Há acasos que chamam a atenção por não parecerem acasos, mas coincidências significativas. Por esses dias, uma dessas coincidências me ocorreu. E ela me parece significativa.
De um lado, eu e minhas ruminações. De outro, João Ubaldo Ribeiro. A intersecção: a descrença na humanidade.
Mas como se deu essa intersecção? Depois: qual a significância dela? Por fim: quais as consequências?
Sou uma pessoa que gosta de ler e escrever. Por isso, sempre que posso, acompanho a cena literária nacional, internacional, enfim, gosto de literatura. Tanto gosto que em 2010 estive em Paraty para participar da Flip, a Feira Literária de Paraty. No entanto neste ano não fui. Não deu: compromissos, tarefas importantes, mudança de vida, outras preocupações. Mas poderia ter ido. Não me pareceu, entretanto, tão interessantes os nomes dos convidados. Mentira: nem tive tempo de ver os nomes. Ignorância minha: quase não leio nada de literatura moderna. Não dá tempo. Resumo: não fui.
Mas as notícias eu li. E uma delas me chamou a atenção. João Ubaldo Ribeiro, que eu já sabia que era e é um grande escritor brasileiro, Imortal da Academia Brasileira de Letras, mas cujos livros não possuo nenhum e nem nunca os li. João Ubaldo Ribeiro já teve supostos textos seus amplamente divulgados na Internet. Quem não recebeu um e-mail com o texto "Precisa-se de mão de obra para se construir um país", com aquelas poderosas afirmações, de que somos um povo espertalhão e que por aqui a coisa não tem jeito?
Até então eu não sabia que o texto "Precisa-se..." não era dele. Li o texto a uns dez anos atrás, mas achei-o bastante duro e honesto.
E então, as notícias da Flip vieram corroborar essa minha impressão sobre João Ubaldo, de que, apesar de nada saber a respeito de sua literatura, o tinha por uma pessoa, um cidadão bastante sensato e corajoso diante de suas afirmações. Após taxar o povo brasileiro de espertalhão e malandro, ele vinha agora com esta: o pessimismo diante da humanidade.
Isso era muito peito, muita coragem, muita honestidade.
Mas não fui além desta simples leitura, desta simples afirmação divulgada por todos os jornais e revistas país afora.
Ora, uma frase retirada de seu contexto pode significar algo bem diferente daquilo que realmente significa dentro do contexto. Por isso, para não tomar João Ubaldo como um cara corajoso com base apenas em um texto curto e uma frase de impacto, resolvi pesquisar um pouco mais.
Descobri via Google que o texto "Precisa-se de mão de obra..." não é dele, segundo ele mesmo confirmou em uma ocasião qualquer algum tempo atrás. Se o texto não é dele, tudo bem. O texto em si não é o problema. O problema é um intelectual, uma personalidade nacional afirmar aquilo que ninguém quer dizer, mas que no fundo todos sabem. Não é o tema da malandragem do brasileiro que está em questão aqui, mas a coragem de dizê-la e criticá-la.
Sim, porque criticar políticos é fácil. Difícil é chamar a dona-de-casa de malandra. Isso requer honestidade e coragem.
Mas João Ubaldo não fez isso.
Então, restou a frase sobre o pessimismo quanto à humanidade. Pessimismo em que contexto?
Não achei o vídeo com as gravações de sua fala na Flip, mas achei a transcrição. De fato, ele foi corajoso. Era mesmo uma frase dura de se dizer, mas ele disse e levou o crédito por isso.
Mas ele não é nem o primeiro, nem o mais famoso, nem o último dos pessimistas. Então, porque essa sua declaração foi tão importante?
Ela foi importante porque não é isso que se espera de um brasileiro, ainda mais agora, com o fervor econômico. Mas, ainda mais, ela foi importante porque neste mesmo dia, eu cheguei a uma conclusão dolorosamente parecida, por outros caminhos e por outros motivos.
Eu e João Ubaldo Ribeiro temos algum poder sobre os destinos do mundo? Ele talvez, eu certamente não.
Então, o que importa se eu sou pessimista ou não com relação à humanidade?
E depois, o que isso interessa ao resto do mundo?
Ah, a hipocrisia! Ah, a famosa e maldita dissonância cognitiva!
Eu preciso falar mais sobre isso tudo...
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