domingo, 13 de janeiro de 2013

Labirinto III - O labirinto é mais em baixo

"Você acaba de acordar e as coisas já começam a melar. Relaxe. Será um longo dia. Muitos becos sem saída, muitas curvas, muita gente chata e muitas contas vencendo. Um dia com um leve e constante cheiro de esgoto. Um ronco de um motor é a sua música de fundo...

Esse é o seu labirinto, que não é muito diferente do meu, que não é muito diferente do labirinto do seu patrão, que te odeia e quer te moer numa máquina de lavar garrafas, aquela máquina que fica no fundo daquele longo corredor rodeado de barras de ferro e canos fumegantes, dentro desse gigantesco galpão escuro, de ferro e zinco, onde se funde barras de aço e se queima coisas eternamente, esse labirinto industrial. Fique longe desse parasita!

Já tomou o seu café da manhã? Seu café falso, misturado com serragem e cevada velha? Comeu seu pãozinho cascorento, com bromato, cheio de margarina com sal, que engorda, entope veias e artérias, te mata lentamente e te faz parecer cada dia mais com um botijão de gás? Então tenha um bom dia. Você precisará mesmo de muita energia e muita cafeína e celulose e muito colesterol para se manter funcionando até o fim da noite, quando cairá na cama como uma grande tábua que cai de um andaime de uma construção feia e suja.

Olhe à sua volta e tome cuidado. Daqui a alguns minutos o telefone mais próximo de onde está agora tocará e você será avisado: sábado à tarde haverá trabalho extra. Você ouvirá o telefone te chamar como uma sirene, um gemido doloroso em meio ao som de Bruno e Marrone vindo do radinho sobre o armário mais próximo. Um grito urgente em meio a outros...

Cancele seu futebol. Desmarque com a manicure. Avise a criançada que pizza só na semana que vem. Chegue em casa e lave logo seu macacão imundo, seu terno imundo, sua camisa branca de manga comprida suada no colarinho, seu uniforme de atendente fedendo a suor. Tudo tem de estar pronto para a batalha do sábado à tarde com a clientela. Tudo tem de estar limpo para o confronto com a montanha de papel poeirento que precisa urgentemente ser analisada e arquivada. Tudo tem de estar em ordem e brilhando para que se possa dar um jeito naquela tranqueira toda que deveria ter sido despachada por outros, mas que não foi, e que sobrou pra você. Ah, se eu pego o funcionariozinho preguiçoso que deixou isso acumular!

Vamos lá. Nem tudo está perdido. Domingo vem ai. Silvio Santos vem ai. Gugu vem ai. Faustão vem ai e o Fantástico vem ai. Mais uma rodada do brasileirão vem ai, e quem sabe, sua sogra de Belo Horizonte, ou seu cunhado de Uberlândia, ou sua prima de Curitiba, venha também para passar o dia e comer de graça na sua casa. Quem sabe até lhe peçam dinheiro!

Mas e agora? Como suportar esse cheirinho podre que ronda seu caminho? Que fazer?

Sei lá. Se vire! Esse é o seu labirinto. Ele tem curvas e retas que só você conhece.

Quanto a mim, chego da rua para almoçar meu ovo frito diário e me dou ao luxo de parar e olhar para as nuvens, como um grande fazendeiro que olha suas dez mil cabeças de gado no pasto. É, é uma bela visão. Estou no olho do furacão, mas é nesse olho que as coisas se mostram mais calmas, e podemos respirar por alguns segundos sem engolir poeira e folhas secas. E é de graça! Olho as nuvens, sinto as tonalidades, examino se estão lisinhas ou encarneiradas, e estando do jeito que estiverem, considero que estão bem. Depois, entro em casa e frito meu ovo satisfeito. No mundo das nuvens, o labirinto é mais embaixo. Experimente!"

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