Lembro-me como se fosse hoje: morávamos num pequeno vilarejo, em uma casinha simples. As ruas ainda não eram asfaltadas e o ano era 1973. Sei disso porque nesse ano meu avô paterno morreu.
Mas, nesse dia, meu avô ainda estava vivo.
Ele tinha 79 anos, tinha os cabelos brancos e um bigodinho fino. Gostava de passarinhos e morava conosco, quer dizer, com meus pais e nós, três filhos pequenos. Ou seria o contrário: nos é que morávamos com ele? Não sei. Famílias pobres costumam dividir suas casas até que possam melhorar de vida e terem seus próprios espaços.
Não importa.
Meu avô tinha o hábito de tomar uma dose diária de aguardente, pinga, todo santo dia, antes do seu almoço.
Ele e todas as pessoas que possuem esse hábito alegam que um aperitivo desses ajuda a abrir o apetite.
Meu avô no entanto não dispunha de pinga em casa. Poderia ter uma garrafa em casa e se poupar de ter de comprar na rua uma dose de aguardente todos os dias, mas não tinha.
Escrevendo agora, me ocorre que certamente temia que meu pai, na época um jovem com seus 28 anos, também viesse a beber. Meu pai era já um grande bebedor, mas creio que não um alcoólatra ainda. Creio que por isso meu avô preferisse comprar sua dose todos os dias no comércio do vilarejo mais para evitar um problema maior com meu pai, posso deduzir agora.
O bar mais próximo ficava a dois quarteirões de casa.
Eu era pequeno. Tinha meus três anos de idade. Nasci em 1970. Sei que era pequeno demais para sair fazendo compras pelas ruas, mas nós vivíamos em um vilarejo tão pacato e seguro que certamente não viram problema em me mandarem comprar uma dose de aguardente para meu avô em um dia desses qualquer.
Hoje seria um crime, mas não na época. Uma criança de três anos de idade ir sozinha pelas ruas até um bar e ainda por cima sair dele com um copo cheio de aguardente hoje representa um absurdo múltiplo, inadmissível em todos os aspectos, mas foi exatamente isso que ocorreu em 1973.
Meu avô pediu que eu abrisse a mão direita, perguntou se eu sabia o caminho do bar. Eu confirmei, porque sabia onde ficava o bar. Afinal, era bem perto. Então ele enfiou em minha mão uma ou duas notas de dinheiro todo amarrotado, e pediu que eu segurasse firme e não o soltasse de maneira alguma, e que o desse ao dono do bar em troca do copo de aguardente.
Eu tomei do dinheiro, apertei-o firme na mão, tomei o copo vazio e fui sozinho até o bar.
Entreguei o dinheiro e recebi o copo com a dose habitual, meio copo de aguardente. Retornei para casa com o líquido intacto.
Concluí assim minha primeira transação financeira na vida.
Alguém coloca em nossas mãos um pedaço de papel amarrotado e diz que aquilo vale alguma outra coisa. Não podemos perder esse pedaço de papel porque sem ele não podemos trocá-lo por essa outra coisa. Levamos um pedaço de papel que alguém aceita em troca de um pouco de um líquido que parece água, mas não é água.
Curiosamente, a partir dessa primeira experiência, não precisaram mais me dizer que dinheiro era um pedaço de papel que não podia ser perdido, e que ele podia ser trocado por outras coisas.
Veja: mesmo uma criança pode depreender de uma simples experiência que dinheiro é algo de valor.
Por fim, ao longo do tempo, não me recordo quando, passei a saber que dinheiro também pode ter a forma de moedas, pedacinhos de metal que não são parecidos com papel, mas que servem para se trocar por coisas do mesmo jeito.
Eu não sabia contar, nem ler o valor dos números nas notas e nas moedas, mas é certo que quando comecei a ser alfabetizado, aos seis anos, eu já sabia muito bem como cuidar de meu dinheirinho.
Meu dinheirinho?
Calma.
Tudo veio bem depois.
O que veio primeiro foi uma nota amarrotada enfiada em minhas mãos sob a ordem de não ser jogada fora.
Eis a primeira lição, inesquecível.
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