sexta-feira, 27 de março de 2015

O primeiro contato

O mundo do dinheiro é estranho porque não é um mundo natural, como o mundo das coisas que sempre existiram. Quer dizer, o dinheiro é uma criação humana, e tem uma longa história entre seu surgimento embrionário e seu atual status no mundo moderno.

Assim, uma pessoa qualquer não aprende sobre ele de modo que ele seja uma coisa natural no sentido de que todos os seres humanos normais em geral aprendem.

Deixe-me ser mais claro.

A linguagem humana é algo complexo, é uma criação humana também, afinal os animais não falam, e é socialmente aprendida, variando de cultura para cultura, mas nem por isso deixa de ser quase que automaticamente aprendida pela maioria dos seres humanos, porque é essencial à espécie e sua sobrevivência. 

O dinheiro hoje é talvez tão importante quanto a linguagem. É complexo, é uma criação humana, afinal os animais não usam dinheiro para nada, ele varia de cultura para cultura, porque ainda não temos uma moeda universal, mas as pessoas não aprendem sobre ele da maneira que aprendem a falar. E ainda que os pais tentassem ensinar o que sabem sobre dinheiro a seus filhos enquanto eles ainda são muito pequenos, provavelmente seria uma tarefa inútil, porque a humanidade ainda não sabe como lidar com sua criação, nem sabe como ele funciona realmente, por mais que o tenha estudado e usado.

Essa afirmação é audaciosa.

Como posso afirmar que não podemos ensinar sobre dinheiro porque não sabemos muito sobre dinheiro?

Essa afirmação é fundamentada na evidência ampla de que a pobreza persiste em quase todas as partes do mundo, a despeito de enormes esforços bem intencionados que são feitos no sentido de erradicá-la.

Não falarei muito sobre a pobreza agora, mas falarei mais sobre ela no futuro.

O que quero dizer é que sabemos pouco sobre o dinheiro, ainda que possamos ter contato com ele desde a mais tenra infância.

De fato, o dinheiro está diretamente relacionado com nossa infância, quando não com nossa existência como um todo, dado que em geral são as condições financeiras dos pais que definem a possibilidade de se ter filhos ou não.

Eu, de minha parte, confesso não saber tudo o que gostaria de saber a respeito do assunto, embora tenha me empenhado.

Confesso ainda que fui muito mal orientado a esse respeito em minha infância e adolescência.

Mas, curiosamente, tive contato com o dinheiro bem cedo. Consigo recordar-me de experiências que tive envolvendo ao menos a manipulação de notas e moedas, embora, é certo, não soubesse muito bem o que significavam, nem por que tinham a importância que os adultos davam a elas e nem como surgiam e desapareciam sem deixar rastros.

Acho que qualquer um é capaz de fazer um esforço de memória na busca de recobrar, se não a primeira vez, pelo menos algumas das primeiras experiências que teve com o dinheiro em sua própria infância.

Você ganhou um cofrinho em forma de porquinho? Teve algum desejo recusado sob a alegação de que "não temos dinheiro para isso"? Ganhou algumas moedas no aniversário de quatro anos? Rasgou uma nota da carteira do papai e levou uma bronca sem saber porquê, até que lhe explicaram que aquele pedaço de papel colorido não era um pedaço de papel qualquer, como uma capa de revista ou uma revistinha de desenho?

Esses primeiros contatos foram reais, tiveram o dinheiro como ponto em comum, mas eles vieram revestidos de muito poucas explicações.

Ao longo do tempo, passei a associar dinheiro a restrições, e depois a trabalho, e por fim a miséria e humilhações, mas então estou me adiantando demais. 

Eu preciso falar das primeiras experiências antes.

Elas foram experiências pedagógicas, ainda que, sob certo ponto de vista, possamos ter sido ensinados de maneira errada e termos aprendido mais falsidades que propriamente verdades.

Podemos falar em uma pedagogia do dinheiro?

Podemos. E falaremos sobre ela.

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