sábado, 20 de dezembro de 2014

Gaia nos odeia

Li este texto onde o renomado cientista inglês James Lovelock, o criador do conceito ecológico de Gaia, da Terra como um superorganismo, nos alerta para a possível catástrofe que nos aguarda, onde 6 bilhões de pessoas morrerão nos próximos 100 anos devido ao aquecimento global.

Ele fala com a autoridade de quem?

De um senhor de 88 anos?

De um cientista muito bem informado e lastreado em uma teoria sólida e bem testada?

De mais um futurólogo dotado de liberdade para alardear catástrofes para se autopromover?

De mais um charlatão que, incapaz de dizer algo útil, prega o terror, com um amargor e um ódio digno de um vilão de filmes de meia tigela?

Há um famoso axioma no mundo das finanças que se aplica bem ao caso, e pode responder com que autoridade Lovelock tece suas considerações catastróficas. É um dentre os vários axiomas que formam aquilo que é normalmente chamado Axiomas de Zurique, e que tem servido de orientação, sem bem que nem tanto, a muitos investidores em bolsas de valores e outros mercados onde o que está em jogo é o futuro e seus possíveis resultados. Esse axioma, o quarto dos vários que compõem os Axiomas de Zurique, cai como uma luva para o caso, e diz simplesmente isso:

"O comportamento do ser humano não é previsível. Desconfie de quem afirmar que conhece uma nesga que seja do futuro."

E eu desconfio de James Lovelock, porque cem anos é um nada em termos de Terra, mas é uma eternidade em termos humanos. A Terra não é um organismo racional que toma decisões e faz planos, nem o sistema climático é um relógio perfeito e bem regulado, cuja ação a uma suposta agressão a seu equilíbrio seja necessariamente eliminar o agressor. E somos, é verdade, coisinhas insignificantes quando tomados em particular e quando comparados fisicamente à nossa temível Gaia, mas não há nada, absolutamente nada que nos impeça de fazer o diabo para fazer o clima ser da maneira que queiramos que seja, nem que para isso precisemos virar o planeta no avesso.

Basta um único vulcão vomitando cinzas por um tempo relativamente longo para sua poeira tapar o sol e trazer o frio de maneira muito mais ameaçadora do que supõe nosso ilustre Lovelock. Vulcões existem aos milhares. Vulcões são refrigeradores naturais. Nada, absolutamente nada pode impedir que eles continuem existindo e expelindo cinzas ano após ano, turbinados pelo eterno mover de placas tectônicas inabaláveis, embora que capazes de promover os maiores abalos. Isso acontece de tempos em tempos, isso é bem relatado pela ciência, isso tem servido de contraponto a surtos de aquecimento que não têm nada a ver com os seres humanos e eles continuarão a acontecer, não anualmente, mas regularmente, e várias e várias vezes em um período de cem anos.

Se for preciso, faremos explodir os vulcões. Se for preciso, faremos mais. Não morreremos como formigas assadas pelo calor, inertes diante de algo que sequer temos certeza de que irá acontecer.

Acho, no fundo, que Lovelock nos odeia, a nós, microscópicas criaturas que ameaçam, com a simples respiração, a tranquilidade de sua amada Gaia teórica.

Eis mais um caso de amor entre criatura e criador que se torna devoção, e por fim, religião.

Karl Max que o diga.

Um provérbio africano

Há um provérbio africano que diz:

"Toda manhã na África, a gazela acorda. Ela sabe que precisa correr mais rápido que o mais rápido dos leões para sobreviver. Toda manhã um leão acorda. Ele sabe que precisa correr mais rápido que a mais lenta das gazelas senão morrerá de fome.

Não importa se você e um leão ou uma gazela. Quando o sol nascer, comece a correr."

Há mais sabedoria nesse provérbio do que supõe alguns ditos dos mais sábios filósofos. Ele servirá de base para a análise de um tópico que considero que preciso fundamentar melhor em minha mente. Dado que o tema é vasto e espinhoso, o farei aqui, por escrito.

Aguarde.

Aliás, corra.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

A segunda crise dos mísseis

Lendo sobre a tentativa de reaproximação dos Estados Unidos com Cuba, muito do que se lê na imprensa nacional se relaciona à bobagem de que isso significa a vitória de Castro, da esquerda latina ou coisa parecida. Mas acho que as interpretações nacionais estão eivadas de provincianismo e carecem de fundamentos geopolíticos. Afinal, brasileiros são míopes quanto ao que faz o mundo girar, e nossa imprensa, pobre de maneira geral, não está apta a tecer considerações além daquelas para as quais são regiamente pagas pelo sistema de apoio financeiro governamental. Quer dizer, esqueçam as opiniões locais. Elas são mera propaganda governamental, e nada mais.

Mas, curiosamente, li duas notícias lado a lado, e algo me pareceu óbvio, embora pudesse não parecer se as notícias estivessem separadas fisicamente no site onde as li.

De um lado, a notícia da tentativa de aproximação. De outro, a notícia de que Obama assinou mais uma medida de punição econômica contra a Rússia. Aparentemente, fatos desconectados.

Acontece que é sabido que o choque entre Rússia e União Europeia e Estados Unidos é uma briga de gigantes, onde todos os peões do terceiro mundo acabam sendo envolvidos, queiram ou não. Ora, a Rússia, na época da guerra fria, quase iniciou uma terceira guerra mundial exatamente por tentar colocar armas nucleares em uma Cuba recém-chegada ao comunismo. Os Estados Unidos evidentemente nunca pensaram em ter esse tipo de ameaça tão próximo. Logo, deu no que deu.

Agora, a poucos meses atrás, mas já sob sanção ocidental devido à anexação da Crimeia, a Rússia iniciou gestões no sentido de ter bases militares na América Latina, e mais especificamente em Cuba.

Ora, não é óbvio que para os Estados Unidos uma contramedida simples e barata seria simplesmente levantar o embargo e esperar a ruína dos Castro antes de que uma eventual base russa seja negociada e instalada?

Cuba e seu regime podem optar por ver a ilha inundada por um mar de capitalismo e se vincular aos Estados Unidos de tal modo que aceitar uma base russa em seu território seja inviável. Se aceitar a base russa, teremos uma segunda crise dos mísseis. E é exatamente esse cenário que os americanos desejam evitar, e a Rússia alcançar. Se alcançar, a Rússia só sairá de Cuba se a OTAN não entrar na Ucrânia. Simples assim.

Dado que a Rússia não tem uma economia forte a ponto de disputar com os americanos para ver quem paga mais por Cuba, resta aos americanos ver por quanto os Castro venderão sua ilha ao capitalismo. Se é isso mesmo, e os Castro perceberem a importância de suas decisões, eles pedirão um preço alto, muito alto.

Uma coisa é certa: quem pagar mais, leva. Nesse caso, acho que os americanos podem mais, mas nunca se sabe o quão altas as apostas podem chegar.

Lamento pelo jornalismo pago, mas não, Obama não quer o bem dos cubanos, ainda que possa ser intimamente um autêntico comunista. Como todo estadista em uma verdadeira democracia, ele não governa sozinho, não tem poderes para tomar decisões unilaterais sem aval de um congresso que é oposição, e ele pensa e continuará pensando somente nos americanos, seus compatriotas, e qualquer leitura diferente desta é mera retórica tendenciosa.

Veremos ao longo dos anos se é isso mesmo ou se essa minha leitura é fruto do mero acaso de duas notícias ocasionalmente alinhadas.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Aquecendo o motor da vida

Eu disse aqui que estava em um determinado momento de minha vida no qual eu sentia estar aquecendo o motor, arrumando minhas coisas, colocando a vida em ordem, enfim, me preparando para algo que eu parecia ansioso por ver acontecer.

O termo que usei, aquecendo o motor, faz referência ao mundo dos carros, ou dos aviões, e significa exatamente isto: preparação antes de uma ação maior e mais duradoura. Aquece-se o motor de um carro para que ele possa funcionar por um longo período de tempo e leve o carro aonde seu condutor assim o deseje.

Neste sentido, quando eu disse que aquecia o motor, eu quis dizer que eu estava colocando minha vida em ordem para entrar em uma rotina produtiva, na qual eu poderia fazer o que eu sempre desejei fazer.

Colocando a vida em ordem por quê? Ela estava em desordem?

Sim, nossa vida vez por outra, a minha vida, pelo menos, vez por outra passa por mudanças que fazem com que eu tenha que sair de minha rotina de planos e sonhos. Depois de um solavanco, é preciso tempo, paciência e algum trabalho para voltar a um estado de coisas rotineiro e propenso à produtividade duradoura.

Todo mundo tem sonhos, anseios, projetos para a vida à frente, para os anos que virão, e eu provavelmente tinha os meus sonhos quando fiz a afirmação do motor aquecendo, em 2004.

O que eu queria de fato fazer?

Não sei. Nunca soube direito que rumo dar à vida.

Quando menino, nunca tive grandes sonhos, até me apaixonar por aviões e desejar ser piloto, ou mesmo astronauta. Todo garoto já pensou nisso, mas nem todos levaram seus sonhos infantis adiante. Eu pelo menos tentei, e fui razoavelmente bem-sucedido. Mas não de todo.

Depois que vi que não poderia ser astronauta, nem piloto, descobri que não queria mais ser pobre.

Mas nunca havia feito uma afirmação contundente no sentido afirmativo. Não querer ser pobre é uma afirmação negativa, no sentido de que não implica em que eu queira ser necessariamente rico. Nunca disse que queria ser rico.

Mas, em determinado momento, aprendi que isso de desejos negativos não funciona muito bem na condução de nossa vida. Era preciso desejos afirmativos, do tipo: quero ser isso, desejo aquilo, quero ganhar X.

Não sei onde errei, mas parece que não consegui ainda descobrir, ou decidir o que fazer. Claro, faço muitas coisas na vida, mas nada que me arrebate, como o sonho de ser astronauta ou piloto.

Será que a força de nossa vontade é maior quando somos adolescentes? Se for, isso é fruto de nossa juventude ou de nossa imaturidade? Acho que é um pouco de ambos.

Quando amadurecidos, já adultos, não temos mais aquela garra que tínhamos nos nossos 18 anos. Eu me canso fácil, tenho sono fácil, quero dormir na hora certa e não tenho mais disposição de ânimo para arriscar grandes aventuras. Mas, mais que isso, ainda tenho forças. Trabalho muito, penso muito, estudo muito, me preocupo muito e consigo manter as bolas no ar muito bem, no malabarismo que precisamos fazer no dia-a-dia, com os nossos deveres e problemas. Acontece que também nos tornamos mais sábios. Nem tudo convém. Nem tudo é possível de ser feito. Nem tudo dá o resultado que imaginaríamos que daria se fôssemos jovens. Somos mais cautelosos, mais sensatos, menos ambiciosos, e isso é bom. 

Quando eu disse que aquecia o motor, eu certamente fazia menção a algo que sei que devo fazer, mas ao mesmo tempo sei que não é uma coisa fácil de ser feita.

Sou administrador de empresas, mas nunca exerci a profissão tal como ela deve ser exercida, como um profissional que atua gerindo um empreendimento no nosso mundo capitalista privado. Minha experiência nesse campo da vida é limitada, e sei que as coisas nele não são fáceis. Então, aqueci o motor, mas não fui em frente.

Por que fazemos isso, de dar asas a nossas ilusões para depois nos recostar em nossas poltronas quentes e reclamar a respeito de nossos sonhos não realizados, nossas vidas não vividas, nossas grandes oportunidades perdidas?

Eu preciso de uma resposta razoável para essa questão e mais, eu preciso decidir se aqueço o motor novamente, desta vez para uma jornada real, e não meramente imaginária.

Eu preciso de respostas.

Mothman ou o sobrenatural

Eu disse aqui sobre um filme que assisti três vezes. Trata-se de Mothman, um filme sobre o homem-mariposa, uma suposta criatura sobrenatural, estrelado por Richard Gere. Dado que esse é um grande ator, não estou falando de um mero filme de terror de categoria C. Estou falando de um filme que tem alguma consistência temática.

Não há exatamente nada de terrível no filme em si, mas há algumas passagens que me fizeram pensar um pouco mais sobre o estranho mundo em que vivemos.

Não é que eu acredite em monstros sobrenaturais. Eu não posso dizer que seja um crédulo no sobrenatural. Por outro lado, devo admitir que o mundo tal como o conhecemos hoje apresenta mais mistérios do que somos capazes de explicar satisfatoriamente. 

Então, não é uma questão de crença, mas de curiosidade a respeito das possíveis implicações que eventuais respostas a eventos tidos como sobrenaturais podem acarretar.

Historicamente a ciência tem sistematicamente demolido supostos fenômenos sobrenaturais ao longo dos séculos, e não podemos duvidar que mais dia, menos dia, ela acabará desvendando os que ainda restam sem explicação plausível.

Acontece que o registro de coisas estranhas no nosso planeta não para de ocorrer. O mundo continua a nos surpreender quase que diariamente com acontecimentos estranhos, alguns curiosos, alguns assustadores, alguns velhos conhecidos, outros novos e impressionantes, mas de qualquer maneira, acontecimentos que não podem ser explicados com facilidade por uma pessoa comum, e aparentemente, nem pela ciência atual.

Ora, se a ciência não pode explicar algo, o que o explicaria?

Somos forçados a procurar respostas em outras esferas do saber humano, e em geral, apenas explicações teológicas, mágicas, costumam apresentar alguma coerência que satisfaça nosso intelecto.

Dado o fato de que a ciência costuma explicar esses fenômenos mais cedo ou mais tarde, eu tenho a tendência de não procurar refúgio em explicações místicas ou teológicas, mas há casos considerados muito difíceis de serem explicados, ou cuja explicação mística ou teológica nos levaria a uma situação que a razão considera longe demais para se ajustar à nossa realidade.

Mas, além da mera curiosidade pelas explicações desses fenômenos, há uma razão maior para eu ter interesse no paranormal. É que a sociedade ocidental está direta ou indiretamente firmada na efetiva existência deles, e mais, a sociedade ocidental moderna lastreia-se na convicção de que a razão, a explicação para esses fenômenos é de ordem teológica. Logo, ou a civilização ocidental está errada de maneira quase estrutural, ou ela está segura de suas razões, e então, as possibilidades de entendimento do mundo são muitíssimo mais numerosas.

No fundo, no fundo, parece haver uma quase necessidade de que esses fenômenos sejam inexplicáveis pela ciência, e somente explicáveis razoavelmente pela teologia. Do contrário, todo um mundo de civilização desaba.

Se esse mundo desabar, e eu acho que em parte ele já desabou, fica um imenso vazio, que é muito difícil de ser preenchido.

Mas não temos certeza, nem eu, nem a ciência moderna.

Daí que o assunto é curioso, pertinente e urgente.

Se você ainda não se convenceu disso, eu de minha parte já me convenci, e darei minhas razões aqui, para quem quer que queira apreciá-las ou refutá-las.

Atrás do corre-corre do dia-a-dia, paira sempre uma dúvida, nas horas mais escuras e silenciosas de nossas vidas.

Eu me recuso a não enfrentar essa dúvida.

A solidão urbana

É curioso ler aqui que a dez anos atrás eu me sentia solitário, quer dizer, eu tinha poucos amigos quando morava em um bairro de Goiânia. Acontece que esse tipo de isolamento social, essa falta de amigos, é na verdade um sintoma de uma realidade que não posso contestar: viver em um ambiente urbano moderno implica em estar sempre fisicamente rodeado de gente, mas sempre social e emocionalmente isolado.

Já morei em cidades pequenas e grandes e sei do que falo. 

Evidentemente, sei que é possível de se viver em uma cidade grande e ainda assim ter muitos amigos, mas é muitíssimo mais fácil ter um monte de amigos em uma cidade pequena que em uma grande.

Se você estiver andando por uma rua movimentada de uma grande cidade e chegar a esbarrar em alguém, poderá chegar a pedir desculpas, trocar algumas palavras com a pessoa e ir em frente. Mas as chances de tornar a vê-la são ínfimas. Já em uma cidade pequena, certamente você não terá quase nenhuma situação que lhe ocorra de esbarrar em alguém, porque não são muitas pessoas circulando ao mesmo tempo em lugares movimentados. Em compensação, você passará a ver sempre os mesmos rostos a uma certa distância, e a rotina os fará conhecidos. Essa constância nos contatos, ainda que superficiais, pode não redundar em amizade necessariamente, mas acabará fazendo com que você se familiarize com as pessoas com as quais encontra ao longo do tempo, e mais cedo ou mais tarde, acabarão se tornando ao menos conhecidos, em uma cidade pequena.

Daí o senso de coesão social experimentado por moradores de cidades menores.

Mas isso é quase impossível em grandes cidades. Talvez, quem sabe, seja possível alguma coesão social nos locais de trabalho. Mas mesmo assim, é de se duvidar: trabalhei em lugares onde conviviam 200, 800, 1500, 2.500 e mesmo 4.000 pessoas. Isso significa que há mais gente aglomerada em um único grupo de prédios de escritórios que em muitas vilas e cidades pequenas pelo mundo afora.

Nasci em Tujuguaba, um vilarejo que creio que nunca teve mais que 1.000 habitantes em sua zona urbanizada e zona rural. Hoje, acho que a zona urbana de lá não possui mais que uns 700 habitantes. Todos se conhecem a um longo tempo. É bem diferente de um prédio com 20 andares imensos com 100 pessoas trabalhando em cada andar. A mobilidade de pessoas em um lugar assim é constante. Não se consegue consolidar mais que umas poucas dezenas de amizades, a maioria superficiais.

Em uma cidade grande como São Paulo, onde moro agora, ter um amigo morando em determinado local da cidade é o mesmo que tê-lo vivendo em outra cidade, ou mesmo outro estado, tamanha a distância física e social que separa as pessoas.

As pessoas apenas coexistem.

Se respeitam, é verdade. Se você trombar com alguém em uma esquina, terá um pedido de desculpas como o teria de um amigo, mas é só.

É a solidão das multidões.

E é preciso aprender a conviver com isso.

Florescendo


Eu disse aqui que os gregos antigos tinham por hábito dizer que certa pessoa do passado floresceu em determinado período da história grega, e não diziam que ela nasceu no dia x, do mês y, do ano z, como fazemos hoje.

Sei que eles usavam esse termo, florescer, porque li sobre alguns filósofos gregos antigos em uma coleção de livros sobre filosofia chamada Os Pensadores. Há um volume deles dedicado somente aos filósofos chamados pré-socráticos, porque viveram antes de Sócrates, o primeiro de uma série de filósofos de uma época de ouro da civilização grega, a cerca de 400 anos antes do nascimento de Cristo.

Hoje, não florescemos mais. Simplesmente vivemos de uma data x até a morte, quando então uma certidão de óbito dará até os minutos exatos de nossa morte.

Naquela época, a dos gregos, não havia um calendário tão bem elaborado quanto o nosso, nem relógios tão sofisticados ou precisos. Mas, mais que isso, creio que a civilização grega, e todas as outras mais que existiram antes da nossa, não davam assim tanta importância às minúcias do tempo. Não levavam assim tão a sério a exatidão das horas, do mesmo jeito que acho que há pessoas, sociedades e lugares que ainda hoje não dão essa importância.

Vivemos em uma época que a um grego antigo pareceria absurda. Um relógio qualquer que hoje todo mundo usa seria um objeto desnecessário também a qualquer outro povo do passado, tal como a um egípcio dos tempos dos faraós. Ele poderia nascer, florescer e viver sem se preocupar em saber se a hora do almoço seria antes ou depois do meio-dia exato. Simplesmente comeria quando tivesse fome, num momento do dia em que o hábito de sua sociedade determinasse aproximadamente que fosse o horário de comer e pronto.

Hoje, não florescemos, e sentimos fome sem poder comer, porque ainda não está na hora, embora tenhamos relógios perfeitos.

E não filosofamos nem construímos mais pirâmides.

Alguma coisa se perdeu ao longo dos séculos e de alguma forma, a simples inexistência da palavra florescer entre nós parece denunciar que o que foi perdido nos faz falta. 

Se o que foi perdido foi substituído pela tecnologia, e esta se gaba de ter nos dado relógios, acho que não foi uma boa troca.

Perdemos nosso florescimento e ganhamos a exatidão em nosso tempo de comer e morrer.

Bela troca.


quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

O bem comum

Eu disse nesta postagem que andei pensando sobre socialização e como um blog pode atender aos meus próprios interesses pessoais, mas também aos interesses de meus eventuais leitores. Quer dizer, eu tiro algum proveito quando escrevo meus textos neste blog, e o benefício que obtenho relaciona-se com o prazer que sinto em escrever sobre assuntos que me agradam, a clareza que obtenho a respeito de determinados assuntos que acho relevantes, porque quem escreve sabe que é mais fácil ordenar as ideias por meio da escrita que por meio da fala ou de outro meio, como o simples pensar silencioso sobre elas.

Agora, que ganha com isso, com a leitura de meus textos, um eventual leitor?

Depende de quem lê.

Os seres humanos são únicos. Todos sabemos o quanto somos diferentes dos nossos semelhantes. Na verdade, nem sei porque somos chamados de semelhantes, se somos assim tão diferentes.

Somos um tipo de animal (e somos mesmo animais, quer gostemos disso ou não) que tenta entender a si mesmo, mas esse entendimento é muito difícil.

O que temos em comum com nossos semelhantes?

Somos, é claro, muito diferentes, mas temos também muitas semelhanças.

Não acho que ressaltar diferenças seja mais ou menos importante que ressaltar semelhanças. Mas parece-me que ressaltar semelhanças pode, à primeira vista, ter melhores resultados que ressaltar diferenças. Digo à primeira vista porque certamente há situações em que afirmar um diferença pode ser melhor que realçar uma semelhança. Creio que o contexto onde se dá uma comparação é que dirá se é melhor enfatizar semelhanças ou diferenças.

Qual a razão dessa pequena digressão a um assunto que aparentemente nada tem a ver com textos e blogs?

É que meus textos são públicos. E é preciso ter em mente que somos seres sociais. Estamos sempre influenciando e sendo influenciados pelos nossos semelhantes.

Alguém recomendará que eu não me preocupe com essa questão da influência entre seres humanos por três motivos:

1 - Ninguém está se importando muito com o que eu escrevo. Não devo me levar tão a sério assim. Não devo me dar tanta importância assim, porque as pessoas não são folhas ao vento, que mudam de opinião como mudam de roupa de acordo com o que leem em meu blog.

2 - Meus textos não são realmente convincentes. Eu não consigo mudar ninguém, ainda que me esforçasse para isso. Então, seria preciso aprimorar meus dons argumentativos, e deixar de subestimar as razões alheias.

3 - As pessoas não mudam da maneira que acho que mudam. Elas mudam, sim, mas não em razão de textos meus ou de quem quer que seja. Elas mudam muito lentamente por razões que a razão desconhece. Há mais emoção e irracionalidade nas decisões das pessoas do que supomos e mesmo se eu tentasse mudar as pessoas, não seria nem o primeiro, nem o mais esforçado e nem o último a tentar e fracassar, porque há muita gente tentando séria e esforçadamente fazer a cabeça das pessoas, mas não conseguem. Logo, não devo me preocupar com o que escrevo, porque meus textos não conseguirão (nem os textos de ninguém) provocar algum mal ou bem em quem quer que seja.

E eu sou tentado a dar certa razão a alguém que fizesse essas advertências a mim.

No entanto, pensando no assunto, eu devo lembrar a mim mesmo de que não me cabe disseminar o mal, e se for para deixar públicas minhas ideias, que sejam ideias que promovam o bem comum, que tenham um senso de utilidade, porque não vejo razão para agir diferentemente.

Quão a razão para promover o mal?

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Escravidão química

Você fuma?

Você bebe?

Você usa cocaína? Maconha? Crack?

Você se considera livre das centenas de possíveis vícios por produtos químicos e livre de vícios psicológicos induzidos por produtos químicos?

Açúcar, gordura, sal, álcool: você está livre deles?

Escravidão química: pense nesse conceito, e em como ele é ao mesmo tempo tão presente e, no entanto, tão dissimulado, incompreendido, silencioso.

Pense na felicidade de ver-se livre definitivamente deles, para sempre!

Difícil?

Você não nasceu fumando. Seu pulmão nasceu livre.

Você nasceu puro.

Quem o corrompeu?

Quem o intoxicou?

Por que você aceita esse grilhão tão mansamente?

Você aceitaria que alguém o obrigasse a fumar um maço de cigarros todos os dias de sua vida?

Com o que se pareceria alguém que lhe exigisse tragar à força um cachimbo de crack? O quão aguerridamente resistiria a um ataque sórdido desses?

Quem nos envenena?

Você aceitaria trabalhar na Souza Cruz, Phillip Morris ou na, digamos, Ambev?

Você disse alguma coisa parecida com "drogas socialmente aceitáveis"?

Existe escravidão aceitável, do tipo psicológica ou química?

Existe meia droga?

Existe quase vício?

Existem "prejuízos físicos menores"?

Por que uma Souza Cruz ainda existe legalmente?

A liberdade legal pode permitir a liberdade de oferecer drogas a quem quer que seja?

As pessoas têm o direito de se autodestruírem?

Podemos proteger as pessoas delas mesmas?

Se não houvesse cordas, as pessoas se enforcariam?

Essas questões me intrigam.