quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Três quadros na parede

Eu escrevi aqui:

"Três quadros na parede"

"O ano exato eu não sei. Foi provavelmente em 1980. Talvez um ou dois anos antes. Talvez um ou dois anos depois. É difícil precisar o dia exato de um acontecimento quando ele se dá de maneira casual, quase imperceptível. 

Por isso, não sei bem em que ano o fato que narro aconteceu.

Mas sei bem, passados trinta anos depois de ocorrido, da importância do fato.

Não importa. Eu era um garotinho, tinha uns dez anos de idade e morava com minha família na pequena Tujuguaba.

Tujuguaba, como veremos fartamente mais adiante, é uma pequena comunidade, um vilarejo, que fica bem próximo da pequena cidade de Conchal. Sempre foi assim.

Minha mãe era de Conchal. Meu pai, de Tujuguaba. Depois de casados, decidiram morar em Tujuguaba. Então, neste dia de 1980 (vamos aceitar que foi em 1980 mesmo, para deixar a história mais bonita), nós saímos de Tujuguaba e fomos a Conchal, visitar nossa avó Verginia, que ali morava.

Era um passeio como muitos outros. Íamos na casa da avó sempre. Era uma coisa natural e corriqueira.

E sempre era nos fins de semana. Um sábado, ou um domingo talvez.

E era sempre a mesma coisa. Chegávamos, meu pai ia para os bares da cidade e nós, o restante da família, ficávamos na casinha humilde de minha avó.

Eram quase sempre as mesmas conversas. O mesmo tipo de assunto. Os mesmos problemas. As mesmas lembranças.

Minha mãe, minha avó, minhas tias, os adultos em geral, falavam sobre o passado. Nós, crianças, ouvíamos, entediadas.

Havia razão para o tédio. Nós, as crianças, ouvíamos histórias de pessoas, lugares, coisas e épocas que não faziam nenhum sentido para nós. Quem era a Tia Tonica? E quem foi o tio Benedito? Não fazíamos a menor ideia, porque era tudo gente ou muito velha, ou já morta há muito tempo atrás.

Não sabíamos, e nem nos importávamos muito. Gostávamos mesmo somente das histórias de assombração e dos lobisomens.

Mas então, neste dia, neste dia em particular, de alguma forma o assunto transcorreu para um passado que me interessou. Algo em mim havia amadurecido e agora ao menos parte daquelas histórias antigas fazia algum sentido. 

Falavam sobre meu avô, já falecido. Pai de minha mãe. Esposo de minha avó. Vô Zé Indalécio. 

Minha avó viúva morava numa casa muito pequena e simples. Havia em uma das paredes três retratos velhos, amarronzados pelas décadas de poeira e tempo.

Nos dois quadros menores, idênticos em forma e moldura, havia um casal. Era formado pelo pai e pela mãe de meu avô. Minha avó falou sobre eles. 

No outro quadro, o maior, mais um casal. Este era formado pelos avós paternos de meu avô, pai de minha mãe. E minha avó falou sobre eles também.

Aquelas lembranças não se perderam no tempo. Estão comigo. 

Fascinam-me.

Elas precisam ser contadas.

Minha avó Verginia contou a história partindo do presente e retrocedeu até onde sabia no fundo do tempo.

No entanto, partindo do fundo do tempo eu a recontarei, no sentido cronológico habitual. 

Em um dos quadros na parede, meus bisavós. No outro, meus tataravôs. Em um dos quadros, um casal de velhos. Nos outros dois quadrinhos menores, mais um casal de velhos.

Por que esses quadros são tão importantes?

Eles são importantes porque eles contam a história de meus antepassados mais antigos. 

Um pouco de genealogia e matemática se faz necessário aqui.

Eu tenho dois pais. Logo, tenho quatro avôs. E em consequência, tenho oito bisavós. E se tudo correu bem, tenho dezesseis tataravôs.

Sei quem são meus pais. Sei quem são meus quatro avôs. Já não sei tudo sobre meus bisavós. Sei alguma coisa a respeito somente de seis deles, dentre os oito bisavós que necessariamente tive. Sobre dois deles nada sei. E dos dezesseis tataravôs, só sei alguma coisa sobre dois deles. São sobre esses dois que falo agora. Exatamente por serem os meus antepassados mais antigos é que começo por eles. 

Eles estão retratados em um daqueles quadros. Eles são aqueles dois velhos que vi em um daqueles três quadros pendurados na parede da sala de minha avó materna em 1980.

Sei que eles são meus tataravós porque minha avó assim o disse, com base em sua longa vida com meu avô, seu marido, neto daqueles dois velhos do quadro.

Eu poderia simplesmente repetir a história que minha avó contou naquele dia, mas prefiro contar as coisas a meu modo. E vou contá-la agora."

Pensando bem, eu poderia contar esta história exatamente da maneira que a minha avó contou.

Poderia.

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