quinta-feira, 21 de julho de 2011

Reciclagem e o poder da ignorância

Na minha agenda ecológica eu listei meu segundo item por meio do qual eu poderia contribuir para um mundo melhor, para um mundo ecologicamente mais tolerável. Meu item 2 diz somente: agenda com papel reciclável. O que eu quis dizer com isso?

Minha agenda ecológica, por mais paradoxal que pareça, não é de papel reciclado. Então, essa foi minha primeira ideia. Eu deveria pensar nas árvores, na natureza, na qualidade do ar. Pensei que minhas próximas agendas, cadernos, deveriam ser de papel reciclado. Assim, eu iria poupando o mundo da destruição.

Isso faz sentido? Faz. Se eu passar o resto de minha vida usando papéis feitos de outros papéis reciclados, eu pouparei muitas árvores, que se manterão vivas oxigenando o planeta.

Mas, por que reciclar somente o papel? Por que não reciclar tudo o mais que eu sou capaz de consumir, e que seja possível de ser reciclado?

Reciclagem é uma grande ideia. Ela é uma grande ideia porque ela refere-se a um processo natural que já está sendo executado pela natureza a bilhões de anos. Na natureza, a reciclagem corresponde ao chavão de Lavoisier, de que nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.

Mas olhe! Preste atenção!

Quem foi Lavoisier?

Ele, vide Wikipédia, é considerado o pai da química moderna. Foi ele quem cunhou o chavão do "nada se cria...". No entanto, somente o fez depois de muito estudo. Ora, muitos chavões são cunhados por incontáveis pessoas, com ou sem muito estudo. Então, qual o mérito de Lavoisier?

É que o chavão estava correto. Hoje, com mais de duzentos anos de pesquisas em química e física e outras ciências da natureza, sua afirmação perdura como uma verdade inquestionável. Então, o que podemos dizer de Lavoisier? Que era uma pessoa de sorte? Que era um gênio?

Pois bem, veja o que diz a Wikipédia:

Joseph-Louis de Lagrange, um importante matemático, contemporâneo de Lavoisier disse: "Não bastará um século para produzir uma cabeça igual à que se fez cair num segundo".


Lagrange foi e ainda é considerado um gênio. Então temos um gênio falando de outro.

Mas olhe melhor. Lagrange afirma que Lavoisier foi um gênio daqueles que surgem uma vez a cada século ou mais. A humanidade tem de esperar séculos para obter uma cabeça que pode se fazer cair em um único segundo.

Por que Lagrange disse isso?

Porque de fato a cabeça de Lavoisier caiu em um segundo, guilhotinada na Revolução Francesa. Vejamos o que diz a Wikipedia:

Ele (Lavoisier) viveu na época em que começava a Revolução Francesa, quando o terceiro estado (camponeses, burgueses e comerciantes) ficaria com o poder da França.
Foi morto pela mesma, pois era muito mal visto pela população, que pensava que, por ser de uma família nobre, Lavoisier, também, participava do corrupto sistema cheio de impostos sobre a sociedade.
Foi guilhotinado após um julgamento sumário em 8 de Maio de 1794.


Então, Lagrange estava certo. Basta um segundo de ignorância para se por a perder o trabalho de séculos da natureza e décadas de esforço humano incansável e genial.

Eu estou condenando a Revolução Francesa? Não.

Mas estou fazendo uma ligação entre este texto e o anterior, em que cito a descrença na humanidade, citada por João Ubaldo Ribeiro.

"O cão morde a mão que o alimenta", diz o ditado. Como é possível alimentar esperanças em uma humanidade que guilhotina suas melhores cabeças?

Se é assim, ter esperança na humanidade é um exercício de fé.

Mas olhe mais um pouco! Esse ditado, "o cão morde a mão que o alimenta", eu o sei um ditado popular, mas de onde? De que boca foi proferido? De qual cultura emergiu? Não sei, mas fui no Google.

Tente você também. É uma tarefa ingrata. Mas, se for esperto, lerá outro, tão instrutivo quanto este. Lerá, em tom de comédia, que "o mais nobre dos cachorros é o cachorro-quente: alimenta a mão que o morde".

Parece piada, mas não é.

Então, não temamos o colapso do planeta por falta de papel. Sempre poderemos recorrer à reciclagem, esse mecanismo astuto que permite que usemos algo ad infinitum. E não se preocupe, porque Lavoisier nos ensinou que nada se perde. Você pode querer mais e mais com seu impulso consumista, porque por mais que queira, não será capaz de consumir tudo que lhe é oferecido, porque o universo é maior que a sua gula. Veja! Há mais estrelas no céu que grãos de areia na terra! Farte-se, porque podemos reciclar!

E não morda a mão que te alimenta: louve sempre Lavoisier, nosso gênio que, mais nobremente que um simples cachorro-quente, nos alimentou com sua sabedoria, ainda que tenha tido que pagar com sua cabeça e sua vida pela oportunidade de servir à turba ignara.

O poder da ignorância me assusta, mas mais uma vez talvez Lavoisier seja a resposta: um dia, quem sabe, no decorrer dos próximos séculos, porque gênios são coisas raras e demoradas, haverá um gênio que estudará a natureza da ignorância e será capaz de reciclar mentes humanas. E então, tornaremos ignorantes em nobres, e alguma luz brilhará para a humanidade nos milênios vindouros.

Por enquanto, defenda-se!

Cuidado com a guilhotina! Ela é muito mais perigosa e iminente que a falta de oxigênio e árvores para nossas queridas agendas.

Cuidado com o poder da ignorância.

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