quarta-feira, 17 de setembro de 2014

As histórias de nossas vidas...

Eu disse certa vez aqui neste blog que as histórias de nossas vidas são garantias de nossa eternidade.

Mas elas não são.

Nossas histórias de vida, ou as histórias de nossas vidas, não fazem de nós eternos. Não no sentido como entendemos a eternidade de nossa consciência ou de nossa alma.

Eternidade de nossos corpos físicos é coisa fora de qualquer cogitação.

Mas, nossas almas sem um corpo não é algo que possamos cogitar também.

Então, sem um corpo, sem uma alma imaginável, o que de nós será de fato possível de se eternizar?

Creio que somente nossas histórias podem ser perpetuadas ao longo do tempo por meio de outras pessoas.

Somos rodeados de pessoas. Nós podemos desaparecer, mas continuar existindo nas memórias das pessoas que sobrevivem depois de nosso fim.

Não somos nós de fato que permanecemos. São as lembranças que as pessoas têm de nós que permanecem como se ainda estivéssemos por aqui, neste mundo material.

Somos fragmentados pedaços de lembranças esparramados por diferentes mentes, em diferentes lugares. Um quebra-cabeças que jamais se juntará por inteiro, porque há peças que jamais foram feitas. Há coisas que morrem conosco, que ninguém mais sabe, nem viu, mas que foram coisas importantes para nós, partes de nós significativas, peças deste quebra-cabeças sem os quais a imagem geral jamais é completa, ou sequer mesmo perceptível.

Mas, as pessoas que sobrevivem a nós também passam. E em poucas décadas, pouquíssimas gerações, não há mais peças.

Somos um desenho na areia.

Dói aceitar isso.

Escrever, no entanto, é um espasmo de esperança. Tal como um peixe fora d'água que saltita em um último esforço buscando voltar ao seu meio vital, nos esforçamos por meio de nossas obras, de nossas realizações, de nossas palavras, numa tentativa muito desesperada e irracional de permanecermos, apesar de nossa partida.

Nos empenhamos nisso com muita firmeza, com muita convicção, embora que sem muita consciência.

Nossos códigos genéticos podem perdurar em nossos filhos. Nosso senso estético pode perdurar numa sinfonia ou numa pintura, como perdura Mozart, Beethoven e Da Vinci. Mas não somos capazes de tão grandes realizações em uma tão curta vida.

Tenho 44 anos e faço incontáveis balanços em busca de alguma pepita perdurável. Sacolejo nos meus restos. Esmiúço meu lixo, meu legado de anos imprestáveis, anos desmanchados pela rotina, pela pequenez, pela sensatez e pela timidez que corrói as vidas como um ácido corrói uma vela.

As histórias de nossas vidas perder-se-ão no tempo. Nossos descendentes saberão o que foi um arquivo MP3, mas não quem o inventou. Pessoas passarão. Coisas, talvez. Haverá certamente os museus para elas, as coisas que causaram algum impacto em seu devido tempo. Para as pessoas, ficarão as lápides frias, com seus nomes incógnitos ao lado de datas sem sentido.

Aos 44 anos, não tenho forças para nada. Dizem os cientistas que começamos a envelhecer aos 27 anos. Logo, são já 17 anos de velhice em ritmo que se acentua em escala geométrica. Logo, serei senil. Logo, digo, dentro de mais 25 anos.

O que são 25 anos?

São muito, mas não são nada.

Minhas listas de coisas a fazer continuam cheias de coisas a serem feitas. E, aos 44 anos, parece que junto com a velhice é-nos dada uma certa coragem que nos permite, nos força mesmo a fazer o que vínhamos adiando por qualquer motivo que imaginássemos inventar. É preciso atacar a vida com a coragem dos ratos acuados, porque não há mais nada a perder. O conforto da segurança no seio do amontoado de anos de placidez e procrastinação não consola.

Não a mim.

Eu sei. Aos 44 pode-se ainda muito.


Mas não tanto.

Deus, dai-me a coragem para fazer da minha vida o que sonhei que ela fosse, ou para fazer dela o que Queres.

Entrego a um ser maior as minhas fragilidades.

Não, eu não creio por covardia.

Fala-me Ele por música, fala-me Ele por sons, em um código que é ininteligível a outros. Só a mim fala Ele da maneira que ninguém mais entende. E se Ele fala a outros, é-me ininteligível.

Quão misteriosas são as guinadas em nossas vidas.

Ao menos eu vejo guinadas onde outros podem ver um caminho plano ou um ser estacado, sequer se movendo rumo ao que quer que seja. Não importa. Eu s-i-n-t-o as guinadas. Logo, elas existem.

Por vezes é como se eu mesmo me conduzisse. Por vezes, é como se uma mão me conduzisse, e eu suponho seja Dele essa mão que me conduz.

Não, eu não creio por covardia ou preguiça.

As histórias de nossas vidas podem ser as garantias de nossas eternidades. A mão que me guia o faz por sons, e sigo a melodia de um Deus sonoro.

Enquanto percorro a trilha que já dura 44 anos, pergunto-me, confiante, se estaria eu deixando mais que o mero rastilho de lixo e passos obviamente vacilantes e erráticos na praia da existência humana.

Eu confio no que ouço.

Enquanto caminho, polvilho meus passos de letras.

Um comentário:

  1. Linda a sua crônica. Penso igual . Amo a história. Descobri agora a sua literatura. Faço muita coisa ao mesmo tempo, pensando no futuro.

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