quinta-feira, 8 de maio de 2014

A pirâmide do fracasso

Depois de um longo período de experiências com livros de autoajuda, quando tive a oportunidade e a motivação para colocar em prática de maneira disciplinada e metódica uma ampla variedade de conselhos, dicas, ensinamentos e modos de pensar sugeridos por pelo menos meia dúzia de renomados escritores do tema, acabei sendo envolto por uma nuvem de ceticismo e crítica.

Sempre supus que o problema com os livros de autoajuda se devia ao fato de que as pessoas simplesmente os leem como quem lê um romance, quando, na verdade, eles, os livros de autoajuda, deveriam ser estudados tal como o são os livros técnicos, e ter seus métodos aplicados na vida real, no dia a dia de quem se propõe  a estudá-los e deles pretendem tirarem algum proveito verdadeiro.

Eu lera livros de autoajuda entre 1990 e 1992, e depois os deixara de lado. Ora, eu era apenas mais um dos que simplesmente os lera como meros romances estimulantes, mas não práticos. Então, diante de um momento crítico de problemas pessoais, pareceu-me que a solução da situação crítica dependesse de um esforço pessoal mais sério, e assim, em 2001, resolvi que os livros de autoajuda até então lidos como romances deveriam ser lidos como livros de estudo, como manuais práticos a serem seguidos metódica e disciplinadamente.

Tomei de "A universidade do sucesso", de Og Mandino, e de "Como evitar preocupações e começar a viver", de Dale Carnegie, além de alguns outros livros de autores menos conhecidos, mas igualmente cheios de sugestões práticas e supostamente eficazes, e me dispus ao estudo.

Pois bem, o tempo foi passando, eu me mantive atento à disciplina recomendada por eles, os autores dos livros, mas, apesar da passagem do tempo e de todos os meus esforços disciplinados, nada aconteceu. Nada em minha vida mudou realmente.

Quanto tempo eu perseverei em minha disciplina de aprendiz?

Um ano?

Sim, no mínimo.

Um ano é um bom tempo. Não acho que se deva persistir em algo que não está dando certo por muito mais tempo que isso. Experiências precisam ser avaliadas em seus resultados ao longo do tempo e, neste caso, pareceu-me que um ano de experiência, ou um tempo próximo disto, já deveria ser suficiente.

Algo não estava saindo como os livros diziam que sairia.

Comecei a perceber certas coisas que os livros não ensinavam. Algo estava errado, mas mais especificamente, havia uma frase que eu tomara como verdadeira, e que agora, depois de constantemente pensar e trabalhar sobre ela, parecia-me não ser confirmada pelos fatos. Daí então, fui forçado a me dobrar aos fatos e passei a questioná-la. 

Em um processo de ensino, é de bom tom imaginar que o aluno sabe menos que o professor, e que se algo sai errado, em geral a culpa é do aluno, que não foi atencioso o suficiente, não foi dedicado o suficiente, não possui a inteligência suficiente para compreender as lições ensinadas pelo professor. Evidentemente, o professor pode ter parte na culpa, já que pode não ter sido suficientemente didático. Mas, em se tratando de livros de autoajuda, eu, o aluno, não poderia colocar a culpa no professor, no livro em si, já que poderia retornar às lições a serem aprendidas o número de vezes que fosse necessário para que pudesse assimilar o que estava sendo ensinado. E eu retornei às lições não uma, nem duas vezes, mas várias, tantas quantas julguei necessárias, de modo tal que praticamente decorei certos preceitos tidos como fundamentais para a efetividade de cada lição em si.

Quanto à lição básica, tirada da frase que tomei como verdadeira, ao menos por algum tempo, era a que atribui a nós mesmos a culpa pelas nossas dificuldades em alcançarmos aquilo que desejamos.

Eu teci alguns comentários aqui sobre essa frase. De qualquer forma, reproduzo-a novamente, para que melhor possamos apreciá-la:

“Tome cuidado apenas consigo mesmo e mais ninguém; trazemos nossos piores inimigos dentro de nós.”
Charles Spurgeon

A frase encontra-se no livro de Mandino.

Tomei-a por verdadeira por um longo tempo, mas, na medida em que não obtinha resultados palpáveis com a disciplina na aplicação dos ensinamentos dos livros de autoajuda, comecei a pensar que, bem, sendo eu disciplinado, e estando eu aplicando metodicamente as lições aprendidas, e nada obtendo em troca, abria-se a possibilidade de que o problema poderia estar na lição em si, que poderia, ao menos hipoteticamente, estar errada.

Lendo a frase em um primeiro relance, sentimos que somos chamados a assumir a responsabilidade por nós mesmos, para pararmos de procurar culpados pelos nossos problemas, para deixarmos de nos fazer de vítimas. Essa visão responsável da vida é correta, não há dúvida. Mas, diante de meus péssimos resultados, senti-me frustrado.

Fiquei com uma forte sensação de estar sendo enganado pelos livros de autoajuda, porque, afinal, onde estavam os resultados?

Influenciado por uma outra frase, de um outro livro, um livro de filosofia de Alfred J. Ayer, "As questões centrais da Filosofia", dos quais tratarei adequadamente em um post oportuno em breve, pensei bem sobre o conteúdo da frase, e observei que ela nos alerta para o fato de que podemos ser nossos piores inimigos, mas também observei que ela não limita nossos inimigos a nós mesmos. Quer dizer, podemos ser nossos piores inimigos, mas nem por isso somos nossos únicos inimigos. Se não bastasse termos de nos vigiar e policiar contra nossas falhas, fraquezas e deslizes, temos ainda que saber que temos outros inimigos que não nós mesmos. 

A frase ainda não diz que nossos inimigos são pouco dignos de atenção apenas porque nós somos piores do que eles. Podemos ter inimigos externos a nós que sejam bastante duros e perigosos. Então, a frase em si era uma meia verdade. 

Repetindo: é verdade que trazemos nosso pior inimigo dentro de nós mesmos, mas não é verdade que, em decorrência disso, devemos tomar cuidado apenas conosco mesmos. O fato de eu cuidar de mim mesmo não faz de meus inimigos externos menos ameaçadores do que já são. Logo, se os negligencio, então não os combato, e portanto, não consigo aquilo que desejo, porque eles são um obstáculo oculto que se opõe a meus intentos. 

Pior: ao focar apenas em mim mesmo, meus inimigos externos desaparecem, como se não existissem. E esse é um erro o qual não podemos cometer.

Então, ao cuidar de mim mesmo, e ainda assim enfrentar obstáculos, observei e vi que há, sim, inimigos externos poderosos, e eles não estão nem um pouco dispostos a nos ajudar em nossa luta diária que travamos de encontro aos nossos desejos, anseios e objetivos.

Que inimigos são esses?

Eu pensei bastante, e teorizei que o mundo, tal como está estruturado, é um dos maiores obstáculos que enfrentamos na nossa luta por objetivos.

Mas, como o mundo está estruturado? Que estrutura é esta que nos impede de ir em frente de maneira fácil e rápida rumo aos nossos tão sonhados desejos, como propõem os livros de autoajuda?

A barreira que vislumbrei na estrutura do mundo é que esta é formada de alguns megasistemas sociais que são desenhados sobre a forma de pirâmides hierárquicas. Costumamos chamar essas pirâmides hierárquicas com o nosso aparentemente neutro e científico nome de "organograma".

Basicamente, percebi que quase todos os sistemas sociais humanos são estruturados em forma de organogramas que reproduzem a forma de uma pirâmide hierárquica. Ora, uma pirâmide hierárquica moldando um  sistema social significa que há muitos espaços na base da pirâmide, mas poucas oportunidades no topo, tal como toda pirâmide. Em termos de busca por objetivos, isso significa dizer que muitos tentarão o sucesso, mas poucos conseguirão.

Muitos tentarão, insuflados por suas necessidades e seus desejos de melhoria, e apoiados em livros de autoajuda e suas técnicas motivacionais. Mas poucos conseguirão, filtrados por mecanismos de seleção subjetivos, parciais e tendenciosos, comandados por pessoas cujos objetivos não tem relação alguma com os nossos, e que se regem por sua próprias lógicas particulares.

Eu escrevi assim em minha Agenda 99:

"Tese geral: a frustração e insatisfação geral da sociedade moderna são frutos de sistemas educacionais, empresariais, governamentais, legais e econômicos baseados em premissas falsas."

A pirâmide social que limita o número de pessoas que chegarão ao topo é o que podemos chamar de pirâmide do fracasso, porque muitos fracassarão, enquanto apenas alguns poucos triunfarão, não importa o quão meritosos sejam os que virão a fracassar.

A tese geral acima constata as consequências óbvias de um sistema social assim concebido: bilhões de pessoas lutando, fracassando e se frustrando sistematicamente. E a tese geral constata que os sistemas educacional, empresarial, governamental, legal e econômico, pelo menos, são estruturados em pirâmides hierárquicas que barram quase toda tentativa honesta de melhoria pessoal.

A tese geral, por fim, assume que essas pirâmides sociais são desenhadas de maneira disfuncional não intencionalmente, isto é, elas são concebidas com um objetivo honesto e claro, mas acabam gerando efeitos colaterais indesejáveis, que não são premeditados, nem desejados, e talvez nem mesmo percebidos por aqueles que a desenham e por aqueles que as preenchem e nelas lutam para subir ou nelas permanecer.

Eu, generosamente, não atribui as disfunções dessas pirâmides sociais a um desejo racional de filtrar, obstruir, selecionar e punir quem quer que seja.

Eu tomei meus inimigos externos como seres benevolentes, que apenas fazem o mal por mera incapacidade de perceber que fazem o mal.

Enfim, igualei homens a vírus, a bactérias, a terremotos.

Eu não quis, ao menos por enquanto, imputar o mal do sistema social como decorrente da própria maldade intrínseca do ser humano que o concebe. Poupei-os, os homens.

Afinal, também eu sou um homem, e não me vejo como mau.

A tese geral acima foi apenas um primeiro esboço de um conjunto de outras constatações igualmente significativas e inter-relacionadas, que desenvolverei neste blog, nos próximos posts.

Além do mais, eu observei que livros de autoajuda podem trazer contradições. Além da frase sobre cuidar de nós mesmos como nossos piores inimigos, havia uma outra frase sobre hierarquias, que foi a inspiração para a tese geral da pirâmide do fracasso.

Confrontar frases verdadeiras, mas contraditórias, é uma experiência intelectual fascinante. Eu sabia da existência teórica delas, mas nunca havia me dado ao trabalho de encontrá-las. Eis, no entanto, que a disciplina em aprender sobre autoajuda me levou de encontro ao meu primeiro paradoxo.

Eu falarei mais sobre esse paradoxo. Continue lendo os próximos posts. Eles detalharão o desenvolvimento de todos os meus raciocínios que decorreram deste curioso achado.

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