quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Desumanização do comércio

Você tem e-mail? Provavelmente sim.

Se tem, já deve ter recebido milhares deles.

Sabe quantos foram realmente enviados por pessoas de carne e osso e quantos foram enviados por softwares, programas automáticos de vendas ou robots comerciais e de mala direta on-line?

Não, eu não estou falando do fenômeno do spam.

Spam é mensagem não solicitada. Essas são também recebidas aos milhares, e em geral também são de origem automática, mas não é bem sobre elas que quero chamar sua atenção.

O que quero que perceba é que há um processo de desumanização das relações comerciais. 

Você compra de uma empresa que não tem pessoas te atendendo do outro lado de um balcão, de uma linha telefônica ou de um site. Você faz transações financeiras com máquinas virtuais, quando não com máquinas reais.

Um caixa eletrônico de banco é uma espécie de robot fixo em um ponto qualquer pronto a expelir ou engolir dinheiro real, além de registrar e transmitir dinheiro virtual dele para sabe-se lá onde.

Uma máquina vende ursinhos de pelúcia, se você conseguir pegá-los com uma garra complicada e imprecisa. Outra máquina vende refrigerante. E outra ainda vende flores frescas mediante o recebimento de algumas notas não tão frescas. Por fim, uma máquina abre e fecha uma cancela na entrada de um shopping center qualquer, lhe dá boas-vindas na sua chegada e recomenda que use cinto de segurança quando vai embora.

As máquinas estão se preocupando conosco!

Quantas ligações a call centers são de fato atendidas por gente de verdade e não por gravações mecanizadas?

É espantosa a expansão deste método de se fazer negócios.

Mas, há um paradoxo nisso.

Preferimos então o atendimento humano personalizado e caloroso?

Mas, onde há este tipo de atendimento hoje em dia?

Não aqui, no nosso confuso Brasil de 2014.

Em geral, somos pessimamente atendidos em quase todos os lugares. Pessoas realmente atenciosas e educadas não são facilmente encontradas em pontos comerciais comuns. Parece que o comércio só consegue contratar jovens mal educados que não sabem sequer para quem trabalham, nem o que vendem, nem onde estão, nem que somos nós, compradores, consumidores, que pagamos seus salários mínimos. Raros são os atendentes que são realmente profissionais naquilo que são contratados para fazer. 

Então, fica o paradoxo. O que você prefere: um e-mail com redação impecável enviado por um software, com um aviso de "não responder: esta é uma mensagem automática", ou um e-mail redigido por um humano, mas deselegante, cheio de erros de português, incompleto, inconclusivo e incongruente?

Quer saber?

Não prefiro nem um nem outro.

Mas, não decido nada, e como não temos muitas opções de escolha, parece que as máquinas vencerão!

Mas relaxe por enquanto: este meu texto ainda é artesanal, e tão autêntico quanto um pastel de carne, exceto que você não pode sentir cheiro algum e nem saber com quanta atenção e prazer eu o redijo e o ponho à sua disposição para que leia e tire as suas próprias conclusões.

E melhor: de graça!

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Trabalho: a vida cronometrada

Nós, humanos, não somos amigos dos relógios.

Você pode gostar da aparência deles, pode pagar milhares de dólares por um Rolex ou outra marca famosa qualquer, mas certamente não o faz porque gosta de olhar as horas, os minutos ou segundos. Você, no máximo, gosta de objetos duráveis, bem feitos e que proporcionam status, mas não creio realmente que goste de ter sua vida controlada por um simples relógio, ainda que muito bonito e caro.

Não, nós não amamos os relógios.

Eu não os amo, definitivamente.

Mas a vida nos impõe obrigações, e precisamos dos relógios. De parede, de pulso, no celular, na barra de tarefas da tela do computador, nos painéis das praças e avenidas, no topo dos arranha-céus, em todos os lugares. 

Relógios são onipresentes.

Mas, há um tipo de relógio ainda mais maligno.

É o cronômetro.

Mas, quem precisa de um cronômetro, afinal?

Não eu, certo? Não nós, simples mortais trabalhadores. Nós nos contentamos com os relógios comuns. Alguns deles até têm funções de cronômetro, mas quase não as usamos. Não somos atletas, maratonistas, velocistas, nem procuramos ganhar alguma olimpíada contra nossos colegas de trabalho, certo?

Mas, ainda que eu nunca tenha sido muito amigo dos relógios, a vida foi ficando tão complexa ao longo dos anos que em determinado momento eu percebi que precisava de algum controle do tempo, alguma organização dos meus horários. Precisava primeiro de um calendário para anotar compromissos para os próximos dias, próximos meses. Sim, eles, os compromissos, entraram de vez na minha vida. Imposto de renda, manutenção do carro, troca de óleo, exames de saúde periódicos e outros afazeres mais demandaram um mínimo de organização. Afinal, quem já atrasou uma entrega de declaração de imposto de renda ou perdeu um prazo importante qualquer por esquecimento sabe do que estou falando. É melhor ter um calendário do que não ter.

Eu passei a usar um calendário no Outlook, no computador. Era uma maneira simples de manter-me atualizado com meus compromissos, e vez ou outra, eu recebia um aviso na tela do computador lembrando-me do aniversário de uma pessoa querida, ou lembrando-me de que precisava retornar ao dentista para uma revisão geral.

Mas, mais que isso, eu passei a usar o Outlook para distribuir coisas a fazer, tarefas em geral, ao longo do tempo. Eu deveria fazer o item A primeiro que o B, depois o item C e assim por diante. O item A seria demorado, de maneira que eu o faria em duas ou três etapas, mas entremeio a uma etapa e outra, faria os itens B e C.

O item A deveria começar no dia X por volta das Y horas.

Eu registrava tudo no Outlook e ele enviava-me um aviso na hora de começar A, B ou C.

Essa é a vida cronometrada.

Parece exagero, mas não é. Um dia desses eu vi o calendário de uma pessoa bastante atarefada no trabalho cuja dependência do calendário do Outlook é absoluta. Tire o Outlook dele e sua rotina de trabalho entra em colapso. E ele está longe de ser o único usuário que conheço que é dependente deste modo de trabalhar.

Algumas pessoas são mais organizadas que outras. Uns gostam de maior controle que outros. Há aqueles que são simplesmente mais atarefados que outros. E há ainda aqueles que simplesmente possuem um tipo de trabalho cujas ações são simplesmente descontínuas, fragmentadas, e que não podem trabalhar longas horas, longos dias nas mesmas coisas, na mesma rotina, sem idas e vindas a outros assuntos. Trabalho fragmentado requer um esforço de memória que seria desgastante sem o apoio de agendas e computadores. Essas ferramentas estão aí exatamente para isso. Afinal, temos que nos ocupar com coisas realmente importantes, e não podemos nos dar ao luxo de esquecer tarefas que não podem ser esquecidas. Esta é a realidade e não há muito o que se fazer contra.

Mas, um dia, eu percebi que podemos ter hora para começarmos uma tarefa, e dispomos de um aviso para isso. Vários avisos. Mas, é quanto à hora de pararmos?

Falarei mais sobre esta hora, mas não agora.

Agora, falarei sobre cronômetros.

O Outlook não nos diz a hora de parar. Não há nele, nem em nenhum outro relógio, nem mesmo naquele que fica em toda barra de tarefas de todo computador, uma forma de aviso que diga que um determinado tempo já tenha se passado. Quer dizer: ninguém se importou em avisar sobre o fim de um período de tempo. 

Eu estou falando de cronômetros.

Coloque um relógio qualquer para tocar em uma determinada hora. Essa hora será a hora de se iniciar um trabalho qualquer. Comece este trabalho qualquer, uma atividade qualquer, e apenas imagine que irá parar dentro de meia hora. Quem o avisará quando esta meia hora terminar?

Um relógio comum não o avisará. Um cronômetro, sim.

Então pensei comigo mesmo: em um mundo tão cheio de ideias e programas de computador, será que haveria um cronômetro em forma de software?

Pesquisei e descobri vários. Um deles é o 1Time.

Comece um determinado trabalho e programe o 1Time para avisá-lo em meia hora. Dispare a contagem regressiva dele e inicie o trabalho. Meia hora depois, ele aparece na tela e o avisa: pare! Sua meia hora de trabalho acabou!

Eu gostei desta ideia.

Comprei um cronômetro digital de verdade, um reloginho de plástico amarrado a um colar. 

Tire uma hora para fazer quatro tarefinhas diferentes a cada 15 minutos. Ajuste a contagem regressiva para quinze minutos e deixe o cronômetro interromper a primeira tarefinha para que você possa partir para a segunda tarefinha. Recomece a contagem regressiva com o cronômetro. E assim por diante.

Quanta bobagem, você deve estar pensando.

Sim, uma bobagem.

Mas, houve dias em que me embrenhei em estudos de maneira tão intensa e séria que precisei de um esquema desses para distribuir o tempo entre uma matéria e outra, para poder atingir meus objetivos, que eram ambiciosos e difíceis.

Esse período de vida cronometrada foi doloroso, mas funcionou.

Mas nós, brasileiros, não somos muito acostumados a esse tipo de proceder. É coisa de americanos isso, esse tal de trabalho duro.

A vida cronometrada não é um modo necessário, mas para certos objetivos, é a única vida.

A vida cronometrada, no final, compensa.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Os lugares onde moramos

Tenho uma memória relativamente boa para algumas coisas, mas falha para outras.

Por exemplo: tenho mais facilidade para memorizar números do que nomes de pessoas. Se precisar, memorizo uma sequência numérica relativamente longa, com até uns doze dígitos, mas uma pessoa precisa falar seu nome para mim pelo menos umas três vezes até eu memorizá-lo razoavelmente bem. E, após alguns anos, esqueço o nome até mesmo de pessoas com quem convivi muito proximamente, como colegas de serviço e amigos próximos.

Mas essas são falhas de memória consideradas banais. Nossas memórias possuem muitas outras surpresas escondidas, além desta que citei, a de predileção por isso em vez daquilo.

Um caso interessante de surpresa é a rememoração. Quer dizer, é recordar algo que havíamos a muito esquecido.

O que isso tem a ver com o título do tópico, que fala sobre os lugares que moramos?

Tem a ver, como veremos, e muito.

Nós podemos nos esquecer de detalhes, mas certas memórias são tão amplas e consolidadas que dificilmente nos esquecemos delas. Um exemplo de acontecimento, ou período de tempo, ou lugar, do qual quase nunca nos esquecemos é dos lugares onde já moramos um dia.

Há pessoas que nunca se mudam de casa. Outras mudam de casa, mas não de cidade. Outras mudam de cidades, mas não de estado. Outras mudam de estado para estado, mas nunca deixam o país. E outras ainda que chegam a morar em dois, três ou mais países. Por fim, há os que são quase nômades e nunca fixam-se muito em um único lugar por muito tempo.

As razões que levam as pessoas a mudarem são variadas e não falaremos delas aqui e agora, embora sejam assunto muito interessante, como veremos.

O que importa é que nós nos lembramos muito bem dos lugares onde moramos.

Obviamente, nos lembramos porque estivemos nesses lugares tempo suficiente para que nossas memórias se consolidassem. Não esquecemos porque o lugar onde moramos está armazenado em nossas mentes por meio de milhares de outras pequenas memórias, em um complexo que não se apaga tão facilmente quanto, por exemplo, um número telefônico, que guardamos por alguns minutos e depois esquecemos completamente.

Mas, eis a curiosidade: apesar de ser uma memória complexa, a lembrança que temos dos lugares que moramos é ainda assim sujeita a uma lenta e seletiva degradação ao longo do tempo. E, com o passar dos anos, vamos esquecendo coisas menos importantes sobre o lugar onde moramos, embora não nos damos conta dessa erosão silenciosa e contínua.

Mas então, um dia, sem querer, topamos com um pedaço de papel qualquer no meio de nossas coisas e lá está nosso endereço completo, de um lugar onde moramos a quinze, vinte anos atrás.

Claro, nós nos lembramos perfeitamente dessa época. Afinal, o que são quinze anos em uma vida? Parece que foi ontem que mudamos de lá.

Mas, eu não me recordava mais do nome da rua. Sei como chegar ao endereço em que morava, mas não me recordava mais nem do nome da rua, nem do número, nem do nome do prédio, nem do andar, nem do número do apartamento onde morei. Mas há mais coisas anotadas no velho pedaço de papel: há um CEP, um número de telefone, o número de telefone do local de trabalho, que deixei também a longos anos atrás, e há o nome do porteiro, do proprietário do imóvel que alugamos, e todo um emaranhado de coisas que surgem de repente com aquele pedaço de papel, e que sem ele, jamais nos lembraríamos por nós mesmos.

Mas, eis que fica a dúvida: o que foi feito dessas lembranças?

Elas sumiram ou apenas estavam perdidas em algum lugar de nossas mentes?

Elas parecem sumidas, porque jamais nos lembraríamos delas por esforço próprio. Se alguém chegasse e pedisse que eu me lembrasse do número de telefone que tive a quinze anos atrás, eu não seria capaz de fazê-lo.

Mas, quando leio em um pedaço de papel o mesmo número, junto com o endereço e as demais informações que formam em seu conjunto todo um contexto que de fato existiu, estranhamente eu percebo que aquele número não é de forma alguma estranho. Eu o recito como um trecho de uma frase, como um trecho de uma música, e ele me parece bem familiar. A sequência de números não me parece de forma alguma uma sequência aleatória e desconhecida. Ela é familiar. Daí que parece que ela, a memória do número, não estava definitivamente perdida em minha mente, mas apenas desconectada do contexto maior, e assim estaria para todo o sempre, caso não tivesse a ajuda do pequeno pedaço de papel para fazer o trabalho de resgate desse fragmento desgarrado.

Que poder têm esses pedaços de papel de juntar como imãs as centenas, milhares de partes que formam a memória de nossos passados? Como se dá esse estranho fenômeno?

Não sei, mas aposto que isso também intriga os neurologistas, e certamente há mais gente interessada nisto do que apenas eu e minha curiosidade inesgotável.

Por onde andei?

Em que lugares morei?

Eu sei.

Morei apenas em um país: no Brasil.

Morei em três Estados: São Paulo, Goiás e no Distrito Federal.

Morei em oito cidades: Conchal, Araras, Guaratinguetá, Anápolis, Goiânia, Ribeirão Preto, Brasília e São Paulo.

Morei em vinte casas diferentes.

Vinte moradias em quarenta e quatro anos.

São vinte endereços diferentes para serem lembrados. Isso dá em média dois anos em cada lugar.

De repente, fica óbvio que não é fácil se lembrar de lugares onde vivemos por tão pouco tempo.

De repente, fica óbvio que é pedir demais de nossas memórias que permaneçam, apesar da pouca importância de certas informações.

De repente, fica óbvio que a surpresa do fenômeno da rememoração é uma coisa interessante, mas que ainda mais interessante é tentar saber porque mudamos tanto ao longo da vida.

Quer dizer: por que eu mudei tanto de lugar a longo da vida.

Cada casa tem um endereço. Mas cada casa tem um porquê de nela termos ido morar, e um porquê de termos de deixá-la.

A história de nossas mudanças envolve e engloba a história de nossos CEPs e telefones esquecidos.

Esquecer o passado é, mais que um fenômeno neurológico, um fenômeno sociológico: mudamos por questões que vão além de nossas forças, e nossos cérebros precisam ocupar-se com o viver do dia-a-dia, e simplesmente não podem dar-se ao luxo de guardarem coisas que não são mais importantes.

Fascina-me as causas de nosso esquecimento, mas fascina-me também o zigue-zague que empreendemos nos mapas, um zigue-zague errático e aparentemente sem sentido.

Atrás do que estamos quando partimos de um ponto a outro e comandamos a nossos próprios cérebros que deletem aquilo que não se faz mais necessário?

Não sei. Cada qual com sua própria história de vida, e com seus próprios motivos.

Quanto a mim, gosto de recordar velhos endereços. Eles fazem parte de minha história pessoal, e como disse por aqui neste blog várias vezes, o universo não é feito de átomos, mas de histórias.

Vinte lares ao longo de um vida.

Quantos mais experimentarei viver?

O que nos dará de diferente a vida que ainda deveremos viver?

Não sei.

Mas, certamente vinte lares significam vinte boas histórias.

O que sei ainda sobre meu passado e meus muitos lares?

O que sabe você sobre os seus?

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

O surgimento dos links

As pessoas que usam a internet hoje em dia podem achar que ela surgiu pronta, tal como está agora. Esta percepção deve ser muito forte entre as pessoas mais jovens, já que a internet pública, tal como a conhecemos, surgiu nos Estados Unidos em 1995, sendo popularizada de fato por aqui, no Brasil, entre 1996 e 1997.

Mas as coisas não surgiram prontas. Elas foram sendo aprimoradas ao longo dos anos.

Hoje, quase tudo está vinculado à internet, mas nos primeiros anos, não estava. Muita gente achava, por volta do ano de 1996, que tudo não deixaria de ser um modismo passageiro, embora muita gente via já a revolução que de fato foi seu surgimento e sua abertura ao público. Então, a tecnologia dos computadores, que já existia bem antes da internet, foi se adaptando aos poucos à rede, e vice-versa. Muita coisa da internet foi decorrência do que já havia nos computadores.

A coisa mais interessante na internet foi o surgimento das páginas www, com fotos, cores, browsers e o link.

Muita gente acha que o link foi uma invenção da internet, mas não foi.

Em 2012, na abertura das Olimpíadas de Londres, houve um momento épico em que uma casa se erguia do meio de um palco e dentro dela estava um senhor, um cientista, o pai da internet, Tim Berners-Lee, obviamente um cidadão inglês, recebendo as honras da casa e sendo mundialmente agraciado com a chance de ser consolidado como o verdadeiro pai da internet, quando sabemos que hoje em dia é tão difícil ser pai de qualquer grande invenção que mude o rumo da humanidade, como a teoria da relatividade, de Einstein, ou a descoberta da penicilina, como Alexander Fleming.

Tim Berners-Lee merece o honroso crédito de ter sido o pai das páginas www, mas não da internet em si. Mas como a internet só se popularizou devido às páginas www, as world-wide-web, então, sim, ele merece muito respeito pelo seu feito, mas o que quero abordar aqui não são necessariamente as www, mas especificamente um importante componente da maioria delas: o link.

Tim Berners-Lee não inventou o link. Ao menos não que eu saiba.

As www são feitas em linguagem html, ou linguagem de marcação de hipertexto. O que é um hipertexto? É exatamente um texto com hiperlinks, ou ligações entre diferentes textos, ou melhor ainda, são ligações entre diferente documentos, diferentes arquivos. Ora, já existiam outras formas de linguagem de marcação de hipertexto antes do surgimento da html. Berners-Lee teve sorte de desenvolver uma linguagem específica para a internet, mas não foi o pioneiro na criação da primeira linguagem com hipertextos.

Os links já existiam antes do surgimento da internet.

Um exemplo clássico do uso de linguagens de hipertexto é um arquivo de ajuda de um programa qualquer criado antes do surgimento da internet.

Palavras em um processador de textos qualquer, como o Word, o Wordpad, o Notepad, ou qualquer outro, são editáveis.

Textos editáveis são importantes e úteis, mas não para certos usos.

Por exemplo, não seria interessante que certos documentos pudessem ser editados por seus leitores, e um texto com informação de ajuda, um texto criado para ensinar por meio de exemplos e passo-a-passo é melhor que seja estático, não editável pelo leitor. Hoje em dia temos diferentes tipos de textos não editáveis, tais como as próprias páginas html, os pdf, etc., mas nos anos pré-internet, esses tipos de arquivos não existiam. Então, os desenvolvedores de programas de computador usavam o tipo de arquivo que quisessem. Como a Microsoft usava textos estáticos do tipo .hlp (de help) para seus arquivos de ajuda, esse modelo virou uma espécie de padrão na indústria.

Um arquivo de texto de ajuda do tipo .hlp é um exemplo clássico de hipertexto. Ele tem imagem, tem desenhos, e tem links.

Quem estava acostumado a ler textos de ajuda antes da internet surgir não se surpreendeu muito com os links em si. Eles já existiam.

Então, com o passar dos anos, foram se popularizando.

Hoje, quase todo programa que se preze permite a criação de links. O único que conheço que não permite ainda a criação de links é o Notepad, que trabalha com um arquivo de texto puro, sem hipertextos, padrão .txt (de text).

Pois bem, o pacote Office 2000 surgiu depois da internet. Era, portanto, de se esperar que sendo um produto de ponta da Microsoft, já contivesse programas que permitissem a criação de links facilmente.

Mas, como eu disse, a indústria dos computadores já existia antes da internet, e o pacote Office também. O Office 2000 era um desenvolvimento do Office 97. Quando se fala em anos de produtos, tais como Windows 95 ou Office 2000, tem-se apenas uma data aproximada de quando o produto foi lançado. Seu desenvolvimento deve ter-se dado muitos meses ou mesmo anos antes de seu ano de lançamento. Assim, o Windows 95 deve ter seu processo de desenvolvimento iniciado em 1990, e o Office 2000 em 1997, quando o Office 97 foi lançado. A indústria de desenvolvimento de softwares simplesmente nunca para. Se para, morre.

Em 1997, o Office 2000 estava em gestação. E a internet também. Aposto que a Microsoft se preocupou em aproveitar a onda emergente do surgimento da rede e capitalizar sobre ela. De fato, quase todos os produtos já permitiam criar links com a internet. Havia até mesmo um produto no pacote que criava páginas para a internet, que era o FrontPage.

Quando comecei a usar o Office 2000, interessei-me pelo Outlook, que gerencia e-mails, contatos, calendários e tarefas.

Gostei de criar tarefas, mas havia um problema: sempre que ia anotando alguma coisa no campo de texto que permite que façamos nossas anotações e detalhemos nossas tarefas, quase sempre precisava digitar nomes de sites, e-mails e outros endereços da internet. Ora, se eu digito um endereço qualquer da internet, é melhor que esse endereço seja transformado em um link automaticamente, como uma funcionalidade básica do programa que eu estou usando para editar meu texto.

Hoje, isso é normal. 

Mas não era em 2000, com o campo de anotações de tarefas do Outlook do Office 2000 da Microsoft.

Eu achei que aquilo era um erro, uma falha de aperfeiçoamento do projeto do Office inaceitável. Mas, por outro lado, estamos falando de Microsoft e Office, uma megaempresa e um megapacote de softwares. Não se pode ser perfeito em tudo. Eles simplesmente deixaram para depois um aperfeiçoamento para um problema menor, convenhamos.

Mas eu não pensei assim no momento, na época.

Eu anotei no próprio Outlook uma tarefinha que eu precisaria fazer para que pudesse colocar minha vida em ordem no futuro. Eu anotei assim em meu Outlook:

"Ver maneira de criar link entre tarefas e páginas da web."

Eu precisava descobrir uma maneira de criar links onde não era possível que eles fossem criados.

Isso foi no dia 10 de abril de 2000.

Agora, esse problema é irrelevante.

Até tenho uma cópia do Office 2000 em um notebook velho, mas quase não o uso.

E a criação de links automáticos é uma realidade no campo de anotações de tarefas do Office, e também do Outlook 2010.

Eu não tenho o Office 2010 em casa. Uso-o, no entanto, no trabalho. 

Em casa, uso o Office 2013, ou Office 365, totalmente integrado à internet.

São esses pequenos detalhes que mostram quem somos e como são as empresas líderes em seus negócios.

Certamente não fui o único a ter tido esse pequeno problema. Certamente a Microsoft já sabia dele antes de lançar o produto. Mas o corrigiu. Veja: não estou dizendo que o problema foi corrigido somente na versão 2010 do Outlook. É provável que tenha sido corrigido logo na versão seguinte, no Office 2003, ou mesmo no Office XP, lançado em 2001.

Não importa: links são coisas importantes, úteis e não podemos viver sem eles.

Creio que os ingleses fizeram bem em homenagear Tim Berners-Lee nas Olimpíadas.

Clicar em um link é um evento global.

Clicar em um link tem a força que marca as grandes descobertas e as gerações.

Seremos lembrados nos séculos futuros como a geração que criou os links.

Berners-Lee será ainda mais famoso.

Isso é bom, penso eu, e merece ser registrado.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Coisas perdidas em casa

Eu tenho pensado sobre como as coisas desaparecem dentro de nossas próprias casas.

Isso não deveria ser surpresa para ninguém, nem motivo de muita preocupação séria por parte de gente que não tem muito tempo a perder com as trivialidades da vida, mas mesmo assim, eu tenho pensado no assunto.

Aonde foi parar aquele objeto que você sabe que tem, que até viu um dia desses por acaso procurando uma segunda coisa desaparecida (que por sinal você também não achou) e que não se lembra mais onde foi que o viu?

Você procura A, encontra B, mas não A. Depois de alguns meses, resolve procurar B, não o encontra, nem encontra A, mas encontra C, que não está procurando, mas que irá procurar mais no futuro, e também não achará.

As coisas vão desaparecendo em sucessão misteriosa e agonizante.

Temos muitos milhares de pequenos objetos em casa. Duvida?

Comece a contá-los. Todos.

Sim, eles são milhares.

Um objeto pode parecer banal e sua perda ou ausência pode ter pouco impacto em nossas vidas, mas não podemos ignorar que objetos em geral cumprem certas funções para as quais eles passaram a existir, e suas ausências deixam um pequeno buraco negro em nossas rotinas de vida, queiramos ou não.

Como justificar um pé de meia sem o seu companheiro, desaparecido?

As coisas não vão parar dentro de nossas casas por acaso. Nós a levamos com uma intenção em mente.

Vá a uma loja de R$1,99 e veja como é fácil entulhar a casa de bugigangas, das menores, como pequenos parafusos e clipes, até grandes e incômodas, como bolas de ginástica e até mesmo esteiras de corrida.

Não levamos coisas para casa à toa, pode ter certeza.

E então, as colocamos de lado e esperamos um dia com tempo livre para podermos brincar com esses objetos, um dia que pode ser daqui a um mês, um ano ou uma década.

Mas, então, cadê a bugiganga?

O que afinal acontece com eles, os objetos que nunca mais encontramos? Haverá um duende brincalhão que esconde ou rouba nossos objetos esquecidos e depois buscados somente para rir diante de nossa frustração e de nossas mãos empoeiradas?

Creio que não.

Acho que é uma questão de organização.

Se você mora na mesma casa a décadas, está mais que familiarizado com cada fresta que há nela. Dificilmente um objeto passará desapercebido, exceto...

Exceto se você for desorganizado. Neste caso, quanto mais tempo morando em uma casa, maior tende a ser a bagunça.

No entanto, se se é organizado, cada coisa terá seu lugar, e haverá um lugar para cada coisa, e mesmo que se tenha muitos milhares de coisinhas em cada canto, inevitavelmente logo se terá um mapa mental com a localização de cada uma delas.

Mas, é muito difícil morar décadas na mesma casa.

E é ainda mais difícil montar um mapa mental de milhares de objetos em pouco tempo. Quer dizer, antes morava-se numa casa A e tinha-se uma certa organização, e um mapa mental A foi se formando ao longo do tempo. Mas, muda-se para uma casa B, que tem uma configuração física diferente, e os milhares de objetos são empacotados, desempacotados e armazenados em uma configuração tal que o velho mapa mental A não vale mais nada. Começa-se um mapa mental B, e ele vai sendo construído lentamente ao longo dos meses. Depois de dois ou três anos, ele está quase completo, exceto se você souber que dentro em breve terá de mudar novamente. Ora, por que se dar ao trabalho mental de saber onde se encontra 2.000 objetos que quase nunca usamos se precisamos saber a localização de apenas uns 200 objetos que usamos diariamente? Por que se preocupar com objetos que não iremos usar? Eles irão para um canto da casa assim que saem das caixas de mudanças, e ficam onde foram originalmente desembalados. Se não precisamos deles, e ainda por cima, iremos mudar dentro de mais dois ou três anos, por que se preocupar com eles?

Esses milhares de objetos que quase nunca usamos entram em um limbo mental, uma área cinza sem um mapa. Somente quando precisamos de um deles é que lembramos, primeiro, que o temos, e que não precisamos comprar outro, e segundo, que ele está em algum lugar naquele armário, em uma caixa verde que você usa para guardar botões e lâmpadas queimadas, mas que podem ser úteis para se fazer algum artesanato.

Só que não está. O objeto não está onde deveria estar, na caixa verde empoeirada, cheia de cacos de lâmpadas quebradas, que poderiam servir para se fazer enfeites, mas que agora são apenas pontas de vidros afiadíssimos, com aquele pó branco que, segundo a lenda urbana, caso venha a cair em uma ferida provocada por um caco desses, fará com que esta jamais venha a cicatrizar-se, numa espécie de pesadelo hospitalar inimaginável. A caixa verde não guarda o que você procura, está toda empoeirada, e o que você não procura se transformou de objetos inocentes em armas mortais prontas para lhe pregar em um dos dedos de surpresa.

Quem tirou de dentro da caixa verde o objeto que estava lá?

Ninguém.

Todos negam ter tirado o objeto, embora confirmem que o conhecem e que ele deveria mesmo estar lá.

Foi então obra de um duende?

Certamente não.

Você provavelmente o achará daqui a dez anos, na sua décima oitava mudança, quando resolver que já é hora de jogar fora, antes da mudança, aqueles malditos cacos de lâmpadas mortais.

O objeto estará lá, entremeio aos cacos, zombando de você.

Agora, pergunto a mim mesmo: onde foram parar as minhas chaves de precisão, que sei que tenho, mas que não acho de jeito nenhum? E aquele envelope enorme com a radiografia de meu crânio, que guardei para o caso de vir a ficar louco um dia desses? E mais: cadê o mini-teclado de meu handheld que nunca funcionou, mas que era parte dele e que não era para ser jogado fora de maneira nenhuma, embora que inútil?

Não sei.

Um dia, achá-los-ei.

Na próxima mudança?

Quem sabe?