma escada bem construída que nos leva ao alto de um muro, mas o muro é o muro errado. Se estamos perdidos em um labirinto, uma escada é útil, mas de nada vale se não a colocarmos no muro certo. Kipling conhecia o muro certo? Ele nos deu uma escada, certo?
Fórmulas não funcionam de fato, ou elas funcionam, mas são de difícil aplicação?
Ou, elas não são difíceis de serem aplicadas; apenas eu em particular é que não aprendi direito como usá-las e aplicá-las corretamente?
Leio a regras, mas não as entendo, ou leio as regras, entendo, mas não sei como aplicá-las?
O problema está nas regras ou em mim?
O problema em mim é de aprendizado ou aplicação?
É um problema de contexto?
A regra em si é insuficiente e precisa de mais outras regras para fazer-se eficaz?
Essas dúvidas não foram respondidas ainda. Na época em que formulei a pergunta original, eu tinha uma noção de que o problema poderia ser tanto a regra quanto o meu entendimento e aplicação da mesma.
Eu tive noção também de que há regras simples, e há regras complexas. Há, nas regras, algo como há na culinária, com suas receitas, que são também regras, que é uma continuidade que parte do simples e vai para o complexo, de maneira que há como se aprender do simples fritar de um ovo ao mais complexo jantar que se serve a reis e presidentes em conclaves, cujos banquetes não são rivalizados com muita frequência. Ora, um banquete de reis não é como um fritar de ovos. Disso eu sabia em 2001.
Mas era só. Não respondi essa pergunta imediatamente, a do porquê de as regras falharem. Primeiro, era preciso dar atenção à complexidade das regras.
Daí que resolvi deixar a pergunta sem resposta e partir para uma nova pergunta, mais urgente e premente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário