A trigésima nona pergunta da série que abordo atualmente neste blog relaciona-se com a importância da disciplina.
Já tratei da importância da disciplina como uma virtude necessária, embora não suficiente, para se obter algum tipo de sucesso com a leitura de livros de autoajuda.
Se a disciplina, tão necessária, precisa ser seguida, e se é possível tornar-se uma pessoa disciplinada, então, temos meio caminho andado na busca de resultados que os livros de autoajuda prometem. Sem disciplina, não temos sequer condições de dizer se as recomendações sugeridas pelos livros funcionam ou não.
Admitindo então ser possível uma pessoa tornar-se disciplinada, a questão passa a ser de outra ordem.
Dentro do espírito crítico que tem marcado minha abordagem das questões em estudo relacionadas a autoajuda, olho para a disciplina com um olhar cínico, desconfiado, irônico.
Se por um lado admito que as pessoas não têm o direito de criticar livros de autoajuda tomando como base a mera leitura dos mesmos, sem nenhuma tentativa séria de se colocar em prática ao menos uma pequena parte daquilo que é sugerido pelos autores desses livros, por outro vejo a pessoa que é obstinadamente disciplinada com um certo ar de crítica.
Vejamos melhor este meu ponto de vista.
Vivemos em um mundo difícil, é certo. Temos que trabalhar, estudar, cumprir uma série de rotinas que não gostamos, mas precisamos seguir para que nosso mundo não emperre, não desmorone, não entre em colapso. Não somos tão livres como gostamos de imaginar. A vida moderna nos impõe tantas regras e temos tão pouco controle real sobre nossas ações e nosso tempo que somos quase escravos.
Mas, a rotina que nos escraviza precisa ser combatida. Ela não pode ser eliminada de todo, embora muitos utopistas ingênuos ou maliciosos acreditam que pode. Não vou entrar neste tipo de discussão agora. Apenas quero lembrar que não desejamos que a rotina de obrigações tome conta total de nossa vida. Precisamos de algum equilíbrio. Mas, o que é que equilibra nossa vida, que seja contrário à rotina massacrante?
As pessoas costumam achar que o contrário da ordem é o caos. O contrário da disciplina é liberdade. O contrário da regra é a criatividade. A disciplina é uma camisa de força. A liberdade criativa é a festa que tanto desejamos.
Ao constatar que a disciplina é fundamental para se conseguir algum resultado prático no mundo das realizações humanas, não estou tornando nossa vida mais rígida, e assim, restringindo ainda mais as possibilidades criativas das pessoas, fazendo a vida menos alegre, menos livre, menos surpreendente?
Esta é a pergunta que fiz a mim mesmo, a qual reproduzo logo abaixo:
"A disciplina não é uma camisa de força?"
A resposta a esta pergunta, tal como a maioria das perguntas da série, não é fácil de ser dada em poucas palavras.
Se admitirmos que a maioria das pessoas que compram livros de autoajuda sequer se dão ao trabalho de ler uma pequena parte do livro, somos forçados a admitir que essa grande maioria não é formada de pessoas disciplinadas. Podem ter disciplina para realizar uma série de atividades quaisquer, mas não têm disciplina para o ato da leitura. Logo, as pessoas podem ser disciplinadas na realização de certos atos e indisciplinadas na realização de outros. As pessoas dispõem de liberdade de escolha para elegerem serem disciplinadas quando realizam um dado ato e não outro. Assim, as razões pelas quais uma pessoa decide realizar disciplinadamente o ato A e não o B baseiam-se em geral em questões de gosto, de custo-benefício e de viabilidade. As pessoas costumam fazer coisas que gostam. Elas também preferem coisas fáceis de serem feitas, e por fim, elas esperam alcançam algum ganho depois de se esforçarem por algo. Ninguém gosta de fazer coisas contra a vontade, nem de tarefas difíceis, nem de trabalharem de graça.
Mas, se podemos escolher, então somos livres. Não somos forçados a vestir a camisa de força da disciplina contra nossa própria vontade. Ninguém é obrigado a seguir as instruções de um livro de autoajuda contra a vontade, nem lhe são sugeridas ações fáceis e simples que lhe darão riquezas sem fim. Se algo assim é oferecido, a pessoa que se compromete com este algo o faz livremente. Se seu esforço não redunda em nada, ou é muito difícil, ela pode parar na hora que quiser.
Assim, a camisa de força existe, mas não é obrigatória.
Uma pessoa pode decidir seguir regras difíceis, longas, cansativas e que produzirão resultados incertos. Esta escolha pode se dar por uma série de razões, que a pessoa julga serem capazes de justificar seu esforço. Tarefas difíceis em geral prometem grandes coisas, embora não necessariamente garantidas. Uma pessoa pode achar que vale a pena o risco. A decisão é dela.
Uma pessoa que não gosta de levar a vida cheia de regras e de lutas árduas em troca de metas incertas e difíceis pode olhar para outra pessoa que leva uma vida regrada, cheia de objetivos difíceis e ambiciosos e pensar que a vida desta pessoa disciplinada é uma vida triste, dolorosa, que não apresenta nenhuma razão para ser vivida. Pessoas indisciplinadas detestam pessoas disciplinadas. Não é necessariamente uma questão de inveja. Por vezes, o disciplinado batalha em vão. O que o indisciplinado detesta no disciplinado é a ambição. Para a primeira, a ambição da segunda é como vender a alma ao diabo. A ganância do ambicioso faz deste uma pessoa seca, infeliz, e por maior que seja o prêmio oferecido, e ainda que ele o alcance, para o indisciplinado, não vale a pena, e o ganhador do prêmio é apenas um imbecil iludido e enganado.
Uma vida disciplinada tem seus prêmios, mas pode ser uma vida estéril. Nossa cultura moderna prega o contrário. Disciplinados são vistos como pessoas imbecis, que não vivem uma vida verdadeira. São engolidos pelo "Sistema".
Quando eu faço a pergunta a mim mesmo, eu procuro saber se em meu íntimo eu não estaria abrindo mão de uma vida feliz, embora economicamente menos promissora, em troca de uma vida financeiramente mais rica, mas pobre em todos os demais aspectos.
Acho que não vivi o suficiente para ter uma resposta dada por mim mesmo e que satisfaça a minha curiosidade.
Talvez nunca a tenha. Talvez eu a tenha em meu leito de morte. Talvez, porém, eu não venha a morrer de maneira a poder refletir sobre minha vida retrospectivamente.
As pessoas que têm este tipo de oportunidade, a de refletir sobre a vida pouco antes de morrer, costumam dar depoimentos interessantes, embora que óbvios. Não falarei sobre o tema das "reflexões no leito da morte" agora, mas prometo que uma dia falarei sobre o assunto com a atenção que o tema merece. Basta agora que eu aceite que a maioria dos depoimentos dos que refletem sobre suas vidas ao morrer recomendam menos disciplina e mais liberdade e caos, mas decidir se essas recomendações estão corretas ou não fica para outro momento.
Concluo lembrando que só podemos mudar nossa vida com relação ao futuro, e nunca em relação ao passado. Mas o futuro é incerto, de maneira que não há regra capaz de garantir que ser ou não ser disciplinado irá fazer deste futuro uma vida melhor ou pior do que imaginamos para nós mesmos.
A questão da incerteza do futuro é um problema universal não resolvido, e não serei eu que irei resolvê-lo agora, aqui, neste blog, nesta postagem singela. O que quero frisar é que eu tenho consciência de que nem mesmo os moribundos, em que pese a sabedoria de uma visão retrospectiva, detêm o poder do oráculo, e suas recomendações não possuem o poder de corrigir a vida de outras pessoas. A questão da incerteza permanece.
Falarei muito sobre o futuro neste blog, mas não agora. Agora, encerrarei esta argumentação sobre a disciplina e as limitações que ela impõe e recomendarei que leiam o próximo post. Ele abordará a disciplina sob outros aspectos, ampliando o assunto e trazendo outras considerações que julgo interessantes de serem lidas.
Mas, a rotina que nos escraviza precisa ser combatida. Ela não pode ser eliminada de todo, embora muitos utopistas ingênuos ou maliciosos acreditam que pode. Não vou entrar neste tipo de discussão agora. Apenas quero lembrar que não desejamos que a rotina de obrigações tome conta total de nossa vida. Precisamos de algum equilíbrio. Mas, o que é que equilibra nossa vida, que seja contrário à rotina massacrante?
As pessoas costumam achar que o contrário da ordem é o caos. O contrário da disciplina é liberdade. O contrário da regra é a criatividade. A disciplina é uma camisa de força. A liberdade criativa é a festa que tanto desejamos.
Ao constatar que a disciplina é fundamental para se conseguir algum resultado prático no mundo das realizações humanas, não estou tornando nossa vida mais rígida, e assim, restringindo ainda mais as possibilidades criativas das pessoas, fazendo a vida menos alegre, menos livre, menos surpreendente?
Esta é a pergunta que fiz a mim mesmo, a qual reproduzo logo abaixo:
"A disciplina não é uma camisa de força?"
A resposta a esta pergunta, tal como a maioria das perguntas da série, não é fácil de ser dada em poucas palavras.
Se admitirmos que a maioria das pessoas que compram livros de autoajuda sequer se dão ao trabalho de ler uma pequena parte do livro, somos forçados a admitir que essa grande maioria não é formada de pessoas disciplinadas. Podem ter disciplina para realizar uma série de atividades quaisquer, mas não têm disciplina para o ato da leitura. Logo, as pessoas podem ser disciplinadas na realização de certos atos e indisciplinadas na realização de outros. As pessoas dispõem de liberdade de escolha para elegerem serem disciplinadas quando realizam um dado ato e não outro. Assim, as razões pelas quais uma pessoa decide realizar disciplinadamente o ato A e não o B baseiam-se em geral em questões de gosto, de custo-benefício e de viabilidade. As pessoas costumam fazer coisas que gostam. Elas também preferem coisas fáceis de serem feitas, e por fim, elas esperam alcançam algum ganho depois de se esforçarem por algo. Ninguém gosta de fazer coisas contra a vontade, nem de tarefas difíceis, nem de trabalharem de graça.
Mas, se podemos escolher, então somos livres. Não somos forçados a vestir a camisa de força da disciplina contra nossa própria vontade. Ninguém é obrigado a seguir as instruções de um livro de autoajuda contra a vontade, nem lhe são sugeridas ações fáceis e simples que lhe darão riquezas sem fim. Se algo assim é oferecido, a pessoa que se compromete com este algo o faz livremente. Se seu esforço não redunda em nada, ou é muito difícil, ela pode parar na hora que quiser.
Assim, a camisa de força existe, mas não é obrigatória.
Uma pessoa pode decidir seguir regras difíceis, longas, cansativas e que produzirão resultados incertos. Esta escolha pode se dar por uma série de razões, que a pessoa julga serem capazes de justificar seu esforço. Tarefas difíceis em geral prometem grandes coisas, embora não necessariamente garantidas. Uma pessoa pode achar que vale a pena o risco. A decisão é dela.
Uma pessoa que não gosta de levar a vida cheia de regras e de lutas árduas em troca de metas incertas e difíceis pode olhar para outra pessoa que leva uma vida regrada, cheia de objetivos difíceis e ambiciosos e pensar que a vida desta pessoa disciplinada é uma vida triste, dolorosa, que não apresenta nenhuma razão para ser vivida. Pessoas indisciplinadas detestam pessoas disciplinadas. Não é necessariamente uma questão de inveja. Por vezes, o disciplinado batalha em vão. O que o indisciplinado detesta no disciplinado é a ambição. Para a primeira, a ambição da segunda é como vender a alma ao diabo. A ganância do ambicioso faz deste uma pessoa seca, infeliz, e por maior que seja o prêmio oferecido, e ainda que ele o alcance, para o indisciplinado, não vale a pena, e o ganhador do prêmio é apenas um imbecil iludido e enganado.
Uma vida disciplinada tem seus prêmios, mas pode ser uma vida estéril. Nossa cultura moderna prega o contrário. Disciplinados são vistos como pessoas imbecis, que não vivem uma vida verdadeira. São engolidos pelo "Sistema".
Quando eu faço a pergunta a mim mesmo, eu procuro saber se em meu íntimo eu não estaria abrindo mão de uma vida feliz, embora economicamente menos promissora, em troca de uma vida financeiramente mais rica, mas pobre em todos os demais aspectos.
Acho que não vivi o suficiente para ter uma resposta dada por mim mesmo e que satisfaça a minha curiosidade.
Talvez nunca a tenha. Talvez eu a tenha em meu leito de morte. Talvez, porém, eu não venha a morrer de maneira a poder refletir sobre minha vida retrospectivamente.
As pessoas que têm este tipo de oportunidade, a de refletir sobre a vida pouco antes de morrer, costumam dar depoimentos interessantes, embora que óbvios. Não falarei sobre o tema das "reflexões no leito da morte" agora, mas prometo que uma dia falarei sobre o assunto com a atenção que o tema merece. Basta agora que eu aceite que a maioria dos depoimentos dos que refletem sobre suas vidas ao morrer recomendam menos disciplina e mais liberdade e caos, mas decidir se essas recomendações estão corretas ou não fica para outro momento.
Concluo lembrando que só podemos mudar nossa vida com relação ao futuro, e nunca em relação ao passado. Mas o futuro é incerto, de maneira que não há regra capaz de garantir que ser ou não ser disciplinado irá fazer deste futuro uma vida melhor ou pior do que imaginamos para nós mesmos.
A questão da incerteza do futuro é um problema universal não resolvido, e não serei eu que irei resolvê-lo agora, aqui, neste blog, nesta postagem singela. O que quero frisar é que eu tenho consciência de que nem mesmo os moribundos, em que pese a sabedoria de uma visão retrospectiva, detêm o poder do oráculo, e suas recomendações não possuem o poder de corrigir a vida de outras pessoas. A questão da incerteza permanece.
Falarei muito sobre o futuro neste blog, mas não agora. Agora, encerrarei esta argumentação sobre a disciplina e as limitações que ela impõe e recomendarei que leiam o próximo post. Ele abordará a disciplina sob outros aspectos, ampliando o assunto e trazendo outras considerações que julgo interessantes de serem lidas.
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