quarta-feira, 1 de abril de 2015

A vontade de não ser pobre

Não sei quanto ao resto do mundo, mas quanto a mim, chegou um dia em que tive a nítida convicção de que era pobre, e de que a pobreza era uma espécie de desgraça familiar muito difícil de ser erradicada.

Não é difícil para um adulto se saber pobre, mas não sei se uma criança tem a mesma facilidade de percepção que tem um adulto quanto à sua verdadeira situação financeira.

Creio que a maneira pela qual a pobreza se revela dá-se por meio da comparação social.

Não se pode dizer que pobres vivendo entres outros pobres não sofram da mesma maneira as agruras da pobreza, mas certamente o impacto emocional de se sentir pobre é muitíssimo maior quando se é pobre e se está diante da riqueza inacessível de outras pessoas. Em geral, a mera observação das diferenças óbvias é dolorosa e repulsiva. Diante da desigualdade, o pobre passa a abominar a pobreza.

A vontade de não mais ser pobre precede então a vontade ativa de se ser uma pessoa rica.

Um pobre sabe que entre sua atual pobreza e uma eventual futura riqueza, há um abismo que é muito difícil de ser transposto, e que ele não faz a mínima ideia de como fazê-lo, mas ele sabe também que há no caminho entre esses dois extremos um estágio onde não se é ainda rico, mas não se é mais tão pobre quando um dia já se foi. Esse ponto intermediário é o ponto que se visa quando se decide, ou ao menos se toma consciência do desejo de não ser mais o pobre que ainda se é.

Essa tomada de consciência ocorreu comigo em um dado momento de minha adolescência, quando tinha entre dezessete e dezoito anos, e me levou a uma triste depressão.

A vontade de não ser pobre é tão urgente, tão premente que em geral as pessoas são coagidas a usar dos meios mais imediatos que se tem em mãos para começar a sair do estado em que se encontram para um estado menos doloroso, mais esperançoso, possível de ser alcançado em um futuro o mais próximo possível. Não é um estado de riqueza, mas um estado suportável, promissor, certamente transitório no caminho da verdadeira riqueza, mas já bastante acolhedor.

Daí que cada qual toma daquilo que lhe parece mais frutífero de sua parte. O filho do padeiro vai ser padeiro; o jovem amante do futebol vai em busca de se tornar um profissional; a moça sem perspectivas de estudo procura o casamento mais adequado; o trabalhador precoce dá continuidade ao trabalho que já vinha fazendo desde pequeno; o trabalhador de rendimentos instáveis decorrentes de empregos temporários passa a buscar contatos com ex-patrões em busca de algo mais duradouro, um rendimento com carteira profissional assinada por uma empresa, de forma a ter um salário mensal regular; o jovem que adora viajar vai tirar sua carteira de motorista de caminhão, e sai pelo mundo como auxiliar de carga numa transportadora qualquer; o filho do lavrador passa a assumir as tarefas do pai, amplia a clientela, melhora os métodos de produção da roça, incrementa os rendimentos aos poucos, repensa as possibilidades do negócio com o pai agora como apoio.

De minha parte, fiz o que podia fazer na época: retornei a um empego que não me pareceu promissor em uma primeira experiência, mas que era melhor que nada, que a vergonha, que a miséria.

Se é possível viver sem comparações, ou se é possível não dar importância às diferenças decorrentes dessas comparações, é coisa que falaremos mais tranquilamente no futuro.

O fato é que há um estágio na vida em que não mais podemos ignorar nossa condição social diante das enormes diferenças de vida que decorrem da riqueza e da pobreza. Ao tomarmos eventualmente conhecimento de que somos pobres, e de que a pobreza não é uma coisa boa, somos motivados a tomar atitudes urgentes no sentido de minimizar esse problema.

Em geral, é isso que acontece com quem se percebe pobre.

Em geral.

Nem sempre.

Há casos em que alguém pode persuadir-se, ou ser persuadido, de que a pobreza não é uma coisa ruim.

Então, entramos em um terreno espinhoso.

Não nos furtaremos de enfrentar esses espinhos, mas não agora.

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