A imagem abaixo é a capa de meu Diário de 1992. Eu falei dele aqui, em 2004.
Escrever diários sempre me parecera coisa de menina. Isso antes de 1992. Mas, em 1992, eu tinha ainda 21 anos. Tinha saído a pouco tempo da adolescência, e, para falar a verdade, ainda era meio adolescente, meio que adulto, vivendo uma fase em que ainda era possível divertir-se fazendo coisas estranhas como escrever diários.
Por que escrever diários?
Eu não sei, mas na época, eu estava morando na cidade de Anápolis fazia um ano. Estudara na Escola de Especialistas da Aeronáutica entre 1989 e 1990, e me mudara para Anápolis, para servir na base aérea que há lá, e nos últimos dias de 1991, eu e meu irmão Roni, que morava comigo, chegamos à conclusão de que seria bacana escrever um diário.
Fomos para uma papelaria e compramos duas agendas idênticas, uma para mim e outra para ele. Não tínhamos a intenção de usá-las como agendas, mas como diários.
As meninas do primeiro grau, do segundo grau até, às vezes tinham agendas bacanas, todas coloridas, enfeitadas com adesivos, recortes de revistas, fotos de gente famosa, rabiscos, desenhos, poemas, letras de músicas, etc. Eram agendas bonitas, mas que não combinavam muito com homens. Eu nunca vira nenhum rapaz tendo como passatempo de escola ficar enfeitando ou mantendo uma agenda tal como as meninas faziam, e nem era essa nossa intenção. Eu e meu irmão queríamos mesmo era um diário.
De onde tiramos essa ideia?
Não sei, mas acho que foi de um livro de André Gidé. Naquela época, eu ainda não estava na faculdade. Perdera uma chance de vestibular e ficara o ano de 1991 todo só trabalhando, com as noites livres, sem estudar, e neste meio tempo aproveitávamos para fazer um monte de coisas, tais como ouvir música, vadiar com amigos, correr atrás de meninas, beber, jogar sinuca, e outras coisas mais, exceto ver televisão. Este é um vício que nunca tive e que nunca roubou meu tempo. Nós montamos nossa casa e sequer pensamos em comprar televisão. Assim, tínhamos tempo de sombra, ainda que somente à noite. E aproveitávamos bastante. Por isso, 1991 foi um ano em que aproveitamos para ler muito.
Acho que ambos lemos Os Subterrâneos do Vaticano, de Gidé. Havia um personagem interessante, Lafcádio, e posso estar enganado, mas creio que ele tinha um diário, ou coisa parecida. Havia algo de excêntrico em Lafcádio, e creio que ele tenha nos inspirado a escrever diários.
Eu usava meu tempo livre também para escrever pequenas histórias. Gostava de escrever. Aprendera a gostar de escrever na Escola de Sargentos, e achava que seria muito interessante escrever um diário, para ver que resultado daria.
Começamos os diários no dia 1º de janeiro de 1992. Eu não fui até o final, mas escrevi alguma coisa sobre cada um dos meus dias no meu diário até quase o fim do ano. Não escrevia exatamente todos os dias. Às vezes, ficava dois ou três dias sem escrever, mas peguei o hábito de anotar mentalmente o que acontecera de interessante ao longo dos dias em que não anotara nada e depois, anotava, mesmo que com atraso, aquilo de que me lembrava.
Não havia muito espaço para se anotar coisas em cada dia, mas ainda assim, é surpreendente o poder que as palavras escritas nele tem de fazer retornar à minha memória coisas que eu jamais me lembraria sem sua ajuda. Pequenos detalhes, pequenas rusgas, problemas banais que hoje estão completamente resolvidos, essas pequenas anotações são como que um mundo oculto em um código.
Para mim, e por causa deste diário, 1992 foi um ano memorável.
Eu precisaria de muita coragem para transcrever esse diário aqui, neste blog. Nem mesmo acredito que sua leitura simples e direta significaria alguma coisa para qualquer pessoa que não eu mesmo e meu irmão, e as pessoas com quem nos relacionávamos naquela época.
Mas, com os devidos comentários, e com as devidas contextualizações, é um material fantástico.
A quem interessaria?
Hoje tenho 43 anos. Os adolescentes de agora vivem uma vida muito diferente da que vivemos nós, nascidos nos anos 70 e tornados adolescentes nos anos 80, e jovens adultos em 1990. É possível que os jovens de hoje vejam algum interesse em um relato deste tipo. Não sei. Talvez haja coisas em comum entre uma geração e outra, mas certamente há coisas que vivemos que a geração atual e as futuras certamente não viverão.
Meu diário não é ficção. Ele é real. As coisas anotadas nele são reais. Aconteceram.
Minha vida de jovem adulto, de velho adolescente, foi real, e, acreditem, foi interessante!
Gosto de escrever. Acho que O Diário de 1992 merece uma chance de vir a público. É curioso dizer isto, mas tenho a nítida sensação de que quanto mais o tempo passa e mais velho eu fico, e mais para atrás no tempo vai ficando o ano de 1992, mais interessante vão ficando as anotações do meu diário.
Acho que ele merece vir à luz do público.
Tenho certeza que vou me divertir muito dando-lhe forma para que possa ser entendido pelo público em geral.
Quanto ao diário de meu irmão, ele está comigo, o diário. Meu irmão mudou-se algum tempo depois para o Canadá e não o levou consigo. Depois que ele se foi de Anápolis, nunca mais viemos a morar perto um do outro. Ele nem se lembra do diário, ou, se lembra, nunca fez questão de tê-lo de volta. De qualquer maneira, de minha parte nunca tive a ousadia de ler qualquer coisa que seja do que ele tenha escrito. Sempre respeitei sua privacidade e intimidade. Não sei o que ele andou escrevendo por lá. Mas que seria muito interessante a gente reler nossas memórias, juntar as anotações de nossos dias em comum e juntos formarmos um relato conjunto daquela época, certamente seria.
Quem sabe, um dia.
De qualquer forma, não deixo de achar fascinante a ideia de que minha vida no ano de 1992 tenha sido tão rica e surpreendente.
Será que todos os anos são igualmente tão fantásticos e que só não sabemos disso porque não nos damos ao trabalho de anotar as pequenas coisas que acontecem conosco ao longo dos dias?
Serão os diários, ou mesmo os blogs, tal como este, aquele tipo de objeto mágico capaz de tornar o duro e inamistoso presente um grandioso e radiante passado?
Talvez sejam, e diante desta constatação, devêssemos dar a nós mesmos este trabalho, o de registrar o presente, o nosso dia-a-dia, para que um dia, no futuro, pudéssemos parar, ler aquilo que registramos a muitos anos atrás e dizer que de fato vivemos, e não apenas existimos. Assim, chegaríamos ao fim, é certo, mas não sem aquela sensação de ter realmente aproveitado a vida. A vida por nós vivida foi proveitosa? Com ou sem diário, ela foi. Mas o diário eterniza esse viver, testemunha-o para nós mesmos, para que não sejamos enganados pelas nossas memórias, que teimarão em renegar nosso passado, e fazer dele um vasto quadro branco, opaco, e que dará ao nosso existir o sabor neutro do existir inútil, estéril e carente de sentido e resultados. Os diários provarão o contrário, para que morramos em paz, realizados nas nossas vidas realmente vividas.
Essas constatações reforçam minha convicção de que mais dia, menos dia, depois das devidas adaptações, publicarei o meu diário, e que isto será de grande proveito para mim mesmo, se não para outros mais.
É o que veremos com o decorrer dos anos.
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