sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

A segunda crise dos mísseis

Lendo sobre a tentativa de reaproximação dos Estados Unidos com Cuba, muito do que se lê na imprensa nacional se relaciona à bobagem de que isso significa a vitória de Castro, da esquerda latina ou coisa parecida. Mas acho que as interpretações nacionais estão eivadas de provincianismo e carecem de fundamentos geopolíticos. Afinal, brasileiros são míopes quanto ao que faz o mundo girar, e nossa imprensa, pobre de maneira geral, não está apta a tecer considerações além daquelas para as quais são regiamente pagas pelo sistema de apoio financeiro governamental. Quer dizer, esqueçam as opiniões locais. Elas são mera propaganda governamental, e nada mais.

Mas, curiosamente, li duas notícias lado a lado, e algo me pareceu óbvio, embora pudesse não parecer se as notícias estivessem separadas fisicamente no site onde as li.

De um lado, a notícia da tentativa de aproximação. De outro, a notícia de que Obama assinou mais uma medida de punição econômica contra a Rússia. Aparentemente, fatos desconectados.

Acontece que é sabido que o choque entre Rússia e União Europeia e Estados Unidos é uma briga de gigantes, onde todos os peões do terceiro mundo acabam sendo envolvidos, queiram ou não. Ora, a Rússia, na época da guerra fria, quase iniciou uma terceira guerra mundial exatamente por tentar colocar armas nucleares em uma Cuba recém-chegada ao comunismo. Os Estados Unidos evidentemente nunca pensaram em ter esse tipo de ameaça tão próximo. Logo, deu no que deu.

Agora, a poucos meses atrás, mas já sob sanção ocidental devido à anexação da Crimeia, a Rússia iniciou gestões no sentido de ter bases militares na América Latina, e mais especificamente em Cuba.

Ora, não é óbvio que para os Estados Unidos uma contramedida simples e barata seria simplesmente levantar o embargo e esperar a ruína dos Castro antes de que uma eventual base russa seja negociada e instalada?

Cuba e seu regime podem optar por ver a ilha inundada por um mar de capitalismo e se vincular aos Estados Unidos de tal modo que aceitar uma base russa em seu território seja inviável. Se aceitar a base russa, teremos uma segunda crise dos mísseis. E é exatamente esse cenário que os americanos desejam evitar, e a Rússia alcançar. Se alcançar, a Rússia só sairá de Cuba se a OTAN não entrar na Ucrânia. Simples assim.

Dado que a Rússia não tem uma economia forte a ponto de disputar com os americanos para ver quem paga mais por Cuba, resta aos americanos ver por quanto os Castro venderão sua ilha ao capitalismo. Se é isso mesmo, e os Castro perceberem a importância de suas decisões, eles pedirão um preço alto, muito alto.

Uma coisa é certa: quem pagar mais, leva. Nesse caso, acho que os americanos podem mais, mas nunca se sabe o quão altas as apostas podem chegar.

Lamento pelo jornalismo pago, mas não, Obama não quer o bem dos cubanos, ainda que possa ser intimamente um autêntico comunista. Como todo estadista em uma verdadeira democracia, ele não governa sozinho, não tem poderes para tomar decisões unilaterais sem aval de um congresso que é oposição, e ele pensa e continuará pensando somente nos americanos, seus compatriotas, e qualquer leitura diferente desta é mera retórica tendenciosa.

Veremos ao longo dos anos se é isso mesmo ou se essa minha leitura é fruto do mero acaso de duas notícias ocasionalmente alinhadas.

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