quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Achados, perdidos e roubados

Eu disse aqui que tive minha carteira roubada, desesperei-me socialmente e achei que um serviço de achados e perdidos era uma necessidade social.

O que tem uma coisa a ver com a outra?

Você é assaltado, alguém enfia a mão em sua bolsa e rouba sua carteira com dinheiro, documentos e tudo o mais e você faz uma ocorrência policial.

O dinheiro, você deduz, já era. Da polícia, nada se pode esperar. São milhares de roubos iguais ao seu e ela é impotente para coisas de pouca significância em tão grande quantidade. Mas o ladrão poderia ao menos abandonar a carteira com os documentos, que não valem nada para ele, em algum lugar. Está certo, alguns bandidos espertos conseguem ver mais valor nos documentos que no dinheiro, porque em geral, não andamos com muita grana no bolso hoje em dia, e depois, eles não podem sacar nada com cartões de crédito sem senhas. No máximo, podem tentar comprar coisas com o cartão em estabelecimentos onde ainda se usa máquinas manuais, mas essas máquinas manuais estão praticamente extintas hoje em dia. Então, os cartões são inúteis também.

Se o ladrão não tiver a intenção de usar nossos documentos para algum fim maligno, ele poderia jogar a carteira em algum lugar visível e sair livre com o dinheiro.

Acontece que nós não sabemos onde ele jogará nossa carteira. Eles, os ladrões, não podem andar por aí com carteiras roubadas, porque policiais são pessoas treinadas e sabem identificar um bandido em meio a uma multidão de gente comum. Bandidos sabem que são alvos fáceis para a polícia. Então, nada de andar por aí com as provas de seus crimes no bolso da calça. A coisa deve se resumir a roubar a carteira, tirar o dinheiro e jogar o resto em algum lugar qualquer.

Acontece que, uma vez jogada em um lugar qualquer, esta carteira será achada por alguém que não fazemos ideia de quem seja, e que não fará ideia alguma de quem somos.

O que fazer se encontramos uma carteira jogada no chão, por exemplo?

Eu, particularmente falando, abriria a carteira, localizaria o nome de seu dono por meio de um documento e faria de tudo, inclusive avisando as delegacias de polícia da cidade, de que encontrei uma carteira e que a pessoa poderá retirá-la comigo em algum lugar previamente combinado. Obviamente, se a carteira estiver com dinheiro, eu não tocarei nele. A pessoa pode ter de fato perdido a carteira, e não tê-la roubada. É fácil saber se achamos uma carteira perdida ou roubada: a carteira perdida está intacta e provavelmente com dinheiro, e a roubada está certamente sem dinheiro, e provavelmente toda revirada.

Então, eu devolverei a carteira ao dono em um lugar seguro, em uma delegacia ou em um shopping. Pedirei uma prova de que a pessoa é a mesma que consta em algum documento da carteira, para ter certeza de que não estou entregando a carteira para um impostor qualquer, e pronto. Nada de gorjetas, nem retribuições, nem nada. Simplesmente estarei cumprindo com meu dever de cidadão.

Mas não é assim que as coisas funcionam no Brasil. Aqui, se a carteira for realmente perdida, e não roubada, provavelmente o dinheiro que houver nela será roubado, ou, na melhor das hipóteses, diminuído, ou ainda, quem achar e devolver pedirá algum prêmio, uma contribuição pela mesma. Você então terá de pagar um resgate por algo que é seu, e o suposto bom cidadão que aparentemente está fazendo uma boa ação estará te extorquindo, sem vergonha ou pudor. Você não poderá acusá-lo de nada, porque, em última instância, ele pode dizer que encontrou a carteira já vazia, e você perde tudo, de qualquer forma.

Nós não somos um povo educado para compreender que não devemos ficar com aquilo que não nos pertence, não importa como venhamos a tomar posse deste objeto ou bem. Há por aqui o maldito ditado que diz que "o que é achado não é roubado", que endossa a falta de caráter daqueles que deveriam ser solidários e cumprir um dever social simples e óbvio. Afinal, se achamos as coisas, também as perdemos. E quem nunca perdeu nada? Um guarda-chuva, um casaco, um celular, uma carteira, um cartão de crédito, uma sacola de compras, ou uma mochila escolar?

Certo, isto deveria ser ensinado em casa. Mas isto deveria ser ensinado também nas escolas, e deveria haver campanhas educativas também, porque não são somente as crianças que acham e se apoderam de coisas que não são delas. Os piores casos são sempre produzidos por adultos.

Somos um povo malandro, oportunista e que quer levar vantagem em tudo.

Qualquer hora destas, falo um pouco sobre a Lei de Gerson, que sempre é tida como "a causa" de todo esse mal, mas que é superestimada. O problema não é a Lei de Gerson. O problema é a nossa falta de civilidade e educação. Somos roubados duplamente: pelos bandidos e depois, pela população oportunista, que não sabe agir com o mínimo de decência que se espera de um povo dito civilizado.

Se você achar algo que não é seu, faça um favor a si mesmo: trate de achar o dono o mais rápido possível, e não peça nada em troca. 

Está na hora de pararmos com a humilhante situação de vermos supostos cidadãos "de segunda", andarilhos,  garis e sem tetos achando e devolvendo grandes somas sem pedir nada em troca. Esses casos nos envergonha como povo, e é prova de que podemos ter Ipads nas mãos, mas não temos nada na cabeça.

Achou, devolva.

Devolveu, não aceite nada em troca.

Você não faz mais que sua obrigação de cidadão educado.

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