Eu disse que gosto de escrever.
Já escrevi em cadernos com canetas comuns, escrevi à máquina, depois passei aos computadores e ao Word, e depois aos blogs. O próximo passo é escrever em um tablet ou em um celular. Mas teve uma época em que os tablets e celulares não eram tão poderosos ou estavam em estágio embrionário. Nesta época, eu vi a possibilidade de usar os handhelds, os dispositivos manuais, como os Palms e similares.
Depois de pesquisar bastante, acabei comprando pela Internet um dispositivo interessante. Era um tipo de handheld chamado Da Vinci. Era um aparelhinho com tela sensível ao toque, armazenava pequenos blocos de texto e tinha um tecladinho que podia ser adaptado com um cabo. Depois, vinha com um outro cabo, que o conectava ao micro. Tinha um CD com um software e eu podia transferir os textos criados nele para o micro. Não era cheio de muitos recursos, como tela colorida, câmeras ou aplicativos variados, não tinha conexão wi-fi nem celular, mas servia para um propósito que eu achava importante: eu poderia andar com ele o tempo todo e ir anotando coisas nele.
Eu poderia anotar pequenos blocos de texto, depois transferir para o micro.
Mas o que eu pretendia anotar de tão importante?
Nesta época, eu era disciplinado com minhas finanças. Eu anotava tudo que gastava, e mantinha um controle no computador com o Microsoft Money. Então, sempre que gastava algum dinheiro com alguma coisa, eu anotava em algum bloquinho de papel ou mesmo guardava na memória. Então, o aparelhinho era ideal para esse tipo de controle.
Depois, eu queria escrever um livro sobre alguma coisa catastrófica. Mas eu não queria escrever somente em casa, num determinado arquivo de computador. Eu queria escrever sempre que tivesse tempo livre, e esse tempo livre nem sempre era em casa, em frente ao micro. Muitas vezes eu tinha tempo, mas longe de casa, e sem um micro para escrever. Se fosse sempre em frente a um micro, eu poderia usar um disquete (porque naquela época não havia pen drives, e os CDs regraváveis eram caros, e não havia gravadores em todas as máquinas disponíveis). Mas nem sempre havia locais com computadores à mão.
Eu poderia escrever em um caderninho, mas depois eu teria que perder um tempo precioso digitando tudo no Word. Então, com o aparelhinho, era só escrever, depois passar para o micro e formatar no Word, sem o trabalho de digitar tudo do zero. Enfim, a ideia era boa. Achei que o tecladinho seria minha nova caneta, e o aparelhinho, meu novo papel.
Tentei habituar-me ao novo dispositivo. Cheguei a anotar algumas coisas. Algumas despesas, alguns parágrafos de um livro. Sempre que penso no meu Da Vinci, me vejo em um ponto de ônibus em frente ao Parque Pecuário de Goiânia, sentado ao sol, com o aparelhinho na mão, procurando as letras no visorzinho preto e branco.
Depois, copiei tudo para o micro. Deve ter dado algumas dezenas de bites. Havia um recurso no software de sincronização que fazia um backup dos dados do Da Vinci no HD do computador. Perfeito. Fiz o backup, para não perder nada. Depois lancei as despesas no Money.
Depois desisti de escrever no Da Vinci.
Hoje ele está guardado num saco plástico em alguma parte de uma estante de livros e bugigangas, num quarto de casa que uso como biblioteca.
Paguei caro pelo Da Vinci: R$ 295,40. Fiquei excitado esperando ele chegar pelo correio. Comprei-o pelo site Submarino. Isso foi no dia 19/08/2003. Curioso: hoje faz quase exatamente oito longos anos que o comprei. Sei disso porque anotei tudo no Money. Na época, foi um investimento bastante bem pensado. Achei que seria uma grande ferramenta para um cara que gosta de escrever como eu.
Está tudo guardado, sem uso.
Falo dele porque fui fazer um backup de dados e tenho muita informação guardada. Os dados do Da Vinci foram gravados em um micro anterior a este que uso hoje. Era um Pentium 266 com 98 megas de RAM, e um HD de 3 gigas. Depois instalei outro de 60 gigas, que foi para o espaço quando mudei-me de Goiânia para Ribeirão Preto. Mas não perdi nada, porque tinha o bendito backup.
Vejam, não sou paranóico com falhas de HD e dados perdidos. Isso ocorre de tempos em tempos, podem ter certeza disso.
Então, no meu micro novo, o que uso ainda hoje, tem uma pasta com o backup do micro velho. Fui dar uma olhada no que havia de importante por ali e sai abrindo pastas na ordem em que foram aparecendo. E lá estava ele, o arquivo do Da Vinci, logo na primeira pasta.
Oh, o que havia de importante nele?
Primeiro, alguns parágrafos de um livro que comecei a escrever. O que esses parágrafos diziam?
Depois falo deles.
E o que mais havia?
Havia as anotações das despesas. O que elas significam hoje?
Não sei, mas quase nada, a não ser que me fazem lembrar de coisas que jamais me lembraria sem a ajuda delas. E por vezes penso que se não são coisas que me lembro normalmente sem a ajuda de anotações, então não deve ser nada de importante ou útil.
De qualquer forma, foi com pesar que me lembrei do meu Da Vinci.
Quanta expectativa! Quanto desinteresse quase que imediato!
Ele era um brinquedo inútil? Não, não era.
Eu é que perdi o interesse nas coisas.
O livro está inacabado.
Não registro nem controlo mais minhas finanças.
O que houve comigo?
Onde foram parar meus planos?
O que se passou nesses oito anos que fizeram com que eu mal me reconheça em minhas lembranças e registros?
Será que mudei tanto assim?
Não sei. Sim, mudei. Mas não perdi a mania de anotar tudo.
Também não adquiri o hábito de usufruir das coisas que desejo e conquisto.
Eu ainda tenho muito que aprender.
Ah! A tela do Da Vinci ficou velha e o cristal não mostra mais quase nada.
Eu não posso mais usá-lo.
Ele está morto.
E eu só o usei uma vez!
Eu ainda tenho muito que aprender nessa vida...
Nenhum comentário:
Postar um comentário