quinta-feira, 24 de maio de 2012

A Pedagogia do Choque

Há uma frase popular que diz:

"Quando o aluno está pronto, o mestre aparece"

Uns dizem que é uma frase budista, outros, que vem da cabala judaica. Não sei ao certo de onde vem, mas parece uma frase carregada de sabedoria. Eu a descobri não faz muito tempo. Achei-a impressionante. Comigo ela aparentemente funcionava.

No entanto, sou uma pessoa curiosa. Como disse aqui, a curiosidade é uma característica que precisa ser cultivada.

Mas, e quando o aluno não está pronto? 

E se ele nunca vier a estar pronto?

O que significa um aluno estar pronto?

Se o mestre só aparece depois que o aluno está pronto, quem deixa o aluno pronto?

Como alguém pode ser um aluno sem contar com a presença de um mestre?

E, de que adianta um mestre depois que o aluno já está pronto?

Ensinar o quê a alguém que já está pronto?

A frase parece óbvia, mas não é.

Um ser humano só dispõe de uma maneira de aprender sem a presença dos mestres: é através do doloroso método da tentativa e erro. As pessoas podem aprender sozinhas, mas é um aprendizado muito mais custoso e perigoso, muito mais lento e errático. É, definitivamente, o pior meio de se aprender algo nesta vida.

Mas aprender sozinho pela tentativa e erro pressupõe necessariamente alguma curiosidade?

Não. Não necessariamente. As pessoas são levadas a aprender sozinhas muito mais pela necessidade que pela curiosidade. Aliás, é somente pela necessidade que a maioria das coisas são aprendidas. 

Mas, por maior que seja a necessidade, aprender sem mestres é difícil, e quem passa pelo processo não vê romantismo algum, não vê beleza alguma, não sente prazer algum, exceto ao ver-se livre da experiência o mais rápido possível.

É exatamente porque há alunos que nascem sem estarem prontos que os mestres passam a ser necessários. Mas, qual ser humano que já nasce pronto?

Olhe este vídeo novamente. Se já o viu, imagine o que aconteceria se o pequeno aluno tivesse de aprender por ele mesmo, por tentativa e erro, que não se deve enfiar o dedinho no buraquinho da tomada?

Os mestres são necessários, e os verdadeiros mestres são aqueles que não esperam alunos prontos. 

Os nossos primeiros mestres em geral são nossos pais, embora que nem sempre, mas não se resumem a eles. 

As pessoas nunca deveriam parar de aprender, já que é virtualmente impossível se livrar das necessidades da vida.

Então, não é que as pessoas param de aprender. É que elas aprendem a conviver com as necessidades.

Porque lhes faltam mestres. Porque aprendem por tentativa e erro, e sequer sabem que erram. 

Crie seu filho com os lobos, e ele uivará.

Mas, se o dedo na tomada não é a melhor forma de aprender, como arrumar tantos mestres para tantos necessitados alunos?

Eu disse que a frase acima funcionava para mim. É que sou de uma geração já passada, e muito do que aprendi não foi por tentativa e erro, mas ensinado por outras pessoas. Tive meus mestres, que me ensinaram a pescar. Sou de uma época em que recebi a linha e o anzol, e não o peixe pronto. Busco por mim mesmo a resposta para minhas novas questões. Minhas duvidas, frutos de minha curiosidade, são respondidas por novos e diferentes mestres, e, sim, quando me sinto um aluno pronto a perguntar sobre aquilo que quero aprender, então, sim, um novo mestre aparece, pronto a me ensinar sobre o que eu não sei. Em geral, meus mestres aparecem em forma de livros.

Mas, por que tantas perguntas? É que um bom mestre sempre ensina seu aluno a não parar de perguntar, num questionamento sem fim movido pela curiosidade, e não somente pela necessidade. Aprender com mestres não é doloroso e traumático, e quem começa, não para. Aprender por curiosidade dá prazer.

É este questionamento sem fim que erradica doenças, leva o homem ao espaço e põe i-phones em nossas mãos. 

E o que dizer daqueles que, tendo recebido o peixe pronto, passam fome por não saber pescar por si mesmos? Esses são os ignorantes.

Mas, dirão muitos, os ignorantes, que não se interessam mais em aprender, porque já acostumaram-se a sobreviver com o incômodo de suas necessidades não resolvidas, não são felizes mesmo sendo ignorantes? Talvez o sejam. 

Mas triste será o dia em que seremos medidos pelo quão felizes somos, e que à custa de se conseguir a felicidade, se sacrifique tudo, exceto o lazer fácil. Será um dia triste, porque será a celebração da injustiça. Porque a vida não é só felicidade. E a minha felicidade só será possível às custas do sofrimento alheio. Afinal, alguém precisa pescar, para que eu possa ter o meu peixe pronto, e ser feliz. Será que o pescador é feliz?

Mas talvez a felicidade não seja o melhor instrumento para medir o quão humanos somos.

Se for, talvez os animais estejam em melhor situação que a nossa, porque nunca os vemos tristes, exceto quando os maltratamos.

Mas, afinal, o que temos contra a ignorância? Não são também os animais ignorantes? E mesmo assim, não gostamos deles?

Não que a ignorância nos faça como os animais. É que ela nos faz humanos incompletos. E por que ser incompleto e contentar-se com isso? Não que a busca de fugir da ignorância nos fará completos, porque ser humano é ser necessariamente incompleto, mas há diferentes graus de incompletude, e o mérito em se buscar o saber não está em uma suposta perfeição no final do túnel, mas no esforço dedicado de aprender sempre que possível e não se contentar com o pouco de luz quando se pode sair do túnel e ver o Sol.

A pedagogia do choque forma maus alunos e o mestre que espera o discípulo que nunca aprende e portanto nunca está pronto não é na verdade nenhum mestre.

Tenho divagado sobre este assunto mais com o intuito de tentar provar a mim mesmo que meu silêncio é confortador, mas criminoso, porque é egoísta, e perpetua uma injustiça.

Aquele bordão de "tudo que sei é que nada sei" é louvável em sua modéstia, mas a modéstia não pode servir de desculpa para que eu contemple o crime da escravidão passivamente. 

Foi-se o tempo em que os grilhões que prendiam multidões eram forjados a ferro e fogo. A escravidão não foi extinta. Ela simplesmente evoluiu e se tornou transparente. Hoje, ela é invisível aos olhos, mas tão palpável quanto uma rocha.

A forja do ferreiro não é mais necessária no mercado da servidão humana, mas mesmo essa simples verdade é ignorada.

Eu deixaria uma criança colocar o dedinho na tomada simplesmente por modéstia de não me mostrar mais sábio que ela?

Então é hora de parar com a a desculpa da modéstia, do "tudo que sei é que nada sei".

Cabe a todos os que sabem algo sair do letargismo cômodo da espera e compartilhar seu saber ao ignorante, ainda que feliz. Felicidade na ignorância não é felicidade, mas escravidão. E nada mais nobre que ser solidário ao seu semelhante ensinando-o a superar suas adversidades.

Ademais, há um bordão que diz: conhecimento é poder. E há outro que diz: o poder não deixa vácuo. Aqueles que detém o bom conhecimento ao não ensinarem o que sabem aos que não sabem na verdade acabam abstendo-se de exercer o poder que poderiam ter por direito. Não ensinar é abrir mão do poder que o conhecimento legitimamente confere a quem sabe. Mas, não só isso.

O poder não deixa vácuo. Aquele que não ensina, permite que outro ensine em seu lugar.

Se você não aprende a obter o que quer pelo trabalho, alguém irá exercer o poder de lhe ensinar que você obtenha as coisas roubando. Se você não aprende a paciência, alguém lhe ensinará a violência. Se você não aprende a prudência, alguém lhe ensinará o risco suicida. E se você não aprende a usar um computador, alguém o ensinará a usar um revólver. Todo mestre é fascinante, mesmo o mais facínora, que lhe ensina o crime e o mal.

Seja modesto com o seu bom saber, e alguém arrogante de sua vilania irá ocupar o seu lugar no púlpito. Cale-se, e ouvirá alguém bradando que seu silêncio é sua confissão de culpa. Sonegue o que sabe, e alguém ensinará ao ignorante que a miséria do mundo é culpa do seu silêncio sonegador.

Quando você não usa o poder de seu conhecimento ensinando, você acabará aprendendo que o ignorante usará o poder de sua ignorância te violentando. Ou você ensina, ou será vítima dos alunos da pedagogia do choque.

Por favor, não vá confundir o cano de um revólver com uma tomada. 

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