terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

No fundo, no fundo mesmo, um senso de justiça

Este blog surgiu para que eu anotasse minhas coisas, que já estavam anotadas antes em minhas agendas. Mas, então, por que minhas agendas surgiram? 

Ela, a primeira agenda, surgiu com um fim bem específico. A segunda agenda foi mera consequência da primeira. Então, a primeira agenda surgiu da necessidade de anotar coisas que um livro, em particular, exigiu que eu anotasse.

Logo, o blog é decorrência da agenda, que é decorrência do livro.

O livro foi lido em virtude de uma necessidade de resolver um problema muito pessoal. Há muitos livros que tratam de diferentes dificuldades, mas este em particular foi lido para resolver um problema específico. Assim, eu posso dizer que este livro era um livro de auto-ajuda.

Ora, os livros de auto-ajuda estão aí, para tentar ajudar as pessoas. Eu só recorri a este livro de auto-ajuda porque acreditava que livros de auto-ajuda eram eficazes. Logo, não foi o primeiro livro do tipo que li. Mas, livros são livros, certo?

Errado. E só quem lê sabe disto: um romance e um livro de auto-ajuda são muito diferentes. Então, eu recorri ao um livro de auto-ajuda porque gostava de livros em geral? Não, eu o fiz porque, entre muitos livros que li, um deles, em algum momento no tempo, era de auto-ajuda. Não foi o primeiro deles, quer dizer, o primeiro livro que li não foi de auto-ajuda, isto é certo. Foi somente depois de muito ler é que resolvi dar crédito aos livros de auto-ajuda. E não foi o primeiro livro de auto-ajuda que me levou a escrever coisas em minha agenda. Logo, o livro de auto-ajuda que me levou a escrever na agenda decorre do primeiro livro de auto-ajuda que li na vida.

O que este primeiro livro de auto-ajuda fez que despertou meu interesse e minha confiança, a ponto de eu ler mais e mais livros de auto-ajuda ao longo dos anos? Ele fez o que todos os livros de auto-ajuda fazem: ele se propôs a me ajudar a resolver um problema. Assim, somente a existência de um problema poderia justificar meu interesse por um livro de auto-ajuda.

Qual era este problema?

O problema era dinheiro. Na época, este era o problema, era o meio pelo qual meus problemas se manifestavam. Eu não tinha um problema X. Eu tinha falta de dinheiro, que gerava o problema X. Logo, o problema real era a falta de dinheiro.

Mas foi o livro de auto-ajuda que me despertou para o meu problema da falta de dinheiro? Eu não sabia que tinha este problema antes de ler o livro?

Sabia. Claro que sabia.

Eu diagnostiquei a falta de dinheiro como o meu grande problema em um determinado momento. A falta de dinheiro em minha vida até então era um problema crônico, insolúvel. Eu sofria as consequências da falta de dinheiro desde o dia em que nasci, provavelmente. Mas eu não via este problema como um problema até um determinado momento de minha vida.

A falta de dinheiro não foi um problema que foi aparecendo lentamente. Na prática, ele sempre existiu. Somente eu é que não o notava como algo problemático. Viver sem dinheiro era, até então, uma coisa da vida, algo tão natural como se ter um nariz e dois braços, enfim, era algo tão corriqueiro e constante que não era sequer visto como um problema. Era um fato normal da vida.

Mas cresci, e era um adolescente, e tive a oportunidade de sentir na pele as consequências de decisões somente minhas, que tomei por mim mesmo, e que foram erradas, e que me colocaram em muitos maus lençóis. Antes, a falta de dinheiro era questão que pai e mãe tinham de resolver. Mas, de repente, eu tomo uma atitude acertada, obtenho sucesso, e jogo tudo para o ar em uma decisão infantil e imatura digna dos mais imbecis dos adolescentes, e pago o preço pelo meu erro.

O preço que paguei foi, sim, mais falta de dinheiro, mas não só isto. O preço que paguei foi ter minha dignidade ofendida pelo mundo que não está se importando conosco, e que pisa sobre nós como botas pisam sobre baratas, e este pisar é doloroso.

Tive minha dignidade ofendida porque cometi erros. Senti-me ofendido porque o mundo não perdoa nossos erros. E quando o mundo pisa em nós, dói.

Só percebi que cometi um erro quando este pisar doeu. Não foi a falta de dinheiro que doeu. Ela dói, mas ela já era um dor tão familiar em mim que nem me importava com ela. O que doeu foi a diferença com que o mundo o trata quando você tem dinheiro e quando você não o tem.

Mas só sabemos que somos maltratados quando nos comparamos aos outros. Você pode ser maltratado a vida toda sem perceber, até que veja então alguém tão parecido com você sendo tratado de maneira muito melhor sem um motivo aparente.

Assim, a comparação entre o tratamento que recebo do mundo e o tratamento que outras pessoas iguais a mim recebem leva a um sentimento de indignidade. Por que os outros podem e eu não posso? O que eles têm que merecem aquilo que a mim é negado? O que eles têm de melhor, se sei, do fundo de meu íntimo, que não sou inferior a eles em nada?

Comparar-me a meus semelhantes gerou em mim um senso de dignidade. No fundo, era uma situação injusta, e eu não gostei daquela situação. No fundo, no fundo, um senso de justiça sacolejou meu ego e me fez ver que a causa da injustiça percebida se devia ao dinheiro. Você só deixa de ser uma barata apta a ser pisada se tiver algum dinheiro. Se não tiver, corra, senão será pisado. Suas virtudes, habilidades, potencialidades, feitos passados e dignidade não importam. Você, sem dinheiro, seja quem for, será pisado.

Entender esse complexo mundo em que vivemos não foi fácil, e nem sei se o compreendo, mas em determinado momento, compreendi que sem dinheiro, a coisa seria muito ruim, ruim demais para que eu pudesse ficar parado e esperando ser pisado.

Então, o blog é decorrência da agenda, que é decorrência do livro, que é decorrência de nossa necessidade de ajuda, por meio de livros de auto-ajuda, necessidade esta que foi percebida quando constatei que meus problemas se deviam à falta de dinheiro, constatação esta que só foi possível porque tive meu senso interior ofendido pela maneira como fui tratado pelo mundo no momento em que cometi um erro de cálculo e me vi sem nada, a não ser minha cara boba de adolescente imberbe.

Ora, que erro foi este, que me levou a ser pisado pelo mundo?

Foi um erro que decorreu em parte de minha imaturidade, em parte da indiferença de minha família, e em parte do sistema no qual eu vivia na época.

Eu era um adolescente ingênuo, minha família tinha seus próprios problemas, e eram problemas demais para se darem ao luxo de tentarem resolver os meus, e nós vivíamos em um país que passava por uma situação tão ruim que posso dizer que fui enganado e desprezado pelo sistema.

Eu não tinha culpa de ser ingênuo. Eu não tinha culpa pelos problemas de minha família, e eu não tinha culpa pela crise na qual o país se atolava. Eu era fruto de um meio. Era fruto de uma época. Eu sofria as consequências de um momento conturbado do mundo. Sem apoio, sem ninguém para me auxiliar, tomei decisões erradas.

Mas, por que tive de decidir por mim mesmo? Por que tive esta carga, a de tomar decisões sem ter a maturidade para tal, e por que foi permitido que eu tomasse tais decisões? 

Acontece que não temos escolha para certas coisas que acontecem conosco ao longo de nossa existência.

Eu não escolho nascer, mas já que nasci, vivo. Não escolho pais e família. Mas já que os tenho, os amo. E não escolho onde nascer. Mas já que nasci, tenho uma nacionalidade, um país de origem, uma cidade natal, ame-os ou não. São cartas dadas pelo destino. Não temos escolha. Nossa situação no mundo, a partir daí, vai depender de muita coisa sobre as quais não temos controle algum.

Mas, sobre o quê exatamente temos controle, se é que temos controle sobre alguma coisa neste mundo?

Creio que algum controle temos, e tomamos pequenas decisões ainda muito jovens. Tomamos decisões quando ainda somos crianças. Decidimos brincando sobre como será nossas vidas quando nos tornarmos adultos. Esta constatação é de uma seriedade profunda. Ela nos leva a questionar sua própria validade, e nos perguntamos: tomamos decisões de fato quando ainda somos crianças? Se tomamos, elas são decisões nossas ou apenas aparentam serem nossas?

No fundo, no fundo, um senso de justiça me diz que crianças não tomam decisões. Elas são moldadas pela vida em que vivem, pela época em que vivem, pelo lugar onde vivem e pelas pessoas com as quais convivem.

Logo, eu fui moldado. Logo, nós fomos moldados. Logo, por uma questão de justiça, devemos admitir que não somos tão diferentes assim, em se tratando de controle sobre nossas vidas. Você não teve controle sobre boa parte de sua vida, eu não tive controle, e quem acha que teve, engana-se.

Movido por um forte senso de justiça, permito a mim mesmo um desejo, que considero justo, e necessário, de saber quem me moldou, que forças me moldaram, e com quais intenções. Sou o que sou por quê?

Eu não fui moldado por outras crianças.

Movido  por um forte senso de justiça, pergunto: quem me moldou? E para quê?

Acho que as gerações passadas nos devem alguma explicação.

Conflito de gerações: quem diria! Um post que, buscando uma razão para um blog existir, acaba tocando na borda de um tema tão estranho quanto o conflito de gerações. Eis ai os grãos brancos do açúcar virando as nuvens do algodão-doce.

Nenhum comentário:

Postar um comentário