sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Desconfiança II

Em geral, a humanidade se divide entre aqueles que são crédulos e entre aqueles que são desconfiados. Não sei dizer porque algumas pessoas são mais ariscas, mais temerosas que outras, mas essa divisão é um fato da realidade.

Sempre que ocorre um evento qualquer que possua algum significado que não é obviamente negativo ou positivo, surgem discussões entre as pessoas. Isso aconteceu por quê, por culpa ou causa de quê ou quem?

Os "ingênuos" ou "crédulos" dirão que foi por causas não intencionais, e não gerará resultados negativos. Já os desconfiados dirão que houve alguma má intenção por parte de alguém desconhecido, mas poderoso, e que a coisa redundará em algum malefício ainda desconhecido no presente, mas certamente arquitetado com bastante cuidado e antecedência.

Isso não é o mesmo que dizer que os homens se dividem entre os otimistas e pessimistas, embora haja uma forte tendência de que ingênuos e crédulos sejam otimistas e que desconfiados e ariscos sejam pessimistas, mas essa tendência não estabelece uma relação que seja facilmente explicada. Quer dizer: nem todo otimista é ingênuo e nem todo pessimista é desconfiado.

Ser desconfiado, assim como ser pessimista, torna a vida de quem assim o é um pouco mais negra, mas, por outro lado, vive-se mais seguramente, corre-se menos riscos, evita-se mais os problemas que podem ser evitados.

Nasce-se desconfiado?

Creio que não. Pelo contrário. Nasce-se ingênuo, e aprende-se a ver ameaças onde elas não são facilmente vistas. Porque, de fato, há ameaças e riscos ocultos, não óbvios, traiçoeiros, e nem por isso, fruto de mentes malignas ou grupos maquiavélicos. Costuma-se chamar de teoria da conspiração a qualquer tentativa de explicação para um dado fenômeno, social ou não, que gere algum resultado ruim presente ou futuro. Teorizar que alguém conspira, ou que há uma conspiração por trás de um evento ruim é da natureza humana, mas é mais especificamente daquela parte da natureza humana formada por desconfiados e ariscos. Dificilmente um ingênuo ou inocente julgará que um evento ruim foi fruto de intenções humanas arquitetadas com alguma antecedência e cuidado. Atribuir culpa a eventos ruins a teorias de conspiração é coisa de desconfiados.

Bem, eu disse que acho que nasce-se ingênuo, mas aprende-se a ser desconfiado. Então, por que não somos todos desconfiados? E mais, por que, dado que fomos ensinados a ser desconfiados, não acabamos a vida desconfiando de tudo e todos? Mas, quem disse que não é assim que a vida termina, para os que aprenderam a desconfiar?

Há um dito de que "só os paranoicos sobrevivem".

Vamos conhecer esse dito com mais calma. Dizem que é um lema da Apple. Se é, não sei, mas nem por isso a frase deixa de ser interessante. Acredito que não foi alguém da Apple que cunhou a frase original, mas se ela foi adotada de fato pela Apple, isso denota o grau de maturidade com que as pessoas de lá encaram os eventos ruins que lhes ocorrem.

De fato, se nascemos ingênuos, e a ingenuidade é uma fraqueza em um mundo perigoso, somos tentados, sem base em estatística alguma, é verdade, mas escorados em senso comum e tempo de vida, a dizer que há uma chance maior de sobrevida dos paranoicos e desconfiados do que dos ingênuos e dos inocentes.

Coisas ruins nem sempre são causadas por teorias de conspiração. Mas ainda assim, elas existem. Mas, ainda que se ache que teorizar sobre conspirações seja superestimar a inteligência humana num mundo repleto de seres estúpidos e ignorantes, resta dizer que a desconfiança não se presta apenas a nos prevenir contra teorias de conspiração, mas contra eventos ruins em geral, sejam eles de origem humana ou não.

Vejamos: um raio é uma coisa ruim que independe de um ser humano. Um ingênuo diria, no entanto, que raios quase nunca caem duas vezes no mesmo lugar. Um otimista, que os raios caem sim, duas vezes no mesmo lugar, mas não cairá agora, justo quanto ele está no lugar do primeiro raio. O pessimista dirá que o raio certamente cairá novamente no mesmo lugar. E por fim, o paranoico dirá que, na dúvida, é melhor procurar outro lugar, mais seguro, para se abrigar. Logo, em média, paranoicos tendem a sobreviver. Os que não sobrevivem, é porque são antes azarados que pessimistas ou desconfiados, ou ainda ingênuos.

Daí que a frase de Ian Fleming, do post anterior, faz sentido. Ela só faz sentido para um desconfiado paranoico. Não para um ingênuo.

Se alguém me perguntasse em qual categoria me encaixo, eu diria que na dos desconfiados, mas que ainda assim, me esforço para não ver em tudo de ruim um plano maligno. Afinal, sei que coisas ruins acontecem mesmo que ninguém se esforce para que elas aconteçam.

Sou desconfiado desde pequeno, desde meus três anos de idade. Fui ensinado a ser assim por minha mãe. Lembro-me perfeitamente do momento em que me foi passada a primeira lição de desconfiança.

Sou muito grato a minha mãe por esses valiosos ensinamentos.

É só com o tempo que passamos a entender porque certas coisas precisaram ser do jeito que foram. O processo de aprendizado é assim. Só depois de muito tempo depois do trabalho de aprender é que entendemos a razão do esforço e o ganho que obtemos com ele.

Se você não é desconfiado, deveria questionar-se sobre o porquê de não ser.

Se for, seria capaz de lembrar-se de sua primeira lição de ceticismo e paranoia?

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