domingo, 22 de agosto de 2004

Memórias e pipocas

Andei dando uma olhada numa ideias velhas que tenho anotadas em minha também velha agenda. Coisas sobre o excesso de conhecimento, sobre algoritmos e sobre teorias axiomáticas e orientação a objetos. Tudo porque não acho uma maneira de ordenar minhas ideias. Sou perfeccionista. Não gosto de correr riscos. Tenho sede de saber. Enfim, acabei tendo um sonho noite passada que, de tão louco, forçou-me a levantar da cama. Assim que percebi que tinha terminado de sonhar, tomei caneta e papel e anotei tudo aquilo que fui capaz de me lembrar: precisava registrar o sonho maluco para não perdê-lo. Era melhor que os melhores filmes. E assim, passei mais tempo escrevendo sobre o sonho que propriamente sonhando, e como escrevia em minha velha agenda, ela finalmente, depois de cinco e meio longos anos, esgotou-se em sua capacidade de registrar coisas. Está completa do início ao fim. Começa com promessas ecológicas e termina com um sonho alucinante. Muito bem.

Mas minhas memórias não estão somente nessa agenda. Dias atrás, senti curiosidade em reler um monte de cartas que tenho guardadas como recordações, cartas escritas por mim e por meus familiares e amigos, cartas que trocamos entre os anos de 1987 e 1995, e que ficaram esquecidas a um canto. Coloquei-as em ordem cronológica e li uma a uma. Que surpresa! Fiquei impressionado com a quantidade de detalhes que havia esquecido, sobre como minha vida era, e certamente ainda é, rica em vivências, mas que relembrada assim, sem muito esforço, parece apagada e de pouco interesse. Não, eu não tive uma vida tão desinteressante assim, percebo agora, graças a essas velhas cartas.

Feliz por meu passado, percebo agora um bom uso para os blogs. Eles agora parecem tediosos e o meu não recebe muitas visitas, mas daqui a dez anos, serei muito feliz revisitando-o, relendo as coisas que eu mesmo terei escrito dez anos atrás e nem me lembrarei mais, e me sentirei grato por tê-lo feito. O fato de receber ou não visitas é mero ganho colateral.

Claro, nem tudo está definitivamente perdido em nossas memórias fracas. Hoje mesmo tive uma prova disso. Sem a ajuda de uma agenda, de um diário, de cartas ou de um blog, fui capaz de me lembrar de algo que me deixou surpreso: estourei um saco de pipocas no micro-ondas e, depois de colocá-las numa bacia plástica, acrescentei sal, como de costume, mas o saleiro estava junto a um vidro de molho de pimenta vermelha. Bingo! Lembrança resgatada. Sim, lembrei-me de que quando era criança e morava no pacato vilarejo de Tujuguaba, no interior do Estado de São Paulo, nós, cidadãos, costumávamos ir aos sábados e domingos até a igreja de Santo Antônio, a única igreja católica do lugar. Uma igrejinha singela ladeada por uma pracinha simpática com bancos agradáveis, onde as crianças brincavam e os adultos passeavam. Bem junto às escadas que davam acesso ao jardim, costumava aparecer um vendedor de pipocas. Era o Pombo, o pipoqueiro, um senhor magro e calmo que morava logo perto da igreja, e aproveitava a oportunidade para ganhar alguns trocados. Ali, nós comíamos nossas pipocas com sal e molho de pimenta, e, recordo agora, como era bom! Mudei-me de Tujuguaba quanto tinha meus 14 anos. Passei vinte anos sem lembrar em pipocas com pimenta, e menos ainda em Pombo. Qual a vantagem nisso? Não sei, mas fiquei feliz em me lembrar de minha infância, em pipocas com pimenta, e isso basta.

Não podemos menosprezar esses pequenos momentos. Somos o que lembramos que somos.


3 comentários:

  1. [SnowFlakes]
    aew Rosenvaldo, tudo beleza meu chapa? Pois é, li esse seu post e curti bastante. Vou te adicionar aos meus favoritos. Quando tiver um tempo, de uma passada no meu BLOG: http://blogdosnow.zip.net , Abração do Snow e tenha um bom dia.

    22/08/2004 08:10

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  2. [Marcela]
    Que surpresa. A primeira vez que te visitei, questionavas a utilidade destes diários e agora parece que a encontrastes. Realmente, é possível resgatar muita coisa e reavivar a memória através de agendas, cartas, blogs, cartões. Eu tenho uma caixinha, onde guardo várias pequenas coisas. Bilhetes, cartas... diversas lembranças. Quando tenho um tempo livre abro a tal caixinha e mergulho nas recordações. Cada lembrancinha, por diminuta que seja, pode lembrar um grande momento e desenterrar histórias esquecidas. O blog é mais um auxílio à minha mémoria. Aprecio muito tudo o que você escreve. Parabéns. Se quiser acessar meu blog, o endereço é: http://celaa.zip.net/. Abraços.

    25/08/2004 04:23

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  3. [Francielli]
    Muito bonitinho teu post. A maior parte da vida é feita de lembranças... Espero voltar no seu blog. Tenha um bom fim de semana. abraços

    26/08/2004 19:55

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