domingo, 19 de janeiro de 2014

Escrevendo coisas ao longo da vida

Eu disse certa vez aqui que também certa vez no passado eu escrevera um livro.

O que tenho a dizer agora a respeito do fato de ter escrito um livro a muito tempo atrás é que ao tocar neste assunto aqui neste blog, eu o fiz para lembrar a mim mesmo que escrever é para mim uma coisa muito íntima e familiar.

Quando eu me referi ao fato de ter escrito um livro, eu fazia referência a um livro que de fato publiquei no ano de 1996.

Esse livro e sua publicação merecem um texto adequado, é certo, mas eu preciso dizer primeiro que antes de publicar este livro, que dei o título de Zago, eu já vinha escrevendo minhas coisas desde 1987.

Quer dizer, eu comecei a escrever minhas coisas quando tinha a idade de 17 anos, e não parei mais.

O que tanto escrevi nesses anos todos?

Que valor tem esses escritos para mim e para o mundo?

Não sei. Talvez nenhum valor maior do que o sentimento de realização que nos proporcionam as nossas pequenas e mundanas realizações, e que só significam algo para nós mesmos, e mais ninguém. Que seja.

Não escrevi tanto assim. Escrever dá trabalho, e não dá dinheiro, e não dá nada mais que algum prazer passageiro, mas somente depois de algum tempo, depois que nos esquecemos daquilo que escrevemos, e relemos nossas coisas com os olhos de estranhos, e ainda assim, é possível que nem prazer nos dê, mas sim vergonha e humilhação desnecessárias e evitáveis.

Como não sentir vergonha daquele poema bobo que escrevemos a vinte anos atrás, e que hoje nos parece tão feio, tolo, desnecessário? Por que tivemos a arrogância, a audácia de nos metermos a escrevê-lo, se não somos, e sabemos não ser, poetas, e nem ter na veia o sangue poético que leva os verdadeiros aspirantes a poetas a escrever, escrever, escrever, até que seus poemas não sejam tolos, ridículos, desprezíveis?

Mas, enfrentemos a vergonha. Escrever é preciso.

Eu não acho que seja um bom escritor. Nem acredito que seja escritor. Eu sou uma pessoa que foi obrigada a aprender a escrever, e isso não significa de modo algum que eu tenha aprendido a minha obrigação. Mas, achei o ato de escrever um passatempo gostoso. Não sei se escrevo bem, mas gosto de escrever.

Às vezes escrevemos coisas razoáveis. Às vezes nos metemos a falar de coisas que não conhecemos, apenas porque temos a oportunidade de colocar no papel algo que pode ser colocado no papel. Afinal, papel aceita tudo, inclusive divagações sobre aquilo que não conhecemos. É certo que o papel aceitará nossas ideias bobas, frágeis, desconexas, simplórias, amadoras. Mas não seremos poupados de reconhecer nesses escritos a bobagem, a fragilidade, a simploriedade e o amadorismo que fluiu de nossas penas simplesmente porque nos metemos a escrever sobre aquilo que não conhecíamos. Eu às vezes tenho vergonha do meu blá-blá-blá literário, e pseudo-literário, e não posso negar que reconheço o quão mal já escrevi, se é que ainda não escrevo.

Mas, não vejo no ato de escrever mal um pecado. Escrever é uma habilidade que se aprende, e mais se aprende quanto mais se escreve, e por isso tenho me esforçado a escrever o mais que posso. Quando leio algo que julgo ter escrito bem, fico orgulhoso de mim mesmo, e isso me basta. Escrevo para mim mesmo, e se leio e gosto do que escrevi, dou-me por satisfeito. Mas não no momento mesmo em que acabo de escrever.

Não. Escrever tem dessas coisas. Um texto é como um quadro, uma pintura. Precisamos dar uns passos para trás e olhar a nossa pintura de longe para podermos tê-la em perspectiva tal que possamos contemplá-la em um conjunto, e não apenas olhá-la de perto, da distância que comumente tomamos para pintá-la, porque então estamos saturados da imagem que constantemente temos diante de nós ao longo de todo o tempo em que levamos para pintá-la, e por isso, tal perspectiva, tão próxima, tão pessoal, tão íntima, não nos provoca nenhuma sensação de beleza, que é a que buscamos, mas apenas a de cansaço, de exaustão, de repetição.

Com um texto, o espaço se transmuta em tempo, e precisamos deixar que este corra para que possamos nos desintoxicar daquilo que escrevemos, e maior o tempo exigido se maior for o texto sobre o qual nos debruçamos para construí-lo. Escreva mil páginas, e precisará de mil dias para podê-las contemplar com o olhar neutro do leitor inédito.

Assim, escrevo, mas só aprecio o que escrevo algum tempo depois de ter escrito. Apreciar quer dizer aqui julgar, propriamente. Julgo o texto bom ou ruim, sem maiores indecisões. Afinal, julgo o texto de todo autor que tenha escrito algo que me caia nas mãos. Por que poupar meus próprios escritos de meu tão caro julgamento?

Assim, corrijo-me, quando posso. Vejo um texto ruim, procuro entender o que de ruim vai nele e busco não cometer o mesmo erro. 

Isso funciona? Não sei, mas eu me esforço.

Quanto já escrevi na vida?

Não sei, talvez umas mil páginas. Duas mil, quem sabe. Certamente não mais que três mil. Daria uma meia dúzia de volumes grossos.

Mas, se fossem seis volumes grossos, o que teria neles? O que valeria a pena ler?

Cartas de adolescente? Meu diário? Minha coleção de historietas? Meus dois artigos em revistas da faculdade? Minhas duas monografias? Minhas provas de faculdade? Meu livro de 1996? Minha agenda de 1999? Meu blog? Meus sites? Minha participação em fóruns da internet? Meus e-mails? Meus outros livros começados, mas não terminados? Meus projetos de livros?

Não, nada disso é sério. Nada vale muito, a não ser para mim mesmo.

Mas a seriedade não é nem será obstáculo impedindo a publicação daquilo que escrevi e escrevo. A seriedade é consequência daquilo que escrevo. A seriedade do amanhã é fruto da trivialidade de ontem e hoje. Escrever sério só se aprende escrevendo, ainda que não seriamente. Não se nasce seriamente escritor. Talvez se nasça poeta, quem sabe, mas não um escritor sério.

As minhas banalidades têm sua razão de ser. Não preciso viver daquilo que escrevo. Logo, posso ser trivial. 

Reconheço o poder das palavras, e principalmente as escritas, em comparação com as faladas. Falo pouco, embora também não dependa do falar bem para viver. A necessidade é a melhor escola, mas nunca precisei escrever nem falar bem para viver. Logo, nunca precisei me esforçar para desempenhar bem essas duas habilidades. Se sou apenas um escritor razoável, quando escrever me é prazeroso, o que dizer do meu discursar, quando não obtenho do discurso o mesmo prazer da escrita? 

Ainda assim, falo, e meu discurso é honesto, tal qual o meu escrever. Vou vivendo com eles tais como são, amadorísticas habilidades que nada rendem, exceto um prazer secundário e subsidiário. Entretanto, escrever é um prazer digno.

Cartas, poemas, diários, agendas, artigos científicos, comédias bobas, monografias, blogs, livros. O que mais posso fazer com esta minha vontade de escrever, senão dar-lhe vazão?

É certo que todo escritor quer ter seus escritos publicados. Eu também quero. E quero-os neste blog.

Mas cada coisa em seu lugar. 

Não falarei do livro Zago, de 1996, antes de falar do que escrevi em anos anteriores, porque a habilidade de escrever Zago decorreu do esforço de ter escrito outras coisas previamente. A habilidade de escrever é cronológica, e além do mais, cumulativa. Assim, falarei primeiro das minhas primeiras obras escritas: as cartas.

Mas eu já disse isso antes aqui neste blog.

Não basta prometer que falarei nelas. É preciso cumprir a promessa.

A promessa é esta: falar sobre minhas cartas neste blog.

Aposto que será uma coisa muito, muito significativa e cativante, e eu o farei.

Eu o farei.

O Diário de 1992

A imagem abaixo é a capa de meu Diário de 1992. Eu falei dele aqui, em 2004. 

Escrever diários sempre me parecera coisa de menina. Isso antes de 1992. Mas, em 1992, eu tinha ainda 21 anos. Tinha saído a pouco tempo da adolescência, e, para falar a verdade, ainda era meio adolescente, meio que adulto, vivendo uma fase em que ainda era possível divertir-se fazendo coisas estranhas como escrever diários.

Por que escrever diários?

Eu não sei, mas na época, eu estava morando na cidade de Anápolis fazia um ano. Estudara na Escola de Especialistas da Aeronáutica entre 1989 e 1990, e me mudara para Anápolis, para servir na base aérea que há lá, e nos últimos dias de 1991, eu e meu irmão Roni, que morava comigo, chegamos à conclusão de que seria bacana escrever um diário.

Fomos para uma papelaria e compramos duas agendas idênticas, uma para mim e outra para ele. Não tínhamos a intenção de usá-las como agendas, mas como diários.

As meninas do primeiro grau, do segundo grau até, às vezes tinham agendas bacanas, todas coloridas, enfeitadas com adesivos, recortes de revistas, fotos de gente famosa, rabiscos, desenhos, poemas, letras de músicas, etc. Eram agendas bonitas, mas que não combinavam muito com homens. Eu nunca vira nenhum rapaz tendo como passatempo de escola ficar enfeitando ou mantendo uma agenda tal como as meninas faziam, e nem era essa nossa intenção. Eu e meu irmão queríamos mesmo era um diário.

De onde tiramos essa ideia?

Não sei, mas acho que foi de um livro de André Gidé. Naquela época, eu ainda não estava na faculdade. Perdera uma chance de vestibular e ficara o ano de 1991 todo só trabalhando, com as noites livres, sem estudar, e neste meio tempo aproveitávamos para fazer um monte de coisas, tais como ouvir música, vadiar com amigos, correr atrás de meninas, beber, jogar sinuca, e outras coisas mais, exceto ver televisão. Este é um vício que nunca tive e que nunca roubou meu tempo. Nós montamos nossa casa e sequer pensamos em comprar televisão. Assim, tínhamos tempo de sombra, ainda que somente à noite. E aproveitávamos bastante. Por isso, 1991 foi um ano em que aproveitamos para ler muito. 

Acho que ambos lemos Os Subterrâneos do Vaticano, de Gidé. Havia um personagem interessante, Lafcádio, e posso estar enganado, mas creio que ele tinha um diário, ou coisa parecida. Havia algo de excêntrico em Lafcádio, e creio que ele tenha nos inspirado a escrever diários.

Eu usava meu tempo livre também para escrever pequenas histórias. Gostava de escrever. Aprendera a gostar de escrever na Escola de Sargentos, e achava que seria muito interessante escrever um diário, para ver que resultado daria.

Começamos os diários no dia 1º de janeiro de 1992. Eu não fui até o final, mas escrevi alguma coisa sobre cada um dos meus dias no meu diário até quase o fim do ano. Não escrevia exatamente todos os dias. Às vezes, ficava dois ou três dias sem escrever, mas peguei o hábito de anotar mentalmente o que acontecera de interessante ao longo dos dias em que não anotara nada e depois, anotava, mesmo que com atraso, aquilo de que me lembrava.

Não havia muito espaço para se anotar coisas em cada dia, mas ainda assim, é surpreendente o poder que as palavras escritas nele tem de fazer retornar à minha memória coisas que eu jamais me lembraria sem sua ajuda. Pequenos detalhes, pequenas rusgas, problemas banais que hoje estão completamente resolvidos, essas pequenas anotações são como que um mundo oculto em um código.

Para mim, e por causa deste diário, 1992 foi um ano memorável.

Eu precisaria de muita coragem para transcrever esse diário aqui, neste blog. Nem mesmo acredito que sua leitura simples e direta significaria alguma coisa para qualquer pessoa que não eu mesmo e meu irmão, e as pessoas com quem nos relacionávamos naquela época.

Mas, com os devidos comentários, e com as devidas contextualizações, é um material fantástico.

A quem interessaria?

Hoje tenho 43 anos. Os adolescentes de agora vivem uma vida muito diferente da que vivemos nós, nascidos nos anos 70 e tornados adolescentes nos anos 80, e jovens adultos em 1990. É possível que os jovens de hoje vejam algum interesse em um relato deste tipo. Não sei. Talvez haja coisas em comum entre uma geração e outra, mas certamente há coisas que vivemos que a geração atual e as futuras certamente não viverão.

Meu diário não é ficção. Ele é real. As coisas anotadas nele são reais. Aconteceram.

Minha vida de jovem adulto, de velho adolescente, foi real, e, acreditem, foi interessante!

Gosto de escrever. Acho que O Diário de 1992 merece uma chance de vir a público. É curioso dizer isto, mas tenho a nítida sensação de que quanto mais o tempo passa e mais velho eu fico, e mais para atrás no tempo vai ficando o ano de 1992, mais interessante vão ficando as anotações do meu diário.

Acho que ele merece vir à luz do público.

Tenho certeza que vou me divertir muito dando-lhe forma para que possa ser entendido pelo público em geral.

Quanto ao diário de meu irmão, ele está comigo, o diário. Meu irmão mudou-se algum tempo depois para o Canadá e não o levou consigo. Depois que ele se foi de Anápolis, nunca mais viemos a morar perto um do outro. Ele nem se lembra do diário, ou, se lembra, nunca fez questão de tê-lo de volta. De qualquer maneira, de minha parte nunca tive a ousadia de ler qualquer coisa que seja do que ele tenha escrito. Sempre respeitei sua privacidade e intimidade. Não sei o que ele andou escrevendo por lá. Mas que seria muito interessante a gente reler nossas memórias, juntar as anotações de nossos dias em comum e juntos formarmos um relato conjunto daquela época, certamente seria.

Quem sabe, um dia.

De qualquer forma, não deixo de achar fascinante a ideia de que minha vida no ano de 1992 tenha sido tão rica e surpreendente.

Será que todos os anos são igualmente tão fantásticos e que só não sabemos disso porque não nos damos ao trabalho de anotar as pequenas coisas que acontecem conosco ao longo dos dias?

Serão os diários, ou mesmo os blogs, tal como este, aquele tipo de objeto mágico capaz de tornar o duro e inamistoso presente um grandioso e radiante passado?

Talvez sejam, e diante desta constatação, devêssemos dar a nós mesmos este trabalho, o de registrar o presente, o nosso dia-a-dia, para que um dia, no futuro, pudéssemos parar, ler aquilo que registramos a muitos anos atrás e dizer que de fato vivemos, e não apenas existimos. Assim, chegaríamos ao fim, é certo, mas não sem aquela sensação de ter realmente aproveitado a vida. A vida por nós vivida foi proveitosa? Com ou sem diário, ela foi. Mas o diário eterniza esse viver, testemunha-o para nós mesmos, para que não sejamos enganados pelas nossas memórias, que teimarão em renegar nosso passado, e fazer dele um vasto quadro branco, opaco, e que dará ao nosso existir o sabor neutro do existir inútil, estéril e carente de sentido e resultados. Os diários provarão o contrário, para que morramos em paz, realizados nas nossas vidas realmente vividas.

Essas constatações reforçam minha convicção de que mais dia, menos dia, depois das devidas adaptações, publicarei o meu diário, e que isto será de grande proveito para mim mesmo, se não para outros mais.

É o que veremos com o decorrer dos anos.

Promessa cumprida

Promessa é isso: aqui eu disse que seria fiel a este blog. Foi em 27 de maio de 2004. Hoje, passados quase dez anos desta data, escrevo esta que é a 514ª postagem, que perfaz o equivalente a um livro de 505 páginas. Se isso não for uma prova de fidelidade a este meu blog, não sei mais o que é. 

Mais que isso, eu sigo em frente, afirmando que procuro sempre cumprir aquilo que prometo a mim mesmo.

O que mais andei prometendo?

Este blog testemunhará minhas promessas cumpridas, isto é certo.

Outras demonstrações mais virão.

Aguardem.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Teorizando sobre problemas pessoais

Minha última postagem trás mais um texto de minha velha Agenda 99. Foi mais uma tentativa de minha parte de tentar escrever nos moldes dos escritores de autoajuda. Eu tomei como ponto de partida a absoluta impossibilidade de se viver uma vida perfeita para se chegar ao convencimento do leitor de que ele possui algum problema que precisa ser solucionado, e assim, como todo autor de autoajuda, me disponibilizar para ajudá-lo com uma possível solução mágica, uma panaceia secreta até então mantida em segredo por pessoas malvadas que sempre quiseram ter o privilégio da posse do saber apenas para elas mesmas.

Esse tipo de discurso tem alguma efetividade, mas eu conclui que escrevendo desta maneira não chegaria a lugar algum, porque constatar que se vive insatisfeito com alguma coisa não representa uma solução de nenhum problema em particular. Eu escrevia por escrever, tateando no escuro. Eu não iria a lugar nenhum com este tatear, porque eu não sabia o que precisava saber para ir mais longe. E o que é que eu não sabia, e nem sequer sabia que não sabia?

Se eu resolvesse escrever sobre algum assunto complexo relacionado com, digamos, Matemática, eu teria a clareza de entender que não sabia nada do tema e sequer cogitaria meter-me a escrever como um verdadeiro ignorante. Seria ridículo da parte de quem quer que fosse tentar falar sério sobre um assunto sobre o qual não tivesse domínio algum. Por que se meter a desempenhar esse papel vergonhoso? Por que se meter a falar difícil sobre aquilo que não se conhece?

O que eu não sabia, e não sabia que não sabia, é que faltava-me o estofo mínimo acerca do modo de pensar sistemático que é proporcionado pelo conhecimento correto e razoavelmente aprofundado do método científico. Eu não tinha esse conhecimento. Sem ele, não iria a lugar algum em qualquer que fosse o ramo de conhecimento que me propusesse a escrever. A verdade é que eu gostaria de escrever sobre algo, mas não tinha domínio sobre nada a ponto de ter o que ensinar a alguém por meio de um livro.

Assim, tratei de parar com textos de autoajuda o mais rápido que pude. Não, eu não era capaz de escrever um livro de autoajuda que fosse realmente sério.

Assim, deixei de lado essa ideia e tratei de abordar o assunto de maneira sistemática, mesmo sem saber que não sabia como fazer isso. Fiz uma tentativa de organizar meu pensamento por meio de algumas listas, algumas anotações que me pareceram ser lógicas, mas também não fui adiante.

Que listas foram estas?

É o que veremos nos próximos posts.

Você está satisfeito?

"Tudo está bem?

Como tem andado sua vida nos últimos dias? E nos últimos meses? E nos últimos anos? Tudo está bem?

Tem andado preocupado com o rumo das coisas?

Está satisfeito com seu grau de escolaridade? Sabe tudo sobre aquilo que gostaria de saber? Tem cuidado de sua saúde de maneira impecável? Tem viajado bastante? Tem se divertido muito em suas férias? Está com seu lado espiritual em paz? Tem visto seus pais, irmãos, filhos, com a frequência que gostaria? Está na profissão que ama? Está casado com a pessoa que sempre sonhou? Trabalha no emprego que pediu a Deus? Tem ganhado dinheiro o suficiente? Tem comprado as coisas que considera básicas para seu bem estar? Tem cumprido seu papel junto à sociedade em que vive? Mora no lugar que ama? Tem amigos o suficiente? Há algum ponto em algum aspecto de sua vida que não lhe agrada?

Poderíamos fazer perguntas e mais perguntas a respeito de nossa satisfação pessoal com relação ao momento presente até chegar ao ponto em que concluiríamos, com pesar, que, de fato, há coisas que não estão como gostaríamos que estivessem. Pior: parece não haver ser humano na face da Terra que possa sobreviver a um questionamento básico sobre sua satisfação com a vida que leva. Pior ainda: estamos somente questionando a satisfação presente, não a satisfação passada. Muitos podem se julgar razoavelmente satisfeitos com o presente, mas trazerem uma carga enorme de insatisfação passada, a ponto de dizerem coisas do tipo: ‘hoje vivo bem, mas já tive meus longos anos de cão...’, ou ‘já comi o pão que o diabo amassou...’. Em outras palavras, não há vida perfeita, se entendermos perfeição como sinônimo de satisfação. E, por mais absurda que pareça a comparação, é assim que vemos as coisas: uma vida com uma dose mínima que seja de insatisfação não é uma vida perfeita.

É interessante que uma vida com qualquer que seja a dose de insatisfação não é considerada uma vida imperfeita ou uma vida errada. Insatisfação não é o mesmo que imperfeição ou erro. E uma vida sem erros não é uma vida satisfeita. Podemos imaginar a vida dos santos, vidas sem erros, como vidas tristes e infelizes, e normalmente é assim que se tem como modelo arraigado na mente das pessoas.

Uma vida com alguma insatisfação é apenas uma vida menos perfeita. Nada mais que isso. Quanto maior nossa insatisfação, menos perfeita é nossa vida.

Mas o que é, afinal, estar bem?

Estar bem é não ter nenhuma insatisfação, teoricamente falando, mas humanamente sabemos que tal estado é impossível. Estar bem então é ter muita insatisfação tolerável ou pouca insatisfação intolerável."

Escrevendo livros de autoajuda

Minha última postagem trás um texto curto meio sem sentido. Este texto foi escrito por mim em 2001 em minha agenda, depois de ter eu feito uma série de perguntas a respeito da conveniência ou não de se ler e seguir conselhos de livros de autoajuda.

Eu escrevi este pequeno texto mais como um exercício de argumentação, usando o estilo típico dos escritores de autoajuda. Pensei em Dale Carnegie e em Og Mandino quando o escrevi. Meu objetivo era tentar provar a mim mesmo que o melhor proveito que a literatura de autoajuda poderia me dar seria por meio de um livro escrito por mim mesmo. Afinal, livros de autoajuda são famosos por vender bastante, e com isso, eu poderia ganhar um bom dinheiro.

Não é de se espantar que Og Mandino tenha sido tão entusiasmado com livros de autoajuda. Ele ganhou bastante dinheiro e ficou famoso escrevendo e publicando suas histórias. Por que não haveria de apostar nos livros de autoajuda?

A mim pareceu que escrever livros de autoajuda não seria nenhum problema. Afinal, em 2001 eu tinha já alguma experiência a respeito de escrever e publicar livros. Não achava que fosse muito difícil copiar os diversos estilos dos autores mais famosos e assim também ganhar o meu quinhão neste farto mercado.

Mas, como podem ver, o texto não é lá muito bom.

Ele não é um texto bom porque eu não sabia muita coisa sobre o que dizer. Eu devo confessar que escrever livros não é muito fácil, porque demanda muito tempo, planejamento e conhecimento. Eu não era muito perseverante com trabalhos tão longos, não tenha paciência para planejar a estrutura de um livro deste tipo, e não tinha conhecimento nem ânimo para iniciar um longo processo de pesquisa sobre este assunto. Mas, pior que isto tudo, eu não tinha autoridade para falar de uma coisa que me era estranha. Como falar de autoajuda e sucesso se eu não era um exemplo de nada? Nunca ganhara muito dinheiro, nunca fizera nada digno de nota, nunca me destacara em nada que servisse de inspiração para meus possíveis leitores.

Mas, eu sabia disto tudo logo no momento em que comecei o texto. Eu não estava falando sério sobre escrever livros de autoajuda quando comecei aquele pequeno texto.

Era somente uma espécie de vício de escrever. Somente isto.

Eu sabia que não resolveria minha vida escrevendo textos de autoajuda para quem quer que fosse. A solução que eu imaginava era de outro tipo.

Que tipo? Eu não sabia, mas sabia que não era por meio de textos de autoajuda. Eu era já uma pessoa calejada com este tipo de ilusão. Escrevi apenas porque deu vontade.

Depois, escrevi um pouco mais.

Não pensando em elefantes

"Por que você deve, afinal de contas, ler este texto?"



"Por que alguém deveria se preocupar em ler este texto? Por que você deve, afinal de contas, ler este texto? E por que não lê-lo?


Por falta de tempo, por desinteresse, por preguiça, por não saber do que se trata, por ter coisa melhor para fazer, porque não gosta de ler, enfim, pelos mesmos motivos de sempre.

Levando-se em conta que esta página possui textos que podem influenciar seu modo de pensar e sua vida em geral, presumimos que a falta de tempo é uma má desculpa, porque você pode acessá-la mais tarde, amanhã e nos fins de semana. Você pode imprimir esta página e lê-la mais tarde, quando tiver dez minutos de tempo livre. Sim, sabemos que pode colocar essa página na sua lista de favoritos para poder acessá-la mais facilmente amanhã caso esqueça o endereço. Faça-o agora. Salve esse endereço como favorito agora mesmo, antes que esqueça.

E já que está sem tempo, imprima-a agora mesmo também e dobre a folha impressa em quatro pedaços e a coloque no bolso, para ler mais tarde sossegadamente. Se você tem tempo, mas ainda não teve interesse pelo que está lendo, então é importante que você saiba que este texto em si não, mas os demais textos dessa página poderão ser de seu grande interesse, porque, como falamos antes, eles tratam de coisas que têm influência direta sobre sua vida. Alguns textos tratam de assuntos importantes que podem fazê-lo arrepiar-se de não ter pensado neles antes. Outros poderão fazer com que você descida mudar sua vida de uma forma inimaginável anteriormente. Lembre-se que dissemos ‘podem’ e ‘poderão’. Talvez não provoque surpresas, nem induzam a mudanças, mas certamente são textos que tratam questões comuns do dia a dia de forma intrigante. O mero fato de se abordar certas coisas de forma diferente já faz com que valha a pena se perder algum tempo lendo-os.

Quanto à preguiça, acreditamos que seja possível de ser contornada, uma vez que os assuntos são interessantes. Mas, como garantia, pedimos que se proponha a ler pelo menos o primeiro texto. Ao final, é possível que a preguiça tenha desaparecido, mas se não desapareceu, então salve o endereço da página na pasta Favoritos e tente outro dia. Entendemos sua fraqueza.

Quanto ao fato de não se saber do que se trata, acreditamos que um vislumbre pelos títulos dos textos já lhe dê uma ideia dos assuntos que abordam. Não são propriamente textos filosóficos, nem de autoajuda. São textos do tipo ‘relaxe e simplesmente leia... deixe o trabalho de pensar por nossa conta’. Sabemos que parece algo estranho, mas não é muito diferente deste conceito. No final, verá que deixar que os pensamentos fluam não é tão mal assim. Aliás, é mesmo bastante interessante.

Quanto ao fato de ter coisas mais interessantes a fazer, então só podemos desejar que divirta-se fazendo o que gosta mais, embora essa opção possa ser um modo de pensar não muito sensato. Leia um texto, pelo menos. Certifique-se de que realmente ele não tem nada de interessante para lhe oferecer. Talvez tenha...

Quanto ao fato de não gostar de ler, muito bem, também entendemos seu ponto de vista, mas cabem aqui dois breves comentários: primeiro, que você passa o dia todo lendo e não percebe e nem reclama, então por que não dar uma chance ao acaso e ler um pouco mais? Quem sabe não seja tão ruim assim? E segundo, você já está acabando este texto longo e se chegou até aqui, tem uma ideia do que possa vir pela frente. Garantimos que os próximos textos serão melhores e mais agradáveis e úteis de se ler.

Pare agora e leia o título desse texto: ‘por que você deve, afinal de contas, ler esse texto?’.

Note que tudo o que leu até agora foi uma série de argumentos contrários ao ‘por que não lê-lo?’.

Se você está disposto a continuar lendo, verá que as coisas são assim mesmo. Comemos gato por lebre o tempo todo, a vida toda, e sequer paramos para pensar sobre o que fazemos e porquê fazemos. Mas chega...

Por que, afinal de contas, ler o próximo texto? E por que não lê-lo?

Ler ou não ler: eis a questão (o fato é que já está lendo e não tem mais opções).

É o fim do assunto. É como aquele velho truque mental: pense em tudo que quiser, menos em elefantes...

Pronto: você só pensa em elefantes.


Não pense num elefante agora."

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Como medir o bem estar matematicamente?

Este post trata da quadragésima sétima e última questão da série que venho discutindo neste blog.

Nós, seres humanos modernos, somos animais inquietos. Passamos nossa vida imersos em um processo de satisfação de necessidades e desejos, tal como todos os animais, mas nós somos culturalmente condicionados a desejar coisas das quais realmente não necessitamos.

A necessidade, real ou artificial, quando não atendida torna-se um foco de insatisfação que faz com que nos sintamos não muito bem. Essa sensação de desejo não realizado é incômoda, e costumamos nos comparar com outras pessoas para medir se estamos vivendo bem ou não. Quando temos a percepção real ou psicológica de que não estamos tão bem quanto nossos semelhantes aos quais temos contato, sentimos que vivemos uma vida aquém da que poderíamos viver. Por vezes, essa sensação de frustração e fracasso pode levar a uma série de ações em busca de satisfazer essas necessidades ou desejos. Por vezes, vivemos em uma tal rotina e entendemos que o esforço que teremos que fazer para vivermos em condição de igualdade com aqueles que julgamos estar vivendo melhor que nós é tão grande que preferimos permanecer na situação na qual nos encontramos. Em caso de optarmos pelo conformismo, a insatisfação permanece, porque a necessidade permanece, porque, afinal, a diferença que percebemos entre nós e nossos semelhantes permanece, já que não fizemos nada para fazer desaparecer essa desigualdade.

Ora, em dado momento eu questionei o que seria este estado no qual não perceberíamos estar em uma situação na qual sentiríamos desejos incômodos e frustrantes. Percebi que não há uma escala objetiva para tomarmos mão dela e fazermos comparações sensatas. Sem uma escala fora de nossas mentes, podemos estar sob a influência de desejos que na verdade são caprichos mesquinhos e egoístas, socialmente absurdos e perniciosos. Tudo vai depender do quão sujeitos estamos a ser influenciados por fatores externos a nós mesmos. Um ser humano normal não sente, fisiológica e psicologicamente falando, desejo natural de correr por estradas sinuosas pilotando uma Ferrari a 200 km/h tentando ultrapassar uma loira em uma Mercedes, como num filme de James Bond. Se alguém deseja realizar essa fantasia, é porque de alguma forma se deixou sujeitar às influências da ação do marketing moderno. Pilotar Ferraris em estradas da Riviera é uma extravagância que não faz sentido, mas curiosamente, milhões de pessoas anseiam por realizá-la. Ora, não podemos, todos, dirigir Ferraris pela vida afora. Este é um desejo bobo e infantil. Uma pessoa sensata não deveria sequer cogitar em um dia realizá-la. Logo, deveria dispor de meios para filtrar, dentre os milhares de apelos aos quais está sujeita durante sua vida, qual deles é realmente um apelo sensato e que deve tentar atender, e qual é um falso apelo, qual não passa de uma mera tentativa de manipulação visando fazê-lo dispender dinheiro ao consumir algo de que realmente não precisa, condicionado pelo apelo de marketing implacável ao qual está sujeito.

Que filtro é este? Que critério usar para separar necessidades, desejos e objetivos de vida legítimos, da mera fantasia de consumo implantada pelo marketing?

Como temos infinitas necessidades, parte delas relaciona-se com fatos físicos reais, que podemos medir, e parte delas se relaciona com fatos mentais, percepções e desejos íntimos, psicológicos, os quais não podemos medir nem sondar, exceto em nós mesmos, e ainda assim, muito tenuemente.

Daí que fiz a seguinte pergunta, em 2001, em minha busca por uma compreensão maior do fenômeno do autoaperfeiçoamento e da busca por mudanças positivas de vida:

"Como medir o bem estar matematicamente?"

A pergunta foi e é para mim de tal importância, que eu poderia ter feito mais uma centena de perguntas depois dela, mas não o fiz exatamente porque ela é tão fundamental que não faz sentido ir além, sem antes respondê-la.

Eu disse já que medir o bem estar pode ser uma tarefa realizável se nos limitarmos a fazer comparações e medições objetivas entre indivíduos e entre sociedades comparando e medindo aquilo que pode ser comparado e medido, ou seja, fatores fisicamente contáveis, mensuráveis, e não sensações íntimas vagamente discerníveis ou vontades passageiras e extravagantes. Não se fala em medir fantasias, mas necessidades e satisfação de necessidades reais. Se temos infinitas necessidades, elas não precisam, nem podem, nem devem ser satisfeitas ao mesmo tempo. Não se pode, nem se deve, deixar de se alimentar para juntar dinheiro para se ter uma tiara de diamantes, ou uma Ferrari. Logo, alimentar-se deve, socialmente, coletivamente falando, preceder a busca de uma Ferrari quando tratamos as duas ações como necessidades a serem atendidas. Assim, espera-se que se uma sociedade é composta de pessoas razoavelmente racionais, veremos nela pessoas empenhadas mais em matar a fome do que pessoas empenhadas em dirigir Ferraris mesmo à custa de se passar fome. Ferraris são antes desejos que necessidades, e esta mesma sociedade deve ter a nítida percepção de que qualquer de seus membros que tente antes ter a Ferrari mesmo que tenha de passar fome não representa um membro típico desta mesma sociedade, mas uma pessoa psicologicamente perturbada, desequilibrada e irracional. Daí que nesta sociedade, podemos medir objetivamente quantos de seus membros estão sendo satisfeitos em suas necessidades de alimentação, e dependendo do resultado que obtivermos, podemos dizer que o indivíduo A não está dentro da média desta sociedade neste quesito, o da alimentação, porque podemos saber que este indivíduo está se alimentando menos do que a média, seja porque ele nos informe, seja porque saibamos que ele não dispõe de renda para tal, seja porque não o vemos comprando alimentos ou se alimentando, seja porque esteja magro, ou ainda porque juntamos todos esses indícios e formamos um quadro geral da situação do indivíduo que podemos dizer com razoável precisão se ele está se alimentando adequadamente ou não.

Mais uma vez, esta é uma tarefa não para a Psicologia, mas para a Sociologia, a Geografia, a Economia, a Medicina, dentre outras ciências.

Podemos dar uma resposta à minha pergunta dizendo que podemos medir o bem estar humano matematicamente usando das ferramentas teóricas e aplicadas das ciências que se preocupam com o bem estar humano em geral, e que se preocupam mais com a comparação entre indivíduos e grupos do que com a situação psicológica íntima de um único indivíduo, tal como faz a Psicologia ou a Psiquiatria, ou mesmo o Marketing.

Ora, eu iniciei minha série de perguntas partindo de uma questão, uma dúvida em torno da adequação ou não de se preocupar com autoajuda, uma espécie de ramo da Psicologia Aplicada, e terminei com uma dúvida sobre a aferição matemática do conceito de bem estar do ponto de vista das diversas ciências que se se ocupam do bem estar social humano. Foi uma longa curva de pensamentos, tenho que admitir.

Chegar à necessidade de recursos de ciências sociais para se justificar uma preocupação com necessidades psicológicas não deveria ser uma surpresa para muitos, mas para mim foi. 

Disse que esta foi a última pergunta porque fiquei surpreso em descobrir que no final de uma cadeia de dúvidas e perguntas céticas, eu chegara a uma área que me era bastante familiar.

Um pouco de história pessoal sobre minha formação educacional é conveniente aqui, para elucidar alguns pontos de minha surpresa. Eu nunca estudara Psicologia em momento algum de minha formação escolar. Nem no segundo grau, nem na faculdade de Administração eu tive contato com qualquer coisa que fosse relacionada à Psicologia. Tenho que admitir que pensando nisto agora, eu perceba a ausência de aulas de Psicologia para alunos de Administração como uma falha pedagógica imperdoável. Daí que em minha curiosidade natural eu tenha me apegado a livros de autoajuda, porque, afinal, era um tipo de literatura mais próxima possível da Psicologia que até então eu tivera acesso, já que não estudara diretamente a Psicologia nos bancos escolares ao longo de tantos anos. Ora, não é porque não incluíram Psicologia na grade de matérias de meu curso de Administração que eu, como administrador, não precisasse de aprender Psicologia. Tanto precisava, e tanto não sabia verbalizar ou racionalizar essa necessidade que acabei tomando de mão aquilo que já dispunha, que tinha acesso mais facilmente, ou seja, os livros de autoajuda.

Ora, eu lera livros de autoajuda antes de entrar na faculdade. Logo, ainda que de maneira um tanto romanceada, eu tinha tido contato com rudimentos de Psicologia. Aquele tipo de aprendizado me parecia útil e valioso de ser aprendido. Mas eu, de alguma forma, não tivera a percepção de que era de livros de Psicologia que eu precisava, e que os livros de autoajuda supriam apenas parte de minhas necessidades, e satisfaziam apenas parte de minha curiosidade. Se eu tivesse tido aulas de Psicologia na faculdade de Administração, eu certamente teria uma noção mais clara de que satisfação e insatisfação pessoal, busca de autoaperfeiçoamento, motivação, eram coisas para serem tratadas pela Psicologia, e não necessariamente pela Economia ou Sociologia. Mas, como não tive acesso até então à Psicologia, eu recorri àquilo que já tivera acesso: a Maslow, que vi no curso de Administração, à Economia e suas tabelas tratando de dezenas, centenas de variáveis numéricas abordando os mais diversos assuntos sociais sobre os quais eu tinha enorme curiosidade, e que eu tivera contato antes e durante o curso de Administração, e mesmo a Geografia, também com seus gráficos e tabelas, que não estudei na faculdade, mas que estudei durante minha vida toda por pura paixão e curiosidade pessoal. Ora, eu recorri àquilo que conhecia.

Sociologia, Economia, Geografia, Estatística, Marketing, áreas que pouco contato têm com nossas mais profundas insatisfações pessoais. Seria verdade mesmo essa suposta distância entre assuntos aparentemente tão díspares? Eu comecei a suspeitar que não.

Além do mais, a chegada de uma percepção de que eu poderia tentar resolver problemas pessoais íntimos por meio do recurso às ciências me fez sentir que estava caminhando em terreno bem mais seguro do que imaginava antes, porque, vejamos, os livros de autoajuda nos vendiam soluções tidas como segredos de pessoas ilustres e bem sucedidas que nos eram passados mais como fruto da enorme benevolência de gente desprendida e caridosa, do que como ensinamentos destilados de estudos e pesquisas metódicas. Ora, eu tinha em mãos mais um livro de mágicas e segredos dominados por alguns raros iluminados do que um conjunto sistematizado de conhecimentos aplicável com segurança por quem quer que se dispusesse a aplicá-los metodicamente. No momento em que eu desci do voo errante dos livros de autoajuda e toquei no solo firme da Ciência, ainda que tenha pousado no campo errado, ou não tenha pousado no campo mais adequado, eu ainda assim senti que agora eu dispunha de alguma racionalidade à qual me fiar. 

A ciência!

Eu estava ligando meu futuro pessoal ao método científico! Eu estava fazendo sonhos se apoiarem em rocha!

Mas não foi só esta a grande realização que se originou de minhas dezenas de perguntas céticas e incrédulas. Eu, em momento posterior, refinei minhas perguntas. Trataremos disso mais adiante, em uma série de novas postagens. Quero deixar claro que ter chegado a esta pergunta final significou um reconhecimento de uma série de fragilidades em minha formação profissional, assunto que devo também tratar com bastante cuidado em postagens posteriores. E, além do mais, o toque errático do voo errante no solo da Ciência fez-me reconhecer um lapso, um hiato de sonhos e paixões juvenis interrompidos que me deixou dolorosamente consciente de que a vida é dura, tão dura, que é capaz de matar os mais belos sonhos, se não tomarmos o cuidado de protegê-los e acalentá-los, ainda que por longo tempo, e sob as mais adversas condições. Admiti, com esta pergunta, que eu abrira mão de um modo de vida profundo e verdadeiro em troca de um modo de vida mundano e rasteiro, arrastado por um lamaçal de problemas diários e fracassos, frustrações e desencontros que soterrou esse modo de vida profundo e verdadeiro por longo anos sob uma camada de rancor, ódio e mesquinhez tal que eu sequer tinha noção de que um dia eu tivesse sido um menino sonhador e apaixonado pelo saber. Ao desesperadamente questionar fórmulas mágicas de autoajuda, forcei-me a cavar fundo em mim mesmo, e ao chegar na pergunta acima, eu sabia que tinha chegado também ao pequeno menino estudioso que estava soterrado sob escombros de quase vinte anos de sofrimento e descuido para comigo mesmo.

Eu, ao fazer a pergunta acima, ressuscitei o menino-gênio que dormia em mim, e voltei à vida.

Lentamente, é verdade, mas voltei.

Minha agenda registrou esse lento despertar.

Eu compartilho esses pensamentos porque acho que são dignos de serem compartilhados. Sou aquele menino que não se deixou morrer soterrado pela rudeza da vida de adulto. Eu, como um homem que se afoga, dei um salto rumo ao ar e respirei fundo, dando tempo e força para uma nova etapa de esforços rumo ao solo firme, e acho este processo digno de ser registrado para mim mesmo e para quem mais queira conhecer. Não tenho porque esconder ou temer revelar algo que me enche de orgulho. Eu tenho, sim, orgulho de minhas quarenta e sete peguntas sobre autoajuda.

Dito isso, relembro que continuei usando minha agenda para registrar meus pensamentos, dúvidas e raciocínios ao longo dos anos, e que tornarei a usar este blog para registrar esses escritos e aprofundá-los quando julgar adequado.

Nas postagens seguintes, tratarei de minhas anotações seguintes às perguntas agora respondidas. Só gostaria de lembrar que nem todos os eventos importantes dignos de nota foram de fato anotados na agenda. Alguns eventos cruciais em meu processo de raciocínio e estudos não foram registrados em papel. Assim, terei algumas histórias extras para contar, para que possamos entender como as coisas se encaixam, se encadeiam, retrocedem e se completam.

Tendo dito isso, lembro que já estamos em 2014. Que seja um excelente ano para todos!

O que é estar bem?

A quadragésima sexta questão da série que venho discutindo neste blog é uma pergunta que segue a linha da questão anterior, a qual tratei no último post.

Sempre que falamos em mudanças de vida, algo em nós reclama e questiona se realmente precisamos mudar, se não é melhor deixar as coisas como estão, deixar os problemas resolverem-se por eles mesmos ao longo do tempo, e ainda vamos além, dizendo que na verdade não precisamos mudar porque tudo está bem, e os problemas que nos incomodam não são realmente problemas importantes, e que estamos satisfeitos com a vida que estamos levando, porque, apesar dos pesares, todo mundo tem problemas, e então, se é assim, podemos ir levando a vida com os problemas que já conhecemos, e com os quais já estamos acostumados, e que sabemos como administrar.

Então, se por um lado dizemos que estamos bem, e por outro, o mundo vive a nos apontar defeitos os quais precisamos tratar de maneira adequada ou mesmo definitiva, fica-se com a dúvida, que expressei da seguinte forma:

"O que é estar bem?"

Estar bem. Estar OK. Estar com a vida em boas condições. O que é estar bem? Quem define os critérios por meio dos quais avaliamos a adequação ou não de uma vida? Quais critérios são estes? Qual o limiar a partir do qual estamos vivendo bem ou mal? O que significa exatamente este conceito de "bem"?

A pergunta, como podemos perceber, esconde dificuldades em ser respondida de maneira direta e simples. Por isto, vamos tentar respondê-la por partes.

Partamos do princípio de que todo indivíduo possui uma percepção de como seja a sua vida. E depois, supondo que se viva em sociedade, todo indivíduo é capaz de fazer comparações entre as vidas de diferentes pessoas. Eu vivo bem. Mas a pessoa A vive melhor que eu, a pessoa B, vive pior que eu e a pessoa C vive um pouco melhor que B, mas não tão bem quanto D, e assim por diante. Não somos obrigados a avaliar a vida de ninguém, mas em geral, fazemos comparações como a que ilustrei acima. Pessoas em sociedade comparam suas situações com a de seus convizinhos, o que podemos considerar um comportamento perfeitamente normal.

Não há escalas objetivas de comparação. Uma pessoa pode achar que vive mal, enquanto que outras podem achar que esta mesma pessoa vive bem, ou muitíssimo mal. De modo geral, há uma média de qualidade de vida em uma dada sociedade, e o conceito de boa ou má qualidade de vida gira em torno desta média. Hoje, com os meios de comunicação globais de que dispomos, as comparações vão além da localidade física em que vivemos, e nos comparamos ao resto do mundo. Vivemos pior que, digamos, os noruegueses, mas vivemos melhor que os etíopes. Essas comparações são comuns e não há nada de excepcional em reconhecê-las. No entanto, na medida em que se compara uma dada coletividade com outra ou se compara indivíduos dentro de uma mesma coletividade usando-se de medições sistematizadas, passamos da mera opinião pessoal a respeito do que achamos de nossa vida e da dos nossos vizinhos e passamos ao ramo da Sociologia, Geografia, Economia e Estatística, quer dizer, passamos para o ramo da análise científica da situação social desta dada coletividade, ou coletividades.

Quando pergunto o que é estar bem, o faço pensando na percepção individual, psicológica do termo, e não na sua avaliação científica.

Psicologicamente falando, pessoas podem ter percepções variadas com relação à qualidade das vidas que levam.

Há diversos fatores que podem influir nesta percepção, tal como origem social, experiência de vida, religião, opinião política, profissão, sexo, idade, país de origem, cultura, acesso a comunicação e informação, grau de instrução, dentre outros. Não é simples nem fácil estabelecer relações entre esses diferentes fatores. Não o faremos, ao menos por agora, nesta postagem. Veremos mais sobre esse assunto ao longo do tempo, em postagens futuras neste blog.

Por hora, no entanto, é preciso deixar claro que, qualquer que seja a opinião psicológica que uma pessoa tenha a respeito de sua qualidade de vida, há certos parâmetros mínimos que podem ser usados como medidores objetivos para se avaliar socialmente se uma vida está sendo adequadamente vivida ou não.

Ninguém, por exemplo, pode negar que alguém que sofra por falta de alimentos, seja por pobreza, seja por opção de não se alimentar adequadamente, leva uma vida menos rica do que alguém que não padeça da falta de alimentos. Neste caso, aquele que sofre a falta de alimentos pode alegar que vive assim por opção, e que intimamente é muito feliz assim, mas tomaremos esta opinião como não digna de reconhecimento, porque sabemos que esta situação não é a típica dos seres humanos normais. Não consideramos normais as pessoas anorexas, por mais que elas se empenhem em dizer que são felizes. Esta percepção social se dá porque há entre nós, humanos, aquilo que podemos chamar de reconhecimento de que nós temos necessidades básicas que precisam de um mínimo de atendimento.

A qualidade de vida então, a despeito de diferentes percepções psicológicas dos indivíduos, tem parâmetros lastreados em um conjunto de necessidades.

Esse conjunto de necessidades pode variar de um local para outro, de uma época para outra e de uma conjuntura social para outra, mas alguns elementos são mais ou menos constantes. A satisfação dessas necessidades consensuais constitui-se quase em um direito que todo ser humano tem de exercer.

Parte dessas necessidades básicas são tão consensuais que os direitos que as pessoas têm de satisfazê-las se constituem em direitos que foram formalizados juridicamente, e embora não haja garantias de que serão mesmo satisfeitas, ao menos os direitos constituem um patamar mínimo que podemos usar para avaliar se determinado indivíduo ou grupo social usufrui de razoável qualidade de vida ou não. Cito a Declaração Universal dos Direitos Humanos apenas como um exemplo elementar deste consenso.

Mas, necessidades são potencialmente ilimitadas.

Uma pessoa pode julgar que está satisfeita, enquanto outra, na mesma situação, pode julgar que não está satisfeita. Há, assim, um conjunto de requisitos gerais socialmente aceitos para se definir um mínimo de qualidade de vida, mas não há um máximo. As pessoas podem desejar o infinito, se quiserem. Não terão, evidentemente, garantia alguma de que conseguirão o que desejam, mas isto não importa.

Além do mais, assim como o ordenamento social estabelece um mínimo de direitos para se viver dignamente, estabelece também freios que limitam as pessoas com ambições desenfreadas, que podem tentar de todos os meios possíveis para satisfazer necessidades pessoais questionáveis socialmente, criando assim um risco para o grupo que não interessa aos seus membros correr. Daí que pode-se desejar torneiras de ouro nos banheiros de casa, mas não se pode vender cocaína para conseguir o dinheiro para isso. Ambições são bem vindas, mas há regras numerosas que limitam essas ambições, sob pena de vivermos em um mundo atroz e perigoso a todos.

Na verdade, ainda que haja muita gente vivendo no limiar inferior da escala de bem-estar social, nem por isso se carece de ambição, e nem por isso se tem pouca gente tentando os caminhos mais reprováveis para se satisfazer necessidades que na verdade não são nem necessidades, nem sequer desejos, mas caprichos mesquinhos e perniciosos. É possível mesmo que a causa dessa ambição desenfreada seja a falta de clareza na classificação das milhares de necessidades humanas não atendidas que as pessoas intuem que têm, mas não sabem identificar ou classificar como requer o bom senso. Daí que o mais humilde dos famintos deseja antes a torneira de ouro e a persegue com mais sofreguidão do que deveria, quando na verdade com isso negligencia a própria fome elementar, como se fosse possível saciar a fome com o ouro da torneira.

Milhões não percebem haver uma lógica em nossas necessidades, mas alguns perceberam essa lógica e receberam o devido crédito por isso. 

Como um estudioso da ciência da Administração, tive contato com algo chamado Teoria das Necessidades. O maior nome historicamente reconhecido como sendo o pioneiro na abordagem do tema foi o psicólogo americano Abraham Maslow. De uma maneira simples, Maslow disse que as necessidades humanas podem ser analisadas, organizadas e hierarquizadas em forma de uma pirâmide, tendo as necessidades mais elementares, tais como as necessidades fisiológicas, como por exemplo, alimentar-se, vestir-se, abrigar-se, procriar, fazendo parte da base da pirâmide. Em degraus acima, temos necessidades de segurança, aceitação social, autoestima, reconhecimento, auto realização, etc. Maslow teorizou sobre a possibilidade de que as pessoas tenderiam antes a satisfazer necessidades na base da pirâmide, para depois irem buscando satisfazer necessidades em níveis mais elevados ao longo do tempo.

As observações de Maslow não são necessariamente aceitas por todos os pensadores do assunto, mas seu pioneirismo e simplicidade ajudou as pessoas a perceber que há conjuntos diferentes de necessidades humanas, e esta percepção é útil quando se busca responder a pergunta que fiz acima. O que é estar bem? Sob o ponto de vista psicológico, em conjunto com o conceito de classes hierarquizadas de necessidades, uma pessoa pode julgar-se como vivendo uma vida tão boa quando a sua atual capacidade de suprir as diversas necessidades humanas que compõem a pirâmide proposta por Maslow. Por exemplo: um indivíduo pode sentir-se péssimo por não ter dinheiro para satisfazer as falsas necessidades impostas pelo marketing televisivo, que impõe um modelo de vida idealizado irrealizável mesmo pelo mais rico dos homens. Essa sensação de insatisfação proporcionada pelo marketing, no entanto, esvai-se quando se olha a pirâmide de Maslow e se pergunta quais as necessidades não satisfeitas. Nesta pirâmide, não há espaço para falsas necessidades, tais como carros do último modelo ou uma família jovem, linda e saudável que toma o café da manhã todos os dias com os filhos sorridentes comendo cereais matinais e sucos feitos com as mais modernas ferramentas elétricas que uma cozinha pode ter. Na pirâmide, somos forçados a pensar em nossas necessidades fisiológicas não atendidas. Não se pergunta se temos cereais matinais, mas se não passamos fome. A torradeira só entra nos degraus da pirâmide muito indiretamente, e só passa a ser algo digno de atenção quando a maioria das necessidades mais abaixo da hierarquia já foram atendidas. O marketing não funciona muito bem para induzir pessoas a consumir coisas supérfluas quando essas pessoas sabem que há uma lista de prioridades em suas necessidades.

Mas não é só a televisão e o marketing moderno que criam falsas necessidades e nos fazem sentir insatisfeitos diante de um mundo de desejos banais não realizáveis. A literatura de autoajuda também tem seu papel neste processo. Se as pessoas não leem, podem estar relativamente imunes a este tipo de influência, mas em geral, o marketing moderno é globalizado, multicultural e multimídia. Uma mensagem pode ser passada por centenas de canais diferentes. Não vamos ao cinema, mas as mensagens dos filmes chegam até nós por meio de outros canais. As pessoas conhecem personagens de ficção mesmo sem verem o filme no qual estes personagens aparecem. Somos bombardeados dia e noite, em todos os lugares, de todas as maneiras, pelas mensagens de marketing que tentam nos fazer comprar algo de que não precisamos, e para o qual não temos dinheiro. Assim, é difícil uma pessoa moderna e normal não se sentir intimamente insatisfeita.

A insatisfação fabricada é um fenômeno relativamente novo. Tem pouco mais de 50 anos.

Mas, a maioria das pessoas com menos de 50 anos está sujeita a este tipo de influência. Daí que é difícil a elas perceber que a insatisfação não decorre de necessidades legítimas, mas de fantasias fabricadas em estúdios de televisão. Como medir a satisfação íntima, psicológica, separando o joio pré-fabricado, e o trigo de nossas necessidades legítimas?

Que parâmetro psicológico usar?

Aí temos um problema que não é de medição de um fator humano com base em evidências externas, tal como faz a Economia e a Geografia, ou a Sociologia. Eu não tinha a resposta a esta questão na época em que a formulei. Eu sequer tinha uma ideia clara de que em nossa satisfação ou insatisfação há dois componentes, sendo um observável e relativo à comparação entre nós e nossos semelhantes, e um íntimo e de difícil observação e mensuração, que é nossa própria percepção psicológica, uma mescla de necessidades reais e artificiais que são difíceis de ser separadas e hierarquizadas.

O que eu certamente pude perceber é que nossa percepção pessoal é sempre distorcida, e que precisamos de uma régua para poder medir nossa situação real, seja do ponto de vista social, seja do ponto de vista psicológico. Daí que fiz a quadragésima sétima pergunta, a qual tratarei no próximo post.

Por agora, basta que saibamos que estar bem é um conceito movediço e impreciso, e que se quisermos discutir melhor o assunto, entendê-lo de maneira adequada, é preciso que o vejamos com algum grau de objetividade.

Passemos então para o próximo post, onde trato desta questão, e por fim, da última pergunta da série, que tanto me fez pensar ao longo dos anos.