quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Autoajuda funciona?

A trigésima sexta pergunta que fiz dentre a série que abordo atualmente neste blog é uma pergunta cética que volta seu poder de fogo contra a literatura de autoajuda em geral.

Eu disse em meu post anterior o que são regras e manuais, que manuais são conjuntos de regras, que regras são fáceis de serem expressas, mas não necessariamente simples de serem seguidas, e que não há relação entre a expressão de regras e manuais e a dificuldade na execução dos mesmos.

Se livros de autoajuda são livros que contêm regras que pretensamente devemos seguir para alcançarmos os objetivos propostos pelo autor e que nos interessa alcançar, então eles são espécies de manuais, ou seja, coleções de regras. Se uma simples regra pode ser difícil de ser seguida, que garantia há de que seremos capazes de seguir dezenas, centenas delas, organizadas de forma tal que não temos sequer a mínima garantia de que não sejam inócuas, contraditórias entre si ou mesmo que os esforços em busca de atender algumas delas não anule os benefícios já alcançados com a observância de outras delas, em um processo de construção e destruição que não nos leva a lugar nenhum, embora nos encha de esperança e nos consuma tempo, esforço e dinheiro como qualquer outro projeto que realizamos em nossas vidas?

Esta visão cética fez-me registrar a seguinte pergunta:

"Por que os leitores de Dale Carnegie e Og Mandino não são milionários e felizes?"

Em outras palavras: autoajuda funciona?

A resposta a esta pergunta é muito difícil de ser dada. E a razão desta pergunta é o ceticismo em relação à capacidade destes manuais serem efetivos ou práticos para aqueles que os leem. 

Lendo os livros, nos deparamos com dezenas de casos de sucesso que os autores narram como exemplos de aplicação bem sucedida de certos princípios, ações ou estratégias. Esses exemplos objetivam nos convencer de que esses princípios funcionam, e podem vir a funcionar para nós, caso venhamos a aplicá-los.

Vamos considerar que nossas vidas sejam sistemas dinâmicos que buscam um estado de equilíbrio, mas que podem desestabilizar-se seja lá por que motivo for. Vamos considerar também que nossos corpos físicos sejam também sistemas dinâmicos que buscam um estado de equilíbrio, que podem desestabilizar-se seja lá por que motivo for. 

Quando nossos corpos físicos estão em desequilíbrio, percebemos este desequilíbrio fisicamente, seja em forma de dor, desconforto, má aparência ou por meio de qualquer outro indício. Em geral, chamamos esse desequilíbrio de doença. Para tratá-la, há toda uma indústria composta de profissionais, equipamentos, tecnologia, remédios e diagnósticos. Quando buscamos ajuda, somos monitorados, soluções nos são recomendadas e podemos aferir com bastante precisão nossa melhora, de forma que em determinado momento, somos considerados curados, na maioria dos casos menos graves. A medicina possui parâmetros bastante seguros para medir saúde e doença, e procedimentos efetivos são ministrados regularmente para diferentes tipos de problemas.

Quando nossa vida como um todo está em desequilíbrio, percebemos este desequilíbrio de formas diferentes. Por vezes, sequer percebemos que estamos em desequilíbrio. Nestes casos, vivemos como se tudo estivesse bem, e só percebemos que há um problema quando alguém aponta em nós este problema que precisa de atenção e solução. Assim, uma pessoa cuja vida é julgada normal por ela própria, depara-se um dia com um livro que lhe sugere que sua vida financeira, ou profissional, ou psicológica, ou sentimental, ou social, ou espiritual, pode não estar andando tão bem quanto ela imagina, e esta pessoa passa a questionar se tudo está mesmo bem ou não. Se julgar que não está bem, ela procura ajuda. Ajuda de quem? Não da medicina, e seus diagnósticos e procedimentos precisos. Em geral ela procura a ajuda daquele próprio sujeito que lhe apontou o problema. Ora, se alguém consegue perceber um problema em mim, ele pode também apontar uma possível solução. É o que fazem os livros de autoajuda. 

Há infinitas maneiras de se sugerir que algo não vai bem na vida de uma pessoa. Mas, por que fazê-lo? Qual a razão de se tomar como atividade profissional séria a tarefa ingrata de passar o tempo apontando defeitos nas vidas de outras pessoas? Se não se pode ajudá-las, qual o sentido em mostrar que não são perfeitas? Só uma mente malvada e sádica se contentaria em se empenhar no trabalho de apontar defeitos nas vidas de seus semelhantes. Não é este obviamente o intuito de autores de livros de autoajuda, nem de psicólogos, nem de gurus ou outros cuidadores de vidas e almas. Uma mente malvada obtém meramente um prazer psicológico no seu ato malvado. Este ganho, o mero prazer no sofrimento alheio, é algo que consideramos doentio e por fim, é esta mente malvada que é defeituosa, e não nossas vidas, ainda que estas sejam imperfeitas.

Não, autores de autoajuda não são mentes doentias. Eles genuinamente acreditam que o mundo é imperfeito, as pessoas têm problemas diversos, sofrem em decorrência desses problemas, mesmo sem saber que os têm, e como bons seres humanos, esses autores pesquisam meios de cura que podem diminuir o sofrimento do mundo, tal como um químico busca uma droga que possa curar uma doença que precisa de tratamento. Quando um autor de autoajuda aponta um defeito em nós, ele quer que deixemos de sofrer, e que tenhamos vidas mais ricas e felizes. E ele espera que seus conselhos e métodos sejam eficazes, e nos exorta a segui-los por meio de exemplos e estímulos que podem nos convencer a agir positivamente. 

Quando lemos livros de autoajuda, em geral nos empolgamos. Eles são manuais, mas não são como uma bula de remédio, ou uma receita médica, ou um manual de uma televisão de alta tecnologia. Eles são escritos de maneira tal que possamos lê-los de forma descontraída, por vezes divertida, em geral escritos de forma vibrante, empolgante, enérgica. 

Livros de autoajuda estão para a alma e a vida assim como caixas de comprimidos estão para a gripe e a pneumonia. São, no entanto, soluções diferentes, com embalagens diferentes, para problemas diferentes.

Não se toma de um livro e se lê um capítulo da mesma maneira que se toma de um copo d'água e se engole um comprimido, assim como não se detecta um erro de estratégia financeira pessoal da mesma maneira que se toma de um termômetro e se mede a existência ou não de uma febre.

No entanto, temos dados conflitantes sobre a indústria da saúde das vidas, enquanto temos dados bastante consistentes sobre a indústria da saúde física. Remédios químicos são testados, procedimentos médicos são avaliados, profissionais de saúde são treinados, doenças físicas são combatidas, algumas erradicadas, outras reduzidas em seus potenciais de letalidade, e medicamentos se consagram como eficazes no mercado farmacêutico. Já na saúde da vida, ainda imperam lemas de séculos a muito idos, regrinhas elementares de controle financeiro extraídos de contos de fada ou de fábulas milenares, e soluções místicas e pseudocientíficas grassam pela sociedade como grandes incêndios, passageiros, mas terríveis, e deixam rastros de destruição social que lembram graves epidemias, de onde muito pouco se pode tirar de útil e de proveitoso, e que são momentos lembrados cada vez mais tristemente à medida que as décadas avançam e os contemplamos com mais clareza e isenção.

A pergunta que fiz se deve a um fato que é óbvio, mas pouco observado. Há milhares de livros de autoajuda, e há vários deles que são verdadeiros best sellers. Alguns vendem milhões de exemplares, durante décadas. O que justifica esse sucesso editorial? O que sustenta essas vendas ao longo de tanto tempo?

Fosse um remédio qualquer lançado no mercado farmacêutico e se mostrasse pouco eficaz contra a doença a qual se propusera a curar, por que alguém haveria de promovê-lo ou divulgá-lo? Por que haveria alguém de recomendá-lo a um amigo, se não obtivesse benefício algum dele? Por que não há placebos sendo vendidos nas farmácias?

No entanto, somos livremente aptos a comprar soluções psicológicas em forma de livros de autoajuda sem que nada haja que nos alerte quanto à eficácia ou não daquilo que estamos comprando, a não ser uma possível tarja vermelha nas capas dos próprios livros nos lembrando de que milhares ou milhões de leitores já compraram antes o mesmo produto, a mesma solução, a mesma esperança. 

Estamos sendo enganados por um simples truque de marketing do mercado editorial?

Ora, não sabemos quantos leitores se beneficiaram das regras que os autores nos recomendam. Os exemplos de sucesso que temos em mãos são os mesmos que o autor elencou quando escreveu o livro, por vezes a dezenas de anos atrás, e que hoje talvez não façam sentido algum, ou não provem nada. Onde estão os métodos de aferição, que garantem a longevidade de um remédio em uma prateleira de um farmácia, que possam garantir a longevidade de um livro em uma prateleira de uma livraria?

A pergunta não é fácil de ser respondida.

Em 1996, em meu último ano de faculdade, escrevi uma monografia, exigida como parte de meu trabalho necessário para a conclusão de meu curso de Administração de Empresas. Como tenho especial paixão pelos livros e pelo conhecimento em geral, elaborei um pequeno estudo sobre marketing editorial. Havia outras razões para a escolha deste tema, mas não tratarei delas agora. De qualquer maneira, não era minha intenção na época tentar provar ou estudar qualquer coisa relacionada ao marketing ou à efetividade dos livros de autoajuda.

No entanto, tive acesso a dados estatísticos relacionados ao mundo editorial que me mostraram aspectos interessantes a respeito de leitores de livros em geral, que em 2001 viriam a ter papel importante quando da elaboração de minha pergunta cética a respeito dos livros de autoajuda.

O que os dados me mostravam em 1996, e que me despertou ceticismo em 2001, era que pessoas não lidam da mesma maneira quando falamos de livros e pílulas e comprimidos.

Claro, essa diferença de tratamento é óbvia sob muitos aspectos, e não seria preciso um estudo estatístico para provar o que qualquer pessoa pode ver: livros não são remédios.

Mas não é esta a questão que importa. Não é esta diferença óbvia que me interessa aqui.

O que me interessa aqui é: por que um remédio para gripe continuaria a ser bem vendido ano após ano, e apesar disto, seus consumidores continuariam a ter a gripe, como se a doença não pudesse ser curada, ou como se o remédio não surtisse efeito?

A verdade é que não sabemos  tanto quanto gostaríamos de saber sobre a relação entre consumo de remédios e cura de doenças no mundo real, assim como sabemos menos ainda a respeito de compra de livros de autoajuda e problemas pessoais que as pessoas enfrentam na condução de suas vidas.

Evidentemente, há pesquisas sobre remédios, mas não é esta a questão. Não sou especialista em hábitos de consumo e uso de medicamentos, e acredito que a indústria da saúde e a indústria farmacêutica, os maiores interessados no tema, possuem dados relevantes sobre os mesmos, mas o que me interessa são estudos semelhantes na área da literatura de autoajuda.

Será que temos informações seguras a respeito da efetividade dos livros de autoajuda, de psicologia, filosofia ou de qualquer outro ramo que vise nos ministrar soluções para problemas que não são físicos, mas são problemas tão sérios que por vezes precisam mais urgentemente de tratamento que a maioria das doenças físicas que tanta atenção recebe da indústria como um todo? Por que os problemas humanos que não são doenças físicas são tão mal compreendidos e tão pouco estudados? Por que se permite que mitos e enganos sociais se perpetuem no dia-a-dia da sociedade, como placebos, ou como emplastros, sangrias e outros métodos antiquados que provocam mais mal que bem sob o ponto de vista social?

Este post é sério, e portanto, longo. Encaminho o leitor para o post seguinte, se quiser acompanhar o desenrolar de meu raciocínio sobre o tema, e minha tentativa de responder a pergunta acima, porque preciso dizer mais sobre este assunto, e não pretendo fazê-lo neste único post.

Continuemos...

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