A vigésima nona pergunta da série que fiz em 2001 é talvez a mais importante de todas. Depois de ter feito uma série de questionamentos em torno de como questionar as supostas verdades propostas por escritores e pensadores em geral, por diversas vezes eu estive próximo de concluir que a ferramenta que eu precisava para satisfazer as minhas dúvidas era o conhecimento da Lógica. No entanto, não cheguei até esta conclusão por meus próprios esforços intelectuais naquele momento, embora tenha chegado à Lógica posteriormente por outros caminhos.
O que importa é que minhas dúvidas anteriores se consolidaram nesta vigésima nona pergunta, a qual transcrevo aqui:
"É possível responder questões filosóficas usando métodos científicos?"
Esta pergunta é importante porque ela demonstra a minha percepção de que somente um corpo coordenado de conhecimentos, métodos e técnicas de raciocínio, tal como é a Ciência, poderia dar conta da complexidade de meus questionamentos.
Fazer as seis perguntas de Kipling não eram suficientes. Era preciso uma abordagem completa, mecânica, irrefutável.
O método científico é uma coisa fascinante. Sei disso hoje, mas não o sabia na época em que fiz esse questionamento.
Em 2001 eu já havia me formado em Administração de Empresas a cinco anos. Embora eu não exercesse a profissão propriamente dita, eu usava muito do conhecimento que havia adquirido ao longo dos anos de faculdade no meu dia-a-dia. Eu exercia um atividade profissional relativamente complexa, e achava que um curso superior não representava tanto assim uma mudança de paradigma em minha vida. E, embora o curso de Administração encarasse a administração de empresas como um ciência social, e eu tivesse um rudimento de conhecimento a respeito do que fosse o método científico, eu de fato não sabia nada sobre Ciência, percebo agora.
Evidentemente que tive aulas sobre metodologia científica. Tive mesmo? Olhando cuidadosamente meus diplomas de segundo grau e de nível superior, observo que não, em nenhum momento eu tive aulas de metodologia científica, aulas essas que serviriam para me dar os rudimentos do método científico, tal qual o entendo agora. Mas, pela tradição universitária brasileira, sei de outros cursos que tiveram em seus currículos o curso de metodologia científica e posso afirmar sem medo que se eu tivesse tido aulas desta matéria, eu teria aprendido algumas noções de mecanografia, padronização de textos e composição de redação técnica, ou seja, eu teria aprendido algumas regras da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) sobre como formatar um texto que teria de fazer no término de meu curso, isto é, seria ensinado a formatar minha monografia, e nada mais além disso.
Eu não teria acesso ao conhecimento da Lógica nem do raciocínio científico, que é o que realmente importa.
Por isso eu não conseguia fazer a ligação entre dúvida e resposta sistêmicas. Eu tinha dúvidas, mas não sabia se estava duvidando da maneira correta. Sim, porque eu poderia estar duvidando da maneira errada, e poderia passar a vida toda sem jamais fazer as perguntas certas que poderiam me levar às respostas certas e dessas ir em direção ao caminho que julgasse o certo. Eu poderia fazer mil perguntas assistemáticas e irrelevantes para um determinado contexto em questão. E essa ingenuidade em questionar o mundo me parecia um problema pessoal que precisava ser vencido. Eu não poderia admitir que o mundo fosse formado por pessoas mais inteligentes e pessoas menos inteligentes, e que somente as pessoas inteligentes fossem dotadas da capacidade de entender um contexto qualquer de maneira intuitiva e serem capazes de fazerem perguntas corretas e procurar as respostas de maneira correta. Afinal, eu pensava, o que no mundo não pode ser ensinado e aprendido?
Eu não posso ensinar alguém que é baixo a ser alto, nem ensinar uma pessoa alta a ser baixa. Quer dizer, há certos traços físicos hereditários com os quais não podemos lidar, mas a habilidade intelectual de se fazer perguntas e elaborar respostas era uma coisa que poderia ser aprendida e ensinada. Aliás, essas coisas deveriam ser obrigatoriamente ensinadas, porque era de meu conhecimento o fato de que as pessoas não nascem prontas, com conhecimentos de métodos intelectuais pré-instalados em seus cérebros em decorrência de seus pais serem pessoas capacitadas, estudadas ou inteligentes. Este fato era de meu conhecimento por uma mera questão do acaso, e este acaso merece um post à parte, em um momento futuro. Assim, eu sabia que eu poderia, de alguma forma, aprender a fazer as perguntas certas e a pelo menos tentar obter as respostas certas. Pelo menos disso eu sabia.
Eu chegara a gostar de Ciência um dia, a muito tempo atrás, antes que a rudeza do mundo me engolisse. Este também é um capítulo de minha vida que merece um post futuro à parte. De qualquer forma, essa fase, a da curiosidade científica, ficara a muito para trás em 2001, e eu não imaginava que um dia viesse a ter de retomá-la por uma questão de necessidade intelectual, uma necessidade que a própria rudeza de vida, que me apartara da ciência um dia, viesse a exigi-la novamente, e agora de maneira prática e premente.
A resposta para a pergunta é que há uma confusão em minha mente entre Filosofia e Ciência, uma confusão que não é só minha, e nem é uma questão satisfatoriamente resolvida mesmo entre os familiarizados com a questão.
De qualquer forma, embora sem saber exatamente quais os campos exclusivos de Filosofia e Ciência, quais as diferenças entre esses campos e quais seus respectivos métodos e técnicas, o que a pergunta faz realçar é o fato de que minhas dúvidas, sendo assumidas como filosóficas, quer fossem, quer não, de fato, significava a assunção de que tais dúvidas não eram mais simples dúvidas de um curioso, mas a dúvida tendente ao questionamento sistemático, ao questionamento cético, à desconfiança de fórmulas simplistas e fáceis, à desconfiança diante dos contos de vigário, das soluções miraculosas, secretas ou místicas, e mesmo tendente à desconfiança de que o mundo pudesse ter respostas aos meus questionamentos existenciais.
Soluções miraculosas, ou místicas, eram um campo sobre o qual eu tinha algum domínio. Também aqui um post à parte merece ser escrito no futuro, para registrar que meu ceticismo era rebelde em diferentes áreas, e direcionado contra diferentes supostas verdades, e que onde quer que minha curiosidade mirasse seu farol, e fixasse um alvo, este alvo seria esmiuçado e testado de tal maneira que ou eu teria minha curiosidade satisfeita ou não cessaria de estudá-lo, e estudá-lo, até dissecá-lo por inteiro.
Mas, naquele momento, em 2001, eu não sabia quase nada sobre Filosofia e Ciência, e com a pergunta, aos poucos eu apontava meu farol curioso para um alvo que não era pequeno, nem simples, nem facilmente dissecável. Com essa pergunta, eu sabia que meus anos longe do saber científico estavam contados.
Agora, de alguma forma, eu mirava minha ira contra minha suposta formação intelectual formal. Diante de minha ignorância sobre uma serie de assuntos que eu julgava devesse conhecer, eu ingenuamente atribui a culpa ao sistema, que não cumpriu com seu papel orientador.
Falarei mais sobre minha frustração contra o sistema futuramente também. Daí a importância da pergunta que é razão deste tópico. Ela me colocou diante de imensas portas fechadas, que escondiam atrás de si as verdades que eu procurava. Eu esperava que o sistema me apresentasse às mesmas já abertas. Pois bem. Isso não era verdade.
Eu estava frustrado. Eu estava frustrado e confuso, e eu continuava ainda com muitas dúvidas. E eu precisava seguir em frente com elas. Eu precisava também das respostas, quer dizer, eu precisava abrir aquelas imensas e pesadas portas, mas não agora.
Agora, eu precisava continuar perguntando.
E perguntei.
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