A cada dia primeiro de cada ano nós, crianças, éramos instados por nossos pais e demais adultos próximos a sair pela vizinhança, batendo nas portas, de casa em casa, desejando "bom princípio de ano novo" a seus moradores.
Formávamos grupinhos e éramos recebidos pelos donos das casas, que nos ofereciam alguma guloseima, alguma comida da ceia de ano novo, e por fim, davam-nos algum dinheiro.
Cantávamos uma musiquinha medonha, mal-educada, que não vou reproduzir aqui por educação, mas que era bastante engraçada, apesar de inadequada para crianças.
O bom princípio era uma forma de troca. Crianças ofertavam aos adultos os votos de esperança por um ano novo bom, ao menos em seu princípio, e esperavam receber em troca alguma recompensa, preferencialmente dinheiro.
Mas, o dinheiro é um bem escasso e por isso tínhamos de acordar as pessoas bem cedo, porque muitas crianças iriam bater naquela mesma casa e em um determinado momento do dia, o dono diria que sentia-se muito agradecido pela lisonja da criança, mas que não tinha mais dinheiro a dar, porque já tinha doado tudo que tinha para crianças que o visitaram mais cedo, pedindo igualmente dinheiro. O adulto lamentaria, mas colocaria a culpa na própria criança, que não foi precavida e previdente o suficiente para ter acordado cedo e tomado a dianteira na concorrência com outros garotos. Essa era a mecânica do jogo.
Assim, ano após ano, íamos, nós, crianças, adquirindo mais e mais experiência na arte de pedir dinheiro aos adultos no começo de cada ano, de forma que ficávamos ansiosos por contabilizar nossos ganhos, e fazíamos nossos planos de como gastá-los. Evidentemente, alguns ganhavam mais que outros. Alguém que tivesse, por exemplo, um padrinho ou parente bem de situação, poderia receber um "bom princípio" mais generoso que outros. Ainda, quem fosse mais ambicioso e experiente poderia acordar bem cedo, visitar mais casas e contatar mais pessoas adultas conhecidas que outros mais preguiçosos. Era uma aventura financeira.
Eu sabia que era a forma mais importante de ganhar dinheiro que eu conhecia, porque meus pais eram pobres e não havia algo como uma mesada ou um cofrinho onde eu pudesse receber deles algum dinheiro regularmente para guardar ou gastar como bem entendesse. Ou eu aproveitava o início do ano, ou não teria dinheiro algum por um longo tempo.
Isso ocorreu em um intervalo de minha vida que começou quando eu tinha por volta de uns quatro anos e foi até uns doze anos. A tradição dizia tacitamente que os adultos só deveriam dar dinheiro para crianças pequenas, que ainda não trabalhassem ou não pudessem trabalhar. Alguém com treze ou quatorze anos já deveria parar de receber essas pequenas recompensas, porque deveria já estar pensando em conseguir dinheiro trabalhando e não mais pedindo. Já os mais novos eram em geral mais bem presenteados. A ideia entre os adultos era mais o uso pedagógico do dinheiro com forma de estímulo à amizade e ao bom relacionamento como forma de se obter vantagens financeiras, assim como um meio de se aprender a guardar algo precioso e escasso. Estimulava também a criança a se esforçar em um processo de concorrência bastante desafiador, exigindo dela um trabalho de planejamento pouco comum na rotina do dia-a-dia.
Não sei se essa tradição perdura até hoje em dia, mas em minha época, foi algo que considero importante.
Juntei dinheiro ao longo do tempo.
O dinheirinho que ganhava nessa época eu costumava guardar em um pacote de notas enroladas em elástico, que guardava no bolso interno do paletó de meu finado avô, que ficava dependurado no guarda-roupas do quarto de meus pais, onde meus irmãos não tinham acesso, e era vigiado pela minha mãe, que aprovava minha prática de economia, e cuidava para que meus irmãos menos disciplinados não me roubassem.
Mas foi em vão.
Um dia, o pacote de dinheiro sumiu. Ninguém assumiu a culpa, chorei bastante e fui consolado pela minha mãe, mas o estrago estava parcialmente feito.
Lição importante aprendida nesse processo: mesmo o dinheiro bem guardado pode ser roubado, ainda que sejamos dignos dele, porque sempre haverá alguém que se sentirá no direito de achar que precisa mais do nosso dinheiro que nós mesmos, porque, afinal, se estamos economizando e guardando, é porque não estamos precisando dele, e portanto, esse alguém merece mais nosso dinheiro que nós mesmos. E então somos roubados, embora que o ladrão ache que esteja apenas equilibrando uma equação que precisa de ajustes, e por isso, não se sinta um ladrão, mas na verdade um grande justiceiro.
O roubo fez e faz o mundo girar.
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