O uso de frases de pessoas famosas, ou o uso de frases famosas que, de tão usadas, tornam também seus criadores famosos, é uma coisa comum.
Este uso, eu disse aqui, torna tudo o mais que vem depois um pouco mais belo, e por isso, frases de pessoas famosas são muito usadas. E este uso gera implicações.
Tomo a liberdade de lembrar aqui que entre as frases famosas, nem todas possuem um dono conhecido. Dentre estas, incluo os ditados populares e os provérbios. Eles se enquadram na categoria de frases, e embora não saibamos quem os cunhou, certamente eles foram cunhados um dia. Eles não nasceram do nada, ou na pior das hipóteses, eles nasceram de um povo, tanto que muitos são citados como sendo ditados de um povo x, ou de um país y.
Independentemente de terem ou não um dono conhecido, as frases trazem sutilmente um suave cheiro de sabedoria. Quando citadas, dão a quem cita um leve ar de saber das coisas. Se alguém cita, é porque conhece a frase de algum lugar, e portanto, tem suas fontes, e se a frase é boa, então o citador tem boas fontes, e se a frase é boa e desconhecida, ou de gente desconhecida, melhor ainda: o citador dispõe de bom gosto e de fontes pouco acessíveis à plebe em geral. Mais fino supõe-se ser o citador.
Quem é citado, então, é a fonte do saber. É como um pequeno objeto que brilha. E se muito citado, mais cintilante é. E se, por fim, tem muitas e variadas, e boas, citações, este é a nascente do saber. São os Goethes, os Nietzches, os Nerudas, os Saramagos, os Chico Buarques da vida.
Citar alguém é promover alguém. Uma citação é uma propaganda.
Propaga-se a frase, mas propaga-se a ideia embutida na frase. E propaga-se o autor da frase. E propaga-se as ideias do autor da frase. Citar Neruda é alardear publicamente que se admira Neruda.
Quero dizer, então, que admiro Hitler, já que o citei?
Este é o problema das citações.
Uma frase, em si, fora de seu contexto, tem uma força, e uma forma, que é diferente da força e forma que tem quando dentro de seu contexto original. Uma frase, banal dentro de um contexto, pode ser uma excelente frase isoladamente. E o inverso também é verdadeiro.
Certas frases precisam de contexto para se fazerem entendidas. Se tomadas isoladamente, não dizem nada.
Na verdade, qualquer livro é na verdade uma coleção de frases. E certamente a maioria, na verdade quase todas, não tem impacto algum isoladamente. Em conjunto, formam o livro, mas isoladamente, são inertes. Uma ou outra consegue brilhar no meio de um livro todo.
Por vezes uma frase é o resumo de milhares de outras. Por vezes, milhões de palavras precisam ser ditas, para que se possa chegar a uma conclusão tal que possa ser dita em apenas uma ou duas frases. Por vezes, é somente depois de se dizer milhares de frases preparatórias é que se chega à frase lapidar, que comprime em si todas as outras, como um diamante.
Há uma semelhança entre uma frase e os modernos métodos de compactação eletrônica. Por meio de algoritmos, um conjunto de dados, como os bits que compõem uma imagem digital, podem ser rearranjados de modo tal que a mesma imagem pode ser representada com um conjunto muitíssimo menor de bits. Há bits redundantes, repetidos ali, que podem ser simplificados. E o mesmo, creio, se dá com as frases famosas. Elas dizem com poucas palavras o que por vezes vem antes dito em livros inteiros. Elas são, na verdade, ideias compactadas.
Não é fácil chegar a elas. Para isso, não se dispõe de algoritmos e máquinas que operem sobre bits ou dados. Elas somente chegam ao estado de perfeição depois de muito meditar, ou depois de séculos de experiência social de um povo.
No entanto, vez por outra, sem querer, achamos frases que, dentro de um contexto, explicam algo, ou expressam algo que sabemos o que significa, mas que não fomos capazes de sintetizar em forma de palavras. Essas frases não são os raros diamantes que representam a complexidade compactada em poucas letras, mas ainda assim, elas são significativas para nós, que não tínhamos ainda as palavras certas para expressar algo que desejávamos expressar.
Essas não são frases famosas, mas ainda assim, são frases significativas, e podem ser citadas sem maiores problemas. Exceto...
Exceto se quem as proferiu for um vilão?
Não. Exceto que precisamos contextuá-las, sob o risco de parecermos estar fazendo propaganda de um vilão, quando na verdade não é nada disto.
Não há razão para não citar um vilão se este vilão disse algo que me parece sensato. Ele não deixará de ser vilão simplesmente por ter sido citado.
Um vilão é sempre isto: um vilão. Já está julgado pela história e não será perdoado apenas por ter uma ou duas frases suas citadas qui e ali.
Contexto, aqui, é tudo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário