sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Autoajuda funciona? - parte II

Dando continuidade ao post anterior, tento responder a seguinte pergunta:

"Por que os leitores de Dale Carnegie e Og Mandino não são milionários e felizes?"

Teci uma série de comentários na primeira parte de minha tentativa de resposta com o objetivo de preparar o terreno para a resposta em si, que não é, ao meu ver, uma resposta simples e conclusiva.

Quando começamos a ler um livro de autoajuda, em geral temos duas maneiras de chegarmos a ele: ou nos deparamos com o livro por acaso, sem nunca ter visto ou ouvido falar nele, ou somos apresentados ao livro por alguém, um amigo, um colega, um psicólogo, uma propaganda, uma matéria em uma revista, ou uma recomendação em um site.

No primeiro caso, quando nos deparamos com livros por acaso, somos levados a escolher comprá-lo, ou emprestá-lo, e lê-lo depois de uma breve análise do tipo: esse assunto me interessa? Eu tenho este tipo de problema? Eu posso ter um problema e não saber que tenho? Existe algum segredo neste livro que eu precise saber?

Daí, para sabermos se o livro é bom ou não, as editoras colocam nas capas o número das vendas do livro. Dois milhões de leitores mundo afora. Primeiro lugar na lista do jornal X ou Y. Recomendações de dúzias de autoridades.

Por outro lado, no segundo caso, nem precisamos muito de saber ou se importar em saber quantas pessoas já compraram o livro antes. Se ele teve uma recomendação de alguém cuja opinião julgamos confiável, então se essa recomendação nos interessa, chegamos ao livro já predispostos a aceitar que deve ser um livro bom, porque ninguém nos recomendaria um produto ruim.

Então, livros de autoajuda costumam ter boas vendagens, e as editoras exploram essa vantagem, e por um certo tempo, tem-se um ciclo de sucesso em torno de um tema ou de um autor específico. É o caso de Dale Carnegie e Og Mandino, além de centenas de outros autores.

Mas, se esses livros são tão vendidos e tão recomendados, é porque eles trazem alguns benefícios aos seus leitores, correto? Do contrário, por que comprá-los, e por que recomendá-los?

Mas, se eles prometem sucesso, saúde mental, riqueza, ou seja lá o que for, por que toda essa massa de leitores não demonstram estar usufruindo dos benefícios que os livros prometem?

Temos então algo como um livro que promete a riqueza fácil, temos o leitor A que o compra, o lê, não fica rico, mas ainda assim recomenda o livro para o leitor B, que o compra, ainda que saiba que B não ficou rico lendo o livro, numa prova clara de sua ineficácia.

Como isso é possível?

Então, tentarei responder esta questão lembrando que a mente humana possui uma lógica que não é necessariamente racional.

Se a pessoa A tem uma doença e um médico lhe receita o medicamento X, e esta pessoa A se cura usando X, quando A encontra uma pessoa B que tem a mesma doença, ela recomenda o uso do medicamento X. Mas se o medicamento X não tivesse curado a pessoa A, ela jamais recomendaria o mesmo para a pessoa B. Se é assim, por que as pessoas recomendam coisas que funcionam e ao mesmo tempo, recomendam coisas que não funcionam?

Mas não são somente livros de autoajuda que não funcionam. Há um caso ainda mais interessante de produto que promete algo, mas não cumpre aquilo que promete, e ainda assim, é consumido desenfreadamente: são os jogos de azar.

Tomemos o caso de um jogo de loteria. Sorteia-se bolas, tem-se uma combinação de números e quem acertou esses números ganha uma fortuna. As probabilidades de se ganhar em uma loteria são infinitamente pequenas, mas as pessoas continuam jogando, porque o investimento é pequeno, as chances são pequenas, mas se vierem a ganhar, tudo será compensado. Assim, podemos inferir que livros de autoajuda são como jogos de loterias?

A resposta é: sim. Livros de autoajuda estão mais para jogos de loteria do que para remédios para doenças em geral.

Há uma explicação para a percepção humana de que jogos e livros de autoajuda são ganhos fáceis, e doenças são perdas inaceitáveis. Podemos correr o risco de não ficarmos ricos com loterias e autoajuda, porque já vivemos confortavelmente bem hoje, sem a ajuda deles. Apenas racionalizamos nossa tentativa de melhora dizendo a nós mesmos que não custa muito tentar melhorar nossa vida investindo uns trocados em algo que pode nos proporcionar retornos assombrosos. Afinal, temos pouco a perder e muito a ganhar, apesar de não estarmos tão ruins assim hoje. O risco é pequeno. Por que não tentar só um pouquinho? E se der certo?

Já um remédio é fundamental. Não se brinca com doenças. O risco é muito alto. Temos muito a perder. Temos, na verdade, tudo a perder. Ou investimos todos os nossos esforços e agimos eficiente e rapidamente para eliminar o risco, ou estamos em maus lençóis. Não vale a pena fazer experiências com nossa saúde, nossa segurança, nossas economias. Dentro de nosso estado de conforto, uma doença, um esporte arriscado, um carro sem um acessório de segurança, são coisas que podem nos levar a uma situação pior. São ameaças a nosso conforto. São fontes de aborrecimento que precisam de supressão imediata. Nosso conforto precisa ser mantido a todo custo. Não nos esforçamos muito para ficarmos ricos com base em um golpe de sorte ou um truque fácil, mas nos esforçamos muito para não descermos um degrau sequer na escada social, ou para não perdermos dinheiro, ou não termos nossa saúde abalada, ou para não termos nossa integridade física ameaçada.

Somos, enfim, seres que buscam a estabilidade.

Assim, milhões de pessoas compram livros de autoajuda, mas poucas ficam realmente ricas, espiritualmente bem, melhores em relacionamentos sociais, melhores comunicadores, melhores empregados, e assim por diante. Um livro de autoajuda é um bilhete de loteria. Apostamos alguma coisa lendo-os, mas o vemos apenas como um potencial caminho fácil, um atalho para um mundo melhor, e não o levamos muito a sério. Se as coisas forem fáceis, ótimo. Do contrário, não perdemos nada, ou quase nada. Afinal, o que são algumas dezenas de Reais e uma ou duas horas de leitura perdidas? Não é nada, se considerarmos que caso a coisa fosse fácil, poderíamos ter ficado ricos.

Mas, as estatísticas do  mercado editorial dizem mais. Caso queira saber mais sobre quando e porquê este tema estatístico entra na discussão, leia a postagem anterior, onde introduzo e explico o tema.

As estatísticas do mercado editorial afirmam que embora um livro possa ter números de vendas na casa dos milhões, para a comprovação da efetividade do mesmo para uma pessoa em particular que o lê isso pouco importa. Grosso modo, porque não pretendo agora me adentrar em números estatísticos e tabelas, podemos afirmar que um livro vendido não significa de modo algum um livro lido. E um livro lido não significa de modo algum um livro lido por inteiro. E ainda, mesmo um livro lido por inteiro não significa aprendizagem, estudo e aplicação eficaz daquilo que propõe o livro.

Milhões compram os livros de Dale Carnegie, apenas alguns milhares leem o livro do começo ao fim. Apenas algumas centenas o estudam sistematicamente. Apenas algumas dezenas de pessoas no mundo se dão ao trabalho de aplicar em suas vidas de maneira efetiva tudo aquilo que o autor sugere, sem permitir que se realize ações inócuas, ações contraditórias e ações prejudiciais.

Livros de autoajuda não são romances a serem lidos por deleite e prazer estético. Livros de autoajuda não são bilhetes de loteria que compramos e esperamos que o dinheiro jorre após a leitura de algumas páginas iniciais. Livros de autoajuda são como árduos, ásperos manuais de engenharia, destinados especificamente aos engenheiros, e que ensinam processos complexos, embora não exaustivamente comprovados. São como um manual que nos ensina a construir em casa um foguete que nos leve não à Lua, que já foi visitada, mas a Marte. Não adianta ler somente. É preciso mais, muito mais.

A resposta à pergunta, dita de maneira clara, sintética, pode ser expressa da seguinte maneira: os compradores dos livros de autoajuda não estão necessariamente ricos e felizes porque livros de autoajuda não foram escritos apenas para serem lidos descontraidamente. Eles foram escritos para serem aplicados na vida real, sem qualquer certificado de garantia de que teremos sucesso na aplicação de suas recomendações, porque não estamos lidando com coisas do mundo físico, tais como circuitos, metais, ligas, peças e parafusos, mas com modos de vida, hábitos, cérebro humano, finanças globais, relacionamento humano, química cerebral, história pessoal, interação social, aleatoriedade de eventos, subjetividade, incerteza, lapsos de conhecimento, imprecisão, enfim, estamos lidando com um mundo rodeado de caos.

Então, o problema está nos leitores?

Até prova em contrário, sim. 

Na verdade, o problema está justamente na falta de leitores. O problema está na falta de um método eficaz de leitura e estudo dessa categoria de livros.

O problema, em suma, está, ao menos em seu estágio inicial, em nossa incapacidade de saber lê-los. 

Não sabemos ler livros de autoajuda. Claro, os autores se esforçam para nos ensinar como usar seus livros, mas eles falham mesmo neste aspecto inicial, porque as pessoas não prestam atenção nem mesmo às recomendações elementares de seus autores.

Mas por que os leitores não conseguem ler corretamente livros de autoajuda? Eles não são escritos na mesma língua e na mesma linguagem da maioria dos livros normais que estamos acostumados a ler?

Sim, mas eles não são livros normais. Não se toma de um livro de um romancista qualquer esperando receber ordens para se fazer isto ou deixar de fazer aquilo. As pessoas não estão acostumadas a seguir instruções por meio de livros que parecem romances, mas não são. Para isto, é preciso uma nova forma de leitura, uma forma de leitura mais atenciosa, previamente pensada, um estado de espírito que precisa ser preparado antes de se começar a ler um livro desta categoria, para não se correr o risco de se ler e nada aprender.

A leitura de livros de autoajuda supõe uma leitura diferente. Um leitura que requer algo que podemos chamar de disciplina.

Anotemos esta palavra: disciplina.

Em torno dela teceremos maiores e mais profundas considerações nas próximas postagens.

Quando cheguei a este entendimento, em 2001, a respeito do porquê do fracasso dos livros de autoajuda, percebi que havia um componente envolvendo a disciplina.

Daí, não interrompi meu fluxo de dúvidas, e fiz uma nova pergunta, agora abordando esse novo aspecto da questão. Foi a minha trigésima sétima pergunta. 

Abordarei esta nova pergunta no próximo post. 

Se o assunto lhe interessa, continue lendo.

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