quarta-feira, 1 de abril de 2015

Enfrentando os desafios do mundo

Sou uma pessoa comum, e como todas as pessoas comuns, tenho minha série interminável de problemas. Todos têm problemas, não é mesmo? 

No entanto, sei que meus problemas são também problemas comuns a milhões, bilhões de outras pessoas. Acordo pela manhã e sei que tenho que escovar os dentes, mas sei também que todos os 7 bilhões de seres humanos também precisam fazer a mesma coisa. Se não fizerem, terão de enfrentar o problema das cáries, e ninguém quer ter cárie. Então, bilhões de pessoas, todos os dias, assim que acordam, escovam pacientemente seus dentes, assim como eu faço, também pacientemente. 

Assim, escovar os dentes pela manhã é um problema pessoal, mas é também um problema mundial, e quem inventou cremes dentais, escovas, fios e demais apetrechos úteis à higiene bucal humana prestou um serviço inestimável ao mundo, à humanidade. 

Talvez não seja uma tarefa muito difícil pensar em um meio de como resolver o problema da escovação dentária, porque uma simples escova resolve o problema, e uma escova, ao menos aparentemente, não requer muita sofisticação e tecnologia. 

Quando penso em ideias que precisam ser pensadas, penso em problemas tais como o da escova dentária, mas penso também, somente como um exemplo, que talvez o problema maior não seja a criação de uma escova dentária, mas a criação do hábito da escovação, cuja inexistência transforma a escova em um mero objeto inútil. No mundo das ideias, é mais premente pensar em soluções para problemas universais que em soluções para problemas pessoais, assim como é mais importante pensar em soluções para problemas difíceis que soluções para problemas fáceis. 

Essas duas constatações merecem maiores e mais aprofundadas considerações. 

Vivo minha vida, vivo meu dia-a-dia como um ser humano comum, enfrentando os desafios corriqueiros que todas as pessoas enfrentam. Qual a razão de se viver uma vida atulhada de pequenos problemas que nunca são definitivamente resolvidos, nunca nos dão fôlego, nunca permitem que relaxemos e descansemos em relativa paz? 

É que viver é um enorme desafio, e se vivemos cheios de problemas, é certo que nossos problemas modernos são relativamente mais fáceis de serem equacionados que os problemas das pessoas que viveram décadas, séculos, milênios antes de nós. Escovar dentes é infinitamente menos problemático que enfrentar dentes cariados sem a menor chance de prevenção ou correção. Quantos milhares, milhões de pessoas morreram em decorrência de infecções oriundas de dentes cariados e infeccionados, sem o socorro da tecnologia moderna, ao longo dos séculos e séculos que já se passaram? 

Não posso deixar de sentir gratidão pelas pessoas que ajudaram a fazer deste mundo um mundo melhor em termos de qualidade da vida humana. No entanto, a mera gratidão, ou mero pagamento de um preço por um produto na prateleira de um supermercado não faz com que eu esteja quite com o mundo quanto aos benefícios que usufruo. 

É certo que contribuo com o mundo. Trabalho, e meu trabalho é uma contribuição que faço para sanar, ao menos parcial e pontualmente, alguns dos problemas que as pessoas enfrentam. Todo trabalho representa uma parcela no tremendo esforço que a humanidade realiza para manter-se íntegra e funcional. 

Mas será que fazemos o suficiente? 

Será que o mundo não apresenta problemas que vão além dos problemas pessoais triviais que podem ser resolvidos pela mera prestação de trabalhos ofertados por cidadãos especializados que necessariamente precisam trabalhar em troca de um salário para poder continuar vivendo? 

Na medida em que a ciência e a tecnologia avançam, os problemas pessoais vão se tornando cada vez menos graves, vão trivializando-se, enquanto que os problemas sociais vão se tornando cada vez mais graves, crônicos e complexos, desafiando a capacidade que os indivíduos têm de resolver problemas. 

Penso que às vezes agimos como crianças quando pensamos sobre os graves problemas dos quais tomamos conhecimento, mas que não são nossos problemas pessoais. Se sinto uma leve fisgada em um dente, então tenho um problema pessoal, e a fisgada foi em mim, e cabe somente a mim procurar um dentista e dar uma resposta para o problema. No entanto, quando se toma conhecimento mediante uma exótica tabela estatística qualquer de que há tantos milhões de pessoas com falta de acesso aos recursos elementares, até mesmo falta de acesso à água, necessários ao saneamento dentário, então esse não é um problema meu, não me afeta diretamente, não dói nem dá fisgadas em meus nervos e, portanto, não é um problema urgente. Logo, não posso fazer nada. Logo, não preciso me preocupar. Mas, sendo um problema, ele será atacado por quem tem o dever de atacá-lo, e quem tem esse dever são as instituições, mas as instituições são construções virtuais, intangíveis, descentralizadas, dispersas pelo planeta, inacessíveis, burocraticamente direcionadas por gente que não fazemos ideia de quem seja e, bem, logo esquecemos as estatísticas e seguimos com nossa vida, preocupados com o que devemos fazer nos próximos dias, nas próximas horas, nos próximos minutos. Não cabe a nós resolvermos os problemas do mundo. 

No entanto, penso que podemos fazer mais do simplesmente nos preocuparmos com nossos próprios problemas pessoais. 

Penso que é uma forma de altruísmo dispender meu tempo pensando em um problema que vai além do meu mero eu e abranja o todo, assim como penso que é uma forma de gratidão pelas benesses que usufruo fazendo tão pouco pelo mundo quando abro mão de algumas horas de lazer egoísta e me debruço sobre questões que são complexas, desafiadoras, assustadoras e aparente inexpugnáveis. Gosto de pensar que não sou capaz de resolver os problemas do mundo nas minhas horas de folga, mas que não me curvo diante deles, porque sou mais que uma mera mão-de-obra que troca suas horas de trabalho pelo direito de receber um salário no final do mês e viver sem um desafio maior que o meu próprio umbigo.  

Confesso que invejo as pessoas que não se curvaram diante dos grandes problemas. Confesso que admiro aqueles que viveram antes de mim e que poderiam ter vivido suas vidas mansamente, mas que preferiram desafiar algo maior que suas existências. 

Quando me recuso a abaixar a cabeça diante dos desafios do mundo, não quero ser nenhum herói. Quero ser aquilo que de mais autêntico possa ser um ser humano. Um animal inteligente, perseverante, incansável, imbatível, destinado a preservar a vida em todas as suas mais variadas manifestações e ir além, explorando as possibilidades do universo e da existência da consciência.  

Sou a gloriosa, a miraculosa parte consciente do universo, e como tal, recuso-me com todas as minhas forças, e veementemente, a deixar de sê-lo. 

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